quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A opacidade bilionária dos cartórios, FSP

 Maria Vitória Ramos

O Brasil é um país de contrastes extremos, onde instituições do século 21 convivem sem constrangimento com estruturas do século 16. No sistema de justiça, poucas são tão anacrônicas quanto os cartórios: criados pelas Ordenações do Reino de Portugal, ainda reproduzem a lógica colonial que lhes deu origem. A opacidade domina os mais de 13 mil cartórios espalhados pelo país, sustentando um ambiente de concentração de renda, ineficiência e captura de poder.

A distorção é tão grande que Bruno Carazza dedica um capítulo inteiro ao tema em "O Pai dos Privilégios". Apesar da exigência constitucional de concursos públicos desde 1988, muitos cartórios continuam, na prática, sendo herdados de pai para filho. O serviço é lento, caro e profundamente desigual. Como pode ser que algumas folhas de papel devam custar valores vinculados ao preço do bem envolvido? Segundo o livro, apenas em 2022, o sistema cartorial arrecadou R$ 23,4 bilhões, ou 0,25% do PIB.

Em 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que obrigou os cartórios a divulgar, em seus próprios sites, um espaço denominado "transparência", onde conste dados sobre o valor arrecadado, a remuneração do responsável pelo serviço e as suas despesas.

Prédio do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília
Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, aprovou resolução que obrigou os cartórios a divulgar dados sobre transparência, mas fiscalização sobre o assunto engatinha - Rafa Neddermeyer -3.nov.23/Agência Brasil

A fiscalização sobre o assunto, sob responsabilidade dos tribunais estaduais, ainda engatinha. Nesse meio tempo, algumas informações já estão consolidadas no site do próprio CNJ, cuja análise permite constatar que a média mensal de remuneração dos titulares é de R$ 141.884,25, quase três vezes mais do que os já elevados supersalários dos membros do Judiciário e do Ministério Público.

Se a transparência em si já é um problema, os serviços não estão muito melhores. Embora, de fato, tenha ocorrido uma digitalização nos últimos anos com a criação de portais de serviços nacionais, muitos cartórios —em pleno 2025— ainda não aderiram a estes sistemas, obrigando o cidadão a ter que se deslocar presencialmente.

Muitos sequer possuem sites onde seja possível localizar adequadamente os tipos de serviços prestados, seus requisitos e preços. Este último, por sua vez, varia de forma gritante de estado para estado, em razão da ausência de regulamentação nacional sobre o tema por força do lobby liderado pela Anoreg (Associação dos Notários e Registradores).

De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), a falta de comunicação dos dados de óbitos pelos cartórios ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) acarreta milhares de pagamentos irregulares a pessoas já falecidas. Este fato já havia sido objeto de denúncia pela Fiquem Sabendo, que em 2023 resultou em determinação ao INSS para que fiscalizasse e multasse os cartórios que não forneciam as informações conforme determina a Lei Geral da Previdência Social.

Não bastasse tudo isso, apesar de ser urgente a desburocratização para facilitar a vida de pessoas comuns e empresas, o forte lobby do setor é tão grande que o projeto de novo Código Civil, atualmente sob análise do Senado Federal, é tão generoso com a área que chegou a ser apelidado de "Código dos Cartórios" em razão da quantidade de atribuições que confere aos registros públicos.

Ainda que, em tese, traga mais segurança jurídica à economia, precisamos sem demora passar a exigir mais transparência, eficiência, padronização e prestação de contas ao setor. O CNJ precisa estabelecer mecanismos de controle e fiscalização mais rigorosos, exigindo a divulgação de informações organizadas, centralizadas e em formato padronizado. Por fim, é urgente a unificação nacional das tabelas de emolumentos e a desvinculação do valor do serviço do valor do bem.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Mônica Bergamo - Fenaj e sindicatos condenam chegada de Datena à EBC, FSP

 A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e os sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal, do município do Rio de Janeiro e de São Paulo vão divulgar uma nota de repúdio contra a contratação de José Luiz Datena como apresentador da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), ligada ao governo federal.

Como mostrou a coluna, Datena comandará um talk show semanal na emissora e terá também um programa diário na Rádio Nacional, que faz parte do conglomerado de veículos da empresa.

O presidente Lula e Datena - Ricardo Stuckert/Divulgação

Na nota, as entidades afirmam que, em sua trajetória, o apresentador "consolidou um tipo de jornalismo marcado pelo desrespeito sistemático aos direitos humanos e pelo proselitismo político —práticas vedadas pela legislação que rege a comunicação pública e que criou a EBC."

O convite a Datena foi endossado pelo próprio Lula (PT), que o recebeu na segunda (1º) no Palácio do Planalto. Os dois são amigos há várias décadas.

Para a Fenaj e os sindicatos, a contratação do apresentador demonstra a "ausência de um projeto consistente para a comunicação pública federal".

As entidades afirmam que denunciam o desmonte na EBC desde 2016. "No governo Bolsonaro, enfrentamos tentativas de privatização e censura." Dizem também que, após três anos de gestão Lula, pouco se avançou na valorização profissional e reestruturação da empresa.

À coluna, Datena disse que o fato de a EBC ser vinculada ao governo não impede que ele mantenha a autonomia que sempre teve em todas as empresas que trabalhou. "Eu sempre fui independente. E inclusive enfrentei problemas por causa disso. Não iriam agora me convidar para ser tendencioso. O meu papel será sempre o de jornalista, e todos sabem disso", afirmou.

A ideia é que o seu programa semanal tenha convidados de alto nível para falar sobre os mais variados temas —entre eles, segurança, área em que atua como jornalista há muitos anos. A atração estreia em janeiro.

com DIEGO ALEJANDRO, KARINA MATIAS e VICTÓRIA CÓCOLO

Máquina acelera produção de fios de cabelo feitos com bananeira, FSP

 Silvia Frias

Campo Grande

Aos 12 anos, Marilza Eleoterio de Barcelos Silva se recorda que fez creme alisante com soda e banana. "Meu cabelo ficou 100% liso, aí usei em minhas colegas, na minha tia. Ficaram lisas, mas feriu a cabeça de todo mundo", ri.

Hoje, a cabeleireira de 49 anos de Campo Grande (MS) comemora a repercussão de um projeto pessoal: um cabelo sustentável desenvolvido a partir da fibra de bananeira, de baixo custo.

Marilza vive em uma casa simples de madeira, na comunidade Lagoa Park. O trabalho ainda é artesanal, mas foi ampliado com uma máquina criada por ela, que permite a produção de 20 quilos por semana. O produto custa R$ 150 a cada 100 gramas de fios.

Mulher negra com blusa listrada observa fios coloridos pendurados em barraca de mercado. Fios em tons de vermelho, amarelo, roxo e marrom cercam a cena. Placa ao fundo indica nome da instituição e contatos.
A cabeleireira Marilza Eleoterio de Barcelos Silva descobriu na fibra da bananeira alterativa para tecer fios de cabelos - Marcos Maluf/Campo Grande News

O uso de fibra da bananeira não é iniciativa nova. No Espírito Santo, por exemplo, a quilombola Myrian Dealdina Foutora é artesã e já utiliza a técnica para produzir cabelo biodegradável desde 2019.

No Rio Grande do Sul, alunos do Sesi desenvolveram, em 2024, perucas também a partir da fibra de bananeira.

Cabeleireira há 20 anos, Marilza conta que sempre tentou descobrir um material para uso próprio. "Eu queria achar alguma coisa para meu bem-estar, porque meu cabelo não é nem rebelde, ele é selvagem, não tem definição."

Tentou sizal, mas achou que o resultado ficava muito grosso. Depois, planta taