segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Ancestralidade para quem?, FSP

 Catarina Ferreira

SÃO PAULO

Assim como o empoderamento aparece a rodo em produtos voltados ao bem-estar feminino, e outros grupos minorizados, a ancestralidade alcançou as marcas que querem dialogar com a população negra.

O que não é um problema, mas pode vir a ser caso a palavra seja empregada fora de contexto, para tentar enegrecer algo que tem pouca ou nenhuma relação com a negritude brasileira.

Ancestralidade é herança. E, no caso das pessoas negras, o legado histórico, cultural e mesmo familiar precisa ser resgatado, não está ao alcance das mãos, em documentos guardados no fundo de alguma gaveta, ou numa busca rápida na internet.

Esteve, porém, na memória daqueles que já se foram, mas, devido à crueldade do racismo, não puderam registrar devidamente sua história. Contudo essa herança resiste, está em hábitos passados de geração em geração, em práticas religiosas, em comunidades tradicionais etc.

Não parece estar, por exemplo, em uma oficina de computação, ou na estampa de uma xícara. Nem em uma marca de beleza, gerida por brancos, que coloca uma modelo negra apenas na campanha do mês de novembro, prática que não é incomum.

Durante uma entrevista com Ana Vitorio, curadora que pesquisa fotolivros na University of the Free State, na África do Sul, perguntei como ela identificava trabalhos que exaltavam, genuinamente, o resgate histórico que o artista diz ter sido sua proposta.

Para ela, cada trabalho parte de "estágios de maturidade diversos" e algumas produções se destacam pela "seriedade da pesquisa e capacidade de aprofundamento", é isso que vai tratar a história de uma forma propositiva.

Fora da arte, o mesmo parece válido. Em vez de apenas colocar a palavra ancestralidade na propaganda, por que não destacar o que do legado afrobrasileiro está presente na iniciativa, marca ou produto?

Caso a intenção seja valorizar características de uma comunidade, religião, ou de alguma filosofia que atravessou o Atlântico junto dos povos negros, vale o esforço para não esvaziar o sentido de algo tão importante.

Nenhum comentário: