segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

NIKI MARDAS Quatro coisas que Joe Biden poderia fazer para proteger a Amazônia, FSP

 6.dez.2020 às 23h15

Niki Mardas

Diretor-executivo da Global Canopy, organização internacional que trabalha com ONGs que atuam na Amazônia

Pelo que me lembro, o desmatamento de florestas tropicais nunca havia sido tema de debate em eleições presidenciais dos Estados Unidos.

Durante debates e em várias entrevistas, Joe Biden fez do combate à destruição da Amazônia uma prioridade de campanha. Sua solução? Os EUA deveriam liderar a comunidade internacional na arrecadação de US$ 20 bilhões para estimular o Brasil a proteger a maior floresta tropical do mundo.

inesperado foco do presidente eleito dos EUA na Amazônia reflete uma verdade poderosa: a emergência global que enfrentamos tem a ver tanto com a destruição da natureza quanto com as mudanças climáticas. Não podemos enfrentar nenhuma dessas crises isoladamente. Até um terço dos impactos das mudanças climáticas pode ser solucionado se conseguirmos reverter a destruição de florestas tropicais.

Mas Biden assumirá a Presidência dos EUA em um momento em que se agrava a situação no Brasil. Desde sua posse, Jair Bolsonaro vem revertendo avanços duramente conquistados nas últimas décadas —cortou recursos destinados à proteção ambiental, atacou os direitos dos povos indígenas e incentivou a expansão da mineração na Amazônia. O resultado é o maior índice de desmatamento em 12 anos e uma crise devastadora que vem afetando o modo de vida e territórios de povos que, há milênios, são guardiões das florestas.

Mais de dois terços do desmatamento tropical em todo o mundo estão ligados à produção de commodities —como soja e carne ​bovina—, que recebem mais de US$ 1 trilhão a cada ano. Esse problema está profundamente enraizado em nosso sistema globalizado de comércio. Ao se concentrar nessas forças de mercado, a liderança norte-americana pode ser decisiva.

Em primeiro lugar, os EUA devem seguir os passos da Europa e passar a exigir das empresas que seus produtos e cadeias de abastecimento não estejam vinculados ao desmatamento. Isso poderia ser feito com base na Lei Lacey, que proíbe a importação de animais selvagens, plantas e madeira traficados ilegalmente.

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Em segundo lugar, os EUA devem promover esforços para criar um novo marco para a gestão de riscos socioambientais pelo setor financeiro. Recentemente, o Fed (banco central americano) incluiu riscos climáticos em sua avaliação de estabilidade financeira. O novo governo poderia consolidar essa medida e tornar obrigatórias as divulgações relacionadas a impactos financeiros das mudanças climáticas até 2025, como fez o Reino Unido. Os EUA poderiam ir além, assumindo uma posição de liderança e promovendo uma nova iniciativa global, que está criando uma estrutura para divulgar os impactos de atividades empresariais na natureza.

Em terceiro lugar, Biden deve incluir o comércio e a política externa em seus esforços para combater o desmatamento. Ele deve deixar claro que qualquer futuro acordo comercial com o Brasil estará condicionado a compromissos de proteção das florestas e direitos das comunidades indígenas e locais. Não menos importante será o envolvimento da China, maior importador mundial de desmatamento, com quem o democrata colaborou para chegar ao Acordo de Paris. É hora de reencontrar uma base comum e adotar medidas conjuntas relativas às mudanças climáticas.

Por fim, um objetivo fundamental deve ser o apoio à arrecadação dos fundos para enfrentar as mudanças climáticas. Os países ricos mobilizaram US$ 78,9 bilhões para apoiar países em desenvolvimento em 2018, mas isso ainda está muito longe da meta de US$ 100 bilhões ao ano.
Também é necessária uma mudança no destino desse financiamento. Apesar de seu potencial singular, as florestas recebem apenas uma pequena fração, e também por isso a meta de US$ 20 bilhões de Biden seria um primeiro passo de enorme importância.

É claro que suas ambições enfrentarão resistências tanto em nível federal quanto estadual. Contudo, ter o peso da Casa Branca por trás dessa pauta turbinará também a ação de empresas e investidores que já estão liderando o caminho, além de galvanizar a cooperação internacional antes da próxima Cúpula do Clima, em Glasgow, na Escócia.


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