sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Comer com as mãos é mais gostoso, Suzana Herculano-Houzel, FSP

 A gente aprende no mundo ocidental que o educado é comer com talheres, essas pazinhas de metal que levantam a comida do prato e a trazem à boca, numa mini-versão da corrida equilibrando a batata na colher onde a gente mostra a competência adquirida na infância. Mas aí colocam um sanduíche, taco mexicano ou burrito na frente da gente, ou um rolinho primavera vietnamita cru, que a gente tem que pegar com a mão, mesmo, ou um bom pedaço de frango assado —e céus, a experiência sensorial é completamente diferente. A comida comida com as mãos é um deleite para os sentidos.

Faz todo sentido. O principal órgão sensorial da boca é a língua, que é muito mais que um músculo, mas, para começo de conversa, é um músculo mesmo, e, como tal, é cheio de receptores proprioceptivos. Esses são terminações nervosas que envolvem fibras musculares modificadas, chamadas fusos (por causa de seu formato), e indicam ao cérebro quão esticadas ou encurtadas os fusos estão, conforme os músculos se contraem.

Ou seja: os receptores proprioceptivos informam ao cérebro toda e qualquer mudança no formato da língua, conforme ela se estica, alarga, abraça e acolhe a comida na boca. Além disso, se o que entra na boca é um pão crocante, uma tortilha macia ou frango se despedaçando de tenro, a experiência proprioceptiva da boca é completamente diferente.

Mulher de cabelos escuros e roupa preta come sanduíche embrulhado em papel, olhando para espelho em parede de azulejos claros. No balcão há lata de refrigerante, guardanapo e recipiente de tempero.
Pessoa comendo um bagel, em Londres - Ben Stansall - 22.jan.2025/AFP

Mas quando se usa um garfo... basta abrir a boca sempre do mesmo jeito para acolher o montinho de comida. E, uma vez dentro da boca, quem primeiro se expõe a ela é o palato, nome chique mas muito menos poético do céu da boca, que tem muito menos receptores do que a língua.

Ainda antes do sabor, que depende da difusão de moléculas da comida para dentro das papilas gustativas, vêm a textura e a temperatura, cortesia de outros tipos de receptores nervosos, dos tipos cutâneo e interoceptivo. Os primeiros indicam a maciez ou aspereza da comida, se ela começa líquida, em partículas ou pedaços grandes, se desliza na boca ou é seca. Os segundos indicam a temperatura, e eventualmente a presença de substâncias químicas como menta, álcool ou pimenta.

Só então vem o paladar de fato, que é a parte menos rica e sensorialmente interessante da comida, porque ela só informa ao cérebro o tipo de nutriente que será digerido: proteína, sal, açúcares, ácidos ou alcalóides.

E nada disso sozinho é sabor ainda. O sabor é criado no cérebro, como a combinação de tudo isso e mais um tanto: o cheiro da comida, que, se vinda de garfo, a gente só detecta quando já está dentro da boca, conforme a gente respira enquanto mastiga —pois o cheiro da comida chega ao nariz pelo lado de dentro, pela garganta.

Mas quando se come com as mãos, a comida é trazida inteira à boca, bem debaixo do nariz, que tem a oportunidade de inalar toda aquela deliciosidade ainda antes dela ser abocanhada.

A alternativa muito mais saborosa para a sopa é sorvê-la diretamente de uma xícara ou pote, que também muda tudo, a começar com o biquinho que a gente faz para puxar para a boca o líquido, que vai desde já inundando todas as superfícies com todo tipo de sensação ao mesmo tempo.

Por isso os pauzinhos dos orientais, que deixam a língua abraçar a comida imediatamente, são uma grande invenção. O sushi não teria o mesmo sabor se fosse comido de garfo e faca...


Se aposentar cedo parece ficar cada vez mais difícil por aqui, The News

 

ecentemente, uma pesquisa indicou que os brasileiros desejam “pendurar as chuteiras” até os 62 anos, com uma renda média mensal de R$ 22 mil por mês. O problema é que isso pode estar bem distante da realidade.

(Imagem: CNN Brasil)

Dados do IBGE mostram que quase 1 em cada 4 brasileiros com +60 estavam ocupados em 2024, o maior índice já registrado na história. Em números absolutos, isso significa 8,3 milhões de idosos na ativa.

A taxa de desemprego entre idosos caiu para 2,9%, bem abaixo da média geral do país (6,6%). Entre os homens de 60 a 69 anos, quase metade ainda trabalha.

Mas por que isso está acontecendo?

  1. Brasileiros estão vivendo mais: A expectativa de vida subiu para pouco mais de 76 anos, o que permite que muitos tenham saúde para se manter na ativa;

  2. Reforma da Previdência: Com exigências maiores para aposentadoria, mais pessoas permanecem no mercado para poderem se aposentar com uma remuneração melhor.

