Num dos melhores episódios da última temporada de “The Crown”, série da Netflix, há uma reveladora sequência envolvendo a personagem de Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido, interpretada por Gillian Anderson. Ela é mostrada em casa, ao fogão, de panela na mão e avental, aviando o jantar, enquanto seus nervosos ministros, também na cozinha, tentam convencê-la a aprovar uma sanção à África do Sul, exigida pelos membros da Commonwealth. É uma decisão de que depende a unidade do Império Britânico. Mas Thatcher nem cogita interromper o preparo de sua omelete ou fritada para discutir o assunto. Eles saem de mãos abanando.
Margaret Thatcher foi uma das mulheres mais poderosas do século 20. Tomou amargas medidas econômicas, peitou a monarquia, declarou guerra à Argentina e ganhou todas. Era a Dama de Ferro. Se quisesse, teria oito chefs à sua disposição para cozinhar, mas preferia ela própria pilotar suas trempes. Em diversas ocasiões, a série a mostra como uma governante modesta, atenta a custos. Numa produção de luxo quase indescritível, seu guarda-roupa pouco varia, como se ela só tivesse mesmo dois ou três tailleurs.
Duvido que sir Winston Churchill, seu mais ilustre antecessor na vida real, tenha algum dia fervido uma água. Ou Evita Perón, “mãe dos descamisados”, dito “Por favor” a um serviçal. Ou Fidel Castro, fumante de charutos, esvaziado um cinzeiro. Ou Jacqueline Kennedy, a deusa, lavado uma calcinha.
O poder faz do mais consciencioso um folgado. Donald Trump, depois de presidente dos EUA, nunca mais abriu uma porta. Jair Bolsonaro, a Constituição.
Acabo de saber que, na dita sequência de “The Crown”, o objeto na mão da Dama de Ferro era uma travessa, contendo um prato a que, com esmero e ternura, ela estava aplicando rodelas de ovo cozido —uma paella, talvez. A dama podia ser de ferro, mas só do gabinete para dentro.
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