sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Por que não gostávamos da Adriane Galisteu?, Tati Bernardi FSP

 Há uma semana sonho sem parar com Adriane Galisteu. Essa frase poderia abrir uma crônica divertida, mas infelizmente vou falar sobre o ódio contra as mulheres.

Em 1994, quando eu tinha 15 anos, não gostava da Adriane Galisteu. No meu grupo de amigos da escola e da rua, ou mesmo entre boa parte dos integrantes da minha família, todos detestavam Adriane Galisteu. Então, porque eu era adolescente e esse era meu mundo, passei a não suportar ouvir a voz da então modelo.

Adriane Galisteu, mulher loira com cabelos ondulados, usa jaqueta de couro preta e vestido brilhante, sorrindo em ambiente noturno com iluminação amarelada e veículos ao fundo.
A apresentadora Adriane Galisteu em lançamento de livro no Recife, em 2010 - Fernando Donasci - 16.jun.09/Folhapress

Eu estava na plateia do Serginho Groisman com a minha classe quando Adriane participou do programa para divulgar seu livro "Caminho das Borboletas: Meus 405 Dias ao Lado de Ayrton Senna". Quem assistir à ótima série documental "Meu Ayrton", na HBO Max, vai ver que nesse dia ela foi bastante desrespeitada. Eu me lembro dos adolescentes amontoados, em sua maioria meninos, combinando tudo: "Vamos detonar essa puta". O que ela tinha feito para nós? De onde alguém havia tirado que ela era puta? Por que deveríamos odiar qualquer outra mulher que porventura fosse puta? A gente não sabia a resposta para nenhuma dessas perguntas.

Importante dizer que a minha mãe sempre gostou de Adriane. Minha mãe, que na década de 80 conseguiu o divórcio com muito sacrifício depois de ser humilhada por juízes, escorraçada pelos irmãos, perseguida pelo meu pai, assediada por uma infinidade de colegas e maldita pelos amigos por ser vista como uma ameaça ambulante —bonita e desquitada—, afirmava: "O que estão fazendo com essa moça é desumano".

Nessa mesma época minha mãe também se condoía pelo assassinato de Ângela Diniz, morta três anos antes de eu nascer. Sem entrar em muitos detalhes, explicava do jeito dela (ainda que eu não entendesse nada): "O assassino é esse tipo de homem que odeia mulher e só gosta de homem, que idolatra a si mesmo e ama outros homens. Mas, pra transar, ele prefere mulher. Daí foi namorar uma que, além de ser melhor do que ele, ainda não abaixava a cabeça". Vinte anos depois, encontrei o mesmo pensamento em livros feministas. Minha mãe tinha uma teoria acadêmica e nem sabia.

As manchetes da semana já decoramos. A cada seis horas, uma mulher é assassinada no Brasil, vítima de violência de gênero. No dia 29 de novembro, uma mulher foi atropelada e arrastada (por mais de um quilômetro). Dois dias depois, um homem atirou seis vezes contra a ex-companheira. A cidade de São Paulo bateu recorde de feminicídios em 2025 (imagina se desse para incluir nesse estudo todas as vezes em que um desgraçado não chegou a matar, mas tentou)?

Mas para além das leis, dos debates e de muito barulho, o que mais pode ser feito?

Na minha adolescência, deixei de me irritar com a liberdade e a beleza de Adriane Galisteu porque tenho mãe. Semana passada, assistindo ao novo documentário de Adriane, deixei espalhados pelo chão da sala 20 lenços encharcados de choro porque tenho filha.

Ainda na escola parei de chamar indígenas de vagabundos (ouvi tanto isso na infância que cresci repetindo) porque tive bons professores de literatura e de história. Virei feminista e uma mulher de esquerda porque conheci grandes mulheres ao longo da vida. O que nos salva do meio precário em que nascemos, cercadas por tantos homens e por tanta ignorância, é a mesma combinação que é capaz de salvar o mundo: mulheres, mães, filhas, professores e livros. Muitos livros. Talvez seja necessário saber mais para morrer menos. Melhor dizendo: talvez seja necessário que eles saibam mais para que a gente morra menos.

Banheiro premium é absurdo que não resolverá dificuldades das companhias aéreas , Maria Inês Dolci FSP

 Maria Inês Dolci

Advogada especializada na área da defesa do consumidor

Quando pensávamos que as práticas de privilégio por classe social começariam a ser atacadas, surgiu o banheiro premium da Latam. Não, não se trata de colocar um banheiro adicional exclusivo para os passageiros da cabine Premium Economy. Trata-se de restringir o uso dos sanitários localizados na parte dianteira das aeronaves, para que sejam utilizados exclusivamente pelos clientes que pagarem mais pelas passagens aéreas.

Ou seja, haverá menos banheiros para o restante dos passageiros. O Procon-SP não engoliu a prática da companhia aérea, e a notificou para prestar esclarecimentos. Minha crítica não significa que não admita benefícios adicionais de acordo com o valor pago pelo cliente.

Placas com o logotipo da LATAM exibidas em área interna de aeroporto, com teto e iluminação visíveis ao fundo.
Agência da Latam em aeroporto de Bogotá - Sergio Yate - 28.nov.25/AFP


Mas há muitas formas de beneficiá-los. Por exemplo, oferecendo lanches melhores do que snacks e refrigerantes. Disponibilizando revistas e jornais. Enfim, diferenciais que ampliem o conforto da viagem.

Banheiro, contudo, deveria ser um direito igual para todos. Afinal, refere-se a necessidades básicas. Assim como um copo de água para matar a sede. Ou ao cinto de segurança para proteger o cliente de eventuais ferimentos.

Certamente, os desafios das companhias aéreas para continuar no mercado, ameaçadas por dificuldades financeiras nos últimos anos, não serão solucionados com discriminação de serviços prioritários como os sanitários.

E muito já foi feito para cortar custos, reduzindo os serviços ao consumidor. Vamos lembrar que, no passado, as empresas aéreas forneciam refeições e lanches de qualidade. O despacho das malas era gratuito. Hoje, até reservar um assento pode encarecer o voo, paga-se o despacho de bagagens e não há refeições nem lanches que mereçam este nome.

O problema, faço questão de enfatizar, não é o passageiro. O cliente é a solução. As dificuldades financeiras decorrem do leasing de aeronaves, feito em dólar, sujeito a grandes oscilações em suas cotações. E ao custo do querosene de aviação, inflado pela cobrança de tributos.

Além disso, a renda dos brasileiros ainda é muito concentrada. Conforme o presidente Lula ressaltou, em recente pronunciamento em que anunciou a isenção de Imposto de Renda para quem ganhe até cinco salários mínimos em 2026, o 1% mais rico da população do Brasil acumula 63% da riqueza nacional, enquanto a metade mais pobre da população detém apenas 2%.

Esses números demonstram a importância de as empresas aéreas defenderem melhores salários para os brasileiros. Se a classe média fosse bem maior, haveria milhões de pessoas a mais comprando passagens aéreas.

Recentemente, os deputados federais da Comissão de Turismo da casa legislativa criticaram os preços das passagens aéreas. Um dos parlamentares observou que um voo Brasília-Manaus está mais caro do que uma viagem internacional Brasília-Lisboa. Um banheiro exclusivo resolveria isso?

Dino diz ser 'constrangedor' papel da AGU de Messias em caso Axia, ex-Eletrobras, FSP

 Fábio Pupo

Brasília

O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), chamou de constrangedor o trabalho da AGU (Advocacia-Geral da União) na pactuação do acordo entre o governo Lula (PT) e a Axia (ex-Eletrobras).

O documento, que prevê mais cadeiras estatais na empresa em troca de a companhia ficar desobrigada de um investimento bilionário em Angra 3está sendo julgado pela corte.

Dino contestou o acordo, dizendo que há elementos estranhos ao objeto inicial, voltado ao direito de voto da União na empresa. Para ele, os demais temas representam um jabuti (jargão político para matérias sem relação com o assunto inicial).

Homem de meia-idade com cabelo grisalho e óculos usa terno cinza, camisa branca e gravata verde. Ele segura um microfone na mão direita e levanta a mão esquerda com a palma aberta, sentado em ambiente escuro com fundo preto.
Ministro Flávio Dino durante XV Congresso Internacional de Direito e Processo do Trabalho em São Paulo - Danilo Verpa - 03.set.25/Folhapress

De acordo com Dino, o jabuti em questão atende a interesses privados da Axia e do grupo J&F. Também está em jogo, na visão do ministro, a desobrigação em Angra 3.

"A mim é muito constrangedor como brasileiro que a AGU tenha feito esse acordo. Primeiro por causa desse jabuti do tamanho de um elefante. E o segundo é que nesta tribuna os advogados repetidamente disseram que os trabalhadores não foram ouvidos", disse.

Dino acompanhou o entendimento do ministro Alexandre de Moraes, que foi o primeiro a abrir divergência e defendeu que o STF valide só a parte que garante mais assentos da União nos conselhos da empresa.

Para os ministros, não se poderia colocar na mesma discussão outros itens que não o ponto central da ação inicial do governo. O objeto da contestação da gestão Lula era o fato de a União ter 42% das ações da empresa com direito a voto, mas na prática ver esse direito ficar restrito a menos de 10%.

Para os ministros com essa visão, a decisão do STF sobre o caso deve versar, portanto, apenas sobre o direito de voto da União na empresa. E não acerca de outros pontos da negociação.

"O que ocorreu aqui no caso é que havia um problema de índole constitucional, abstrata, judicializada pelo excelentíssimo presidente da República. E ocorreu no mundo dos fatos algo superveniente, [que foi a notícia] Eletrobras vende participação da Eletronuclear à J&F dos irmãos Batista", disse.

"O Supremo não tem nada a ver com isso. Os irmãos Batista, que são grandes empresários brasileiros, resolveram comprar uma participação na Eletronuclear. O que é estranho? É isso ser trazido à jurisdição constitucional."

Em outubro, a Âmbar Energia, braço da J&F, assinou contrato para adquirir a totalidade da participação detida pela ex-Eletrobras na Eletronuclear. A operação totalizou de R$ 535 milhões e está sujeita à aprovação dos órgãos reguladores.

Como pano de fundo, está a discussão sobre as obras de Angra 3, que se arrastam há 39 anos, estão paralisadas desde a Operação Lava Jato e demandam mais R$ 23,9 bilhões para serem concluídas. A Axia quer se livrar da obrigação do investimento, mas o governo dá repetidos sinais de que quer terminar a usina.

A crítica de Dino à AGU, comandada por Jorge Messias, é feita após o advogado-geral da União ser indicado por Lula a uma cadeira no STF.

Messias enfrenta resistência entre ministros da corte, a exemplo do próprio Dino, e no Senado, que é responsável por aprovar ou reprovar o nome. O cronograma para avaliação e votação da indicação foi cancelado nesta semana pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).