Além disso, o rendimento ajuda a explicar o cenário. Idosos ganham, em média, R$ 3.561, valor 14% acima da média nacional. Não à toa, 43% trabalham por conta própria, modelo que permite flexibilidade e renda extra.

Isso não é uma tendência exclusiva nossa… Nos EUA, americanos +75 têm o dobro de chances de estar no mercado de trabalho agora do que no início dos anos 1990. Atualmente, mais de 4% da população com mais de 80 anos ainda trabalha.

 

Morte de Elis Regina fez Fernando Henrique Cardoso deixar a política de lado, FSP 105

 ão Paulo

Fernando Henrique Cardoso escreveu sobre a morte de Elis Regina em coluna publicada na Folha em 1982 — 13 anos antes do início de seu governo. Ele começou assim: "Hoje eu não quero escrever sobre política. Chega de pacotes, prorrogações, reeleições, sabujices de toda ordem".

A cantora gaúcha havia morrido no dia anterior, aos 36 anos. O futuro presidente, então sociólogo e professor da USP, não a conhecera pessoalmente. Mas guardava um bilhetinho dela: "Será que vai receber meu voto sem nos conhecermos?".

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso - Karime Xavier - 3.mai.2019/Folhapress

Elis havia feito um show e doado a receita para a campanha eleitoral dele ao Senado em 1978. "Campanha quase sem recursos. Mas os que vieram, vieram assim, no embalo da generosidade", escreveu.

Fernando Henrique Cardoso não pôde ir ao show. "Estava imerso no cotidiano da campanha, sei lá por onde neste São Paulo imenso." Enviou um livrinho de entrevistas à imprensa. E ficou "amargando, agora para sempre, a falta do abraço e do reconhecimento".

Leia a seguir o texto completo, parte da seção 105 Colunas de Grande Repercussão, que relembra crônicas que fizeram história na Folha. A iniciativa integra as comemorações dos 105 anos do jornal, em fevereiro de 2026.

Elis Regina (21/1/1982)

Hoje eu não quero escrever sobre política. Chega de pacotes, prorrogações, reeleições, sabujices de toda ordem. Há dias em que, por respeito a sentimentos genuínos, não dá para perder tempo com tanto lixo, tanta desonestidade e tanta ousadia de mequetrefes que viram manchete de jornal por melhor servir ao Poder desservindo ao País.

Morreu Elis Regina.

Não cheguei a conhecê-la pessoalmente. Admirei-a de longe, como todo mundo. Recebi dela, certa vez, um bilhetinho que dizia: "Professor, será que vai receber meu voto sem nos conhecermos?" Foi no dia em que ela fez um "show" e doou a receita para ajudar a campanha eleitoral. Campanha quase sem recursos. Mas os que vieram, vieram assim, no embalo da generosidade.

Eu não pude sequer ir ao "show". Estava imerso no cotidiano da campanha, sei lá por onde neste São Paulo imenso. Enviei a Elis um livrinho de entrevistas à imprensa. E fiquei amargando, agora para sempre, a falta do abraço e do reconhecimento. Anos depois, conversamos pelo rádio. Fiz-lhe uma pergunta genérica sobre sua participação na vida política e recordei, envergonhado, minha dívida: faltava aquele abraço.

Hoje dá tristeza. Elis Regina não se interessava por política no sentido banal. Era uma intérprete, como poucas, do sentimento que há nas ruas e em cada um de nós. Não sei se jamais fui "partidária". Tinha, por certo, partido. Tomava partido. Em tudo: basta ouvir suas entrevistas. Sabia-se tímida, achava-se feia; era pequenina. E naquele peito, naquela voz, tremia muito sentimento. Das coisas fundamentais; das pessoais. No canto, não explodia revoltada contra a ordem injusta: não precisava. Bastava ser, como era, capaz do sentimento mais simples para, sem nada dizer, dizer tudo.

Parece que morreu no desespero. Por não saber e por respeito, é melhor não conjecturar. Morreu triste. A morte é sempre triste. Tinha, possivelmente, um livro em aberto de ajustes de contas pessoais.

Mas deixou esperança: um País que produziu, apesar de toda a canalhice que por aí reina, uma mulher capaz de ser mensagem, é mensagem captada por milhões de pessoas, sem nenhuma demagogia e de não precisar da retórica para que todos sentissem que ela era, era sim, parte da política verdadeira, dos que querem mudar tudo para que a tristeza não esteja sempre pontilhando o sucesso de cada um, não está perdido.

Eu choro hoje pelo abraço que não dei. Choro pelo que de sofrimento há espalhado nestas ruas de São Paulo de adeus e quem venceu sem encontrar o sossego. Mas enxugo a lágrima na certeza de que o estofo deste tipo de artista é o arcabouço de um mundo que, a despeito de tudo, ainda será construído.