O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou uma postura “militante” para barrar as ações do governo de Jair Bolsonaro, segundo dois estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), obtidos pela coluna. As ações do STF seriam uma reação ao chamado “infralegalismo autoritário”. É assim que especialistas classificam a estratégia de Bolsonaro para governar o País entre 2019 e 2022. Agora, seria a hora de o STF voltar à normalidade institucional.
No período Bolsonaro, a Corte tomou 231 decisões sobre a conduta do ex-presidente e de seus apoiadores relacionadas a atos hostis à Constituição e aos seus princípios, algo inédito na história da Nova República. Os números foram reunidos por pesquisadores.
A coluna publica os dados e conclusões das pesquisas após as polêmicas dos ministros do STF. Alexandre de Moraes disse ter sido hostilizado no Aeroporto Fiumicino, em Roma, por razões políticas. Antes, o ministro Luís Roberto Barroso dissera em congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE): “Derrotamos o bolsonarismo”. Foi o que bastou para voltar a inflamar as redes sociais bolsonaristas contra os dois.
É em razão deste contexto polarizado que os artigos dos professores Oscar Vilhena, Rubens Glezer e Ana Paula Barbosa devem ser lidos com atenção. Eles esmiúçam ainda a relação do então chefe do Executivo com o Congresso. Chegaram à conclusão de que Bolsonaro foi o presidente com a menor taxa de aprovação de projetos no Legislativo, a chamada “taxa de sucesso”, com 37,9%, quase dez pontos porcentuais a menos do que a do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2003), com 46,2%.
Já a taxa de dominância, que indica se agenda do Congresso está sendo pautada pelo presidente, foi ainda menor. Ficou em 28,32% ante 35,15% de Dilma Rousseff (PT), até então o pior resultado entre os mandatários. O fracasso em montar uma coalizão estável levou Bolsonaro – segundo os pesquisadores – a abusar do uso de Medidas Provisórias, sendo o recordista no uso dela (254 editadas), bem como de decretos, onde estabeleceu outro recorde, com 1.426 publicados.
Destes, 314 alteraram a estrutura da burocracia federal, sendo que 80% deles tinha por objetivo modificar, extinguir ou limitar a atuação de conselhos e colegiados. Foram nos decretos que os pesquisadores encontraram o que chamam de caminho usado pelo ex-presidente por meio do qual ele teria tomado as medidas que mais se chocaram com a Constituição.
Tanto o Congresso como o Supremo reagiram ao método. Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, isso acontecia porque Bolsonaro teria uma visão tortuosa do papel da Presidência. “É o presidente com menos institucionalidade da história. Isso porque ele entendia seu papel como o de um imperador, que não deve se submeter aos demais Poderes, como se fosse o comandante em chefe do Poder Moderador.”
Os pesquisadores da FGV verificaram ainda que Bolsonaro teve a menor taxa de conversão de MPs em leis dos presidentes pesquisados – 45,28% ante 68,75% de Dilma – e também a maior quantidade de vetos derrubados pelo Congresso. Foram 30, ante 4 do governo de Michel Temer e 2 do segundo mandato de Dilma. No começo, a cada rejeição de uma medida, o governo via a ação deletéria da “velha política”, que não lhe deixava governar, justificativa que caiu em desuso após o acordo de Bolsonaro com o Centrão.
A advertência de Fachin
Já na segunda metade do governo, os principais embates de Bolsonaro foram com o STF. E eles continuam. Desde o “Perdeu, mané”, proferido em Nova York em resposta a um bolsonarista que o perseguia na rua, o ministro Barroso se tornou um dos alvos preferenciais da direita. O discurso na UNE, ainda que depois ele o tenha esclarecido por meio de nota no qual afirmado ter querido dizer “extremismo golpistas em vez de bolsonarismo”, reacendeu o debate sobre o papel do STF.
“Tenho dificuldade em aceitar a expressão democracia militante. Se ela significa desrespeito à lei, eu não posso concordar com isso. O Estado Democrático de Direito pressupõe o respeito à lei, um primado básico da sociedade. Os excessos precisam ser corrigidos”, afirmou à coluna o procurador regional da República Bruno Calabrich. Ele afirma que a legislação não autoriza nenhum magistrado ou integrante do Ministério Público tomar partido de candidatos. “Talvez haja incompreensão de agentes do Judiciário e do Ministério Público de seu papel na democracia”, critica.
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