quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A sombra do crime organizado na política, Editorial FSP

 

Relatório recém-divulgado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alerta para o risco de atuação de organizações criminosas nas eleições de 2026.

A interferência desses grupos na política e na gestão pública se dá como extensão da diversificação dos negócios ilícitos —que não se restringem mais ao tráfico de drogas— na economia formal, seja com a comercialização de produtos adulterados ou contrabandeados, lavagem de dinheiro, aplicações financeiras e participação em contratos públicos.

Operações recentes da Polícia Federal, como Fim da Linha, Carbono Oculto, Poço de Lobato e Compliance Zero, revelaram a engenharia criminosa que sustenta essa influência nefasta.

Controle de concessões de transporte, lavagem por ditas fintechs, fraudes tributárias e fragilidades do sistema financeiro constituem um cenário de imbricação de dinheiro lícito e ilícito no qual a política pode ser capturada por meio de recursos destinados a partidos e campanhas.

Os riscos envolvem candidaturas de fachada, investidores fictícios, ausência de controle padronizado da origem de verbas e patrocínios, lacunas na regulação de gastos e estruturas de fiscalização insuficientes para o volume e a complexidade das operações que ocorrem em eleições.

Se o crime organizado se infiltra na atividade econômica e no Estado, amplifica sua capacidade não só de influenciar resultados de pleitos, mas de moldar decisões e capturar políticas públicas.

A Operação Zargun, deflagrada em setembro, oferece um recorte dessa cooptação. A investigação de um esquema de corrupção entre lideranças da facção Comando Vermelho e diversos agentes públicos no Rio de Janeiro, ainda em andamento, levou às prisões do deputado estadual TH Joias (MDB) e de ninguém menos que o presidente da Assembleia Legislativa fluminense, Rodrigo Bacellar (União Brasil).

A resposta exige coordenação institucional e adesão a boas práticas já recomendadas por organismos internacionais, como ONUOCDE e Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI).

Entre elas, reforço da inteligência financeira, rastreamento aprofundado do beneficiário final de empresas e doadores, auditorias contínuas de campanhas eleitorais, transparência de contratos públicos em tempo real e responsabilização efetiva pela Justiça de candidatos e partidos apoiados por recursos ilícitos.

Um esforço integrado na mitigação de riscos é imperativo para preservar a integridade das eleições —e, em última instância, a confiança na democracia.

editoriais@grupofolha.com.br

Onde almoçar ou jantar por apenas R$ 1 em São Paulo, Marcos Nogueira, FSP

 Marcos Nogueira

São Paulo

Fiquei cabreiro ao receber o convite para integrar o júri de um concurso de receitas do Bom Prato —programa social do governo de São Paulo, com uma rede de restaurantes que serve refeições a R$ 1, mesmo valor desde o ano 2000.

Hesitei porque não queria ser instrumento de propaganda do governo. Por outro lado, trata-se de um programa admirável sob muitos aspectos.

Costela ao molho escuro servida com molho no prato branco, acompanhada de salada verde com tomate e porção de gratinado de batata ao fundo.
Prato de costelinha com molho barbecue de goiabada, receita de Josicleide Sousa, do Bom Prato Campinas - Marcos Nogueira /Folhapress

Não é obra dos poderosos da vez —a razão do concurso é o 25º aniversário do Bom Prato, celebrado no próximo dia 28. Entrega alguma dignidade aos socialmente vulneráveis, das pessoas em situação de rua aos idosos esquecidos pela família.

Aceitei o convite e não me arrependi. No sábado (29/11), fui ao refeitório do Bom Prato no M’Boi Mirim (zona sul) provar as cinco receitas finalistas do concurso. Encontrei uma comida realmente boa, não apenas para pratos vendidos por R$ 1 (o custo declarado de cada refeição é R$ 9,80).

A refeição do Bom Prato consiste em uma carne, uma guarnição de legumes ou massa, uma saladinha, arroz, feijão e uma fruta de sobremesa.

O prato vencedor, uma costelinha com molho barbecue de goiabada, estava simplesmente delicioso. Obra da paraibana Josicleide Sousa, que cedeu a receita para publicar aqui.

Mas eu precisava experimentar o Bom Prato fora das fanfarras da solenidade. Fui à unidade do Limão (zona norte) para almoçar na terça-feira (2), às 13h15.

Entreguei a moeda e ganhei um pratão com frango ao molho, cenoura e chuchu refogados, salada de rúcula, arroz e feijão. Tudo gostoso, quantidade mais do que satisfatória.

Fica então a dica para quem reclama que paga imposto e não recebe nada de volta: qualquer um pode almoçar ou jantar muito bem em São Paulo por apenas R$ 1. Valor que só é viável porque aparato estatal está aí para proteger os vulneráveis com o dinheiro de quem pode pagar.

COSTELINHA AO BARBECUE DE GOIABADA

Receita de Josicleide Sousa, do Bom Prato Campinas

Rendimento: 4 porções

Dificuldade: média

Tempo de preparo: 90 a 120 minutos

Ingredientes para a costelinha

  • 8 ripas de costela de porco
  • 50 ml de vinagre
  • 50 ml de shoyu
  • 1 colher (sopa) de molho inglês
  • 2 dentes de alho triturados
  • 1 colher (chá) de páprica defumada
  • 1 colher (chá) de chimichurri seco
  • 1 colher (chá) de ervas finas
  • Ingredientes para o barbecue
  • 100 g de goiabada
  • 50 g de ketchup
  • 50 ml de vinagre
  • 20 ml de shoyu
  • 1 colher (chá) de páprica defumada
  • Sal a gosto

Preparo

  1. Misture a costela com os temperos e deixe marinar por pelo menos meia hora. Cubra com papel-alumínio e asse a 230ºC por 1 hora, ou até a carne ficar macia
  2. Misture os ingredientes do barbecue e cozinhe por cerca de 15 minutos, até obter um molho grosso. Adicione água, se necessário. Acerte o sal
  3. Remova o papel-alumínio e pincele a costela com o molho. Asse por mais 15 minutos para caramelizar

Supertrunfo constitucional, Hélio Schwartsman -= FSP

 

São Paulo

Brasileiros descobriremos em breve qual Poder detém o supertrunfo, se é o Judiciário, ao qual cabe sempre a última palavra em disputas legais, ou se é o Legislativo, que tem a prerrogativa de alterar as próprias regras do jogo.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, deu mais uma esticada na corda da catimba constitucional ao decidir monocraticamente que só o procurador-geral da República pode propor o impeachment de ministros do STF, entre outras mexidas na lei 1.079/50.

Ministro do Supremo Tribunal Federal sentado em cadeira de couro marrom, vestindo toga preta e óculos, com mão no queixo em gesto pensativo. Bandeira do Brasil ao fundo.
O ministro Gilmar Mendes em sessão plenária do STF - Victor Piemonte - 31.ago.2025/STF

Se o clima em Brasília já era tenso por causa das recentes desinteligências entre Lula e Alcolumbre em torno de qual prerrogativa é de quem, ficou agora tempestuoso com a liminar que dilui o poder do Senado de enquadrar juízes do Supremo. A decisão vai ao plenário virtual do STF, mas dificilmente será revertida. Um trunfo que nunca decepciona no Brasil é o do corporativismo.

Paradoxalmente, é boa a peça escrita por Gilmar. A análise política é acurada, sobretudo nas partes que tratam do constitucionalismo abusivo (usar normas constitucionais para erodir a Constituição). Também destacaria o competente resumo da evolução do instituto do impeachment, do surgimento na Inglaterra do século 14 até sua inclusão na Constituição americana de 1787, de onde o mecanismo irradiou-se para as Cartas de diversos países.

Se Gilmar agisse na capacidade de cientista social, eu subscreveria sua análise. Ocorre que ele é também um ator político que tomou uma decisão escandalosamente "pro domo sua". Ele editou a versão pró-STF da natimorta PEC da Blindagem, pela qual parlamentares tentaram escudar-se de investigações criminais.

Com isso, o magistrado deflagra uma corrida armamentista que não tem como terminar bem. A investida do Judiciário não ficará sem troco do Legislativo. Mesmo que os dois Poderes evitem um confronto final, o resultado será desgaste institucional.

O Brasil caminha para tornar-se um curioso caso de país cuja democracia esmorece sem que haja mais um candidato a ditador tentando eliminar o sistema de freios e contrapesos.