O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se disse “extremamente satisfeito” com a operação policial que, a pretexto de reagir ao assassinato de um PM, deixou ao menos 13 mortos no Guarujá. Isso significa que, para o governador, mesmo que, até este momento, pairem fundadas suspeitas de excesso por parte da polícia, a operação foi bem-sucedida. Ora, não cabe ao chefe do Executivo estadual fazer essa avaliação antes da apuração detalhada do caso, especialmente quando os indícios apontam para o exato contrário.
A segurança pública envolve decisões políticas a respeito de várias questões complexas, sobre as quais cada governante pode e deve ter uma específica compreensão. Há muitos possíveis caminhos, com diferentes propostas, para prover paz e ordem pública. São, em última análise, escolhas que cabe à população realizar por meio do voto.
No entanto, existem alguns princípios norteadores da segurança pública que não estão à disposição de escolhas políticas. Eles não são negociáveis. Por exemplo, o Estado não tem o direito de executar ninguém, tampouco o de torturar. Trata-se de uma limitação constitucional intransponível do poder estatal. Ressalte-se ainda que não há pena de morte no País – e, ainda que houvesse, não cabe à polícia fazer o julgamento e executar sumariamente a sentença. A tarefa das forças policiais é prover segurança aos cidadãos, e não realizar revanches ou vinganças, seja por qual motivo for.
Nenhum desses princípios depende da inclinação político-ideológica do governante ou mesmo da sua popularidade perante a opinião pública. É a lei brasileira, à qual todos estão igualmente sujeitos. Por isso, operações policiais que causam mortes – especialmente as que causam muitas mortes – devem ser objeto de apuração rigorosa e isenta. Só assim será possível distinguir os casos de abuso policial daquela outra situação, excepcional, na qual o agente de segurança tem não apenas o direito, mas o dever de matar, para proteger a coletividade e a si mesmo.
Certamente, a morte de um policial é um fato gravíssimo, a exigir imediata atuação do poder público. Mas ela não suspende a vigência da lei por um período, numa espécie de autorização excepcional para que a polícia promova a correspondente vingança. Também não elimina as regras da razoabilidade e da proporcionalidade. “Não houve excesso”, afirmou o governador de São Paulo, antecipando-se às investigações e ignorando os indícios que indicam o oposto. Há inclusive relatos de tortura e de execução sumária, o que demanda acurada e independente apuração.
Num juízo de valor precipitado, Tarcísio de Freitas disse que “houve uma atuação profissional” da polícia no caso do Guarujá. Ora, não parece muito profissional uma polícia que mata mais de uma dezena de pessoas a título de prender o suspeito de um crime. Isso pode ser aceitável para quem acha que “bandido bom é bandido morto”, mas, além de desalinhada com a lei, essa concepção de segurança pública coloca em risco a vida e a segurança da própria população. No Estado Democrático de Direito, nenhuma autoridade pública tem o direito de aplaudir uma atuação policial que, neste momento, parece eivada de truculência.
Tarcísio de Freitas tem todo o direito de ter suas ideias políticas, mas se afasta da lei e das evidências ao tratar violência policial como boa política de segurança pública. Na condição de governador do Estado, deve evitar que suas palavras sejam confundidas com estímulo à atuação da polícia à margem da lei, com regras próprias de funcionamento. A lei é para todos. E polícia não é milícia.
Na investigação da ação policial, serão muito úteis as imagens produzidas pelas câmeras usadas nos uniformes dos PMs. Ainda não está claro se essas imagens existem ou mesmo se os policiais envolvidos estavam com câmeras, mas esse é o típico caso em que o equipamento justifica o investimento: se os PMs agiram conforme os protocolos e as leis, as imagens vão mostrar. É essa transparência que incomoda tanto aqueles que acham que justiçamento é justiça.
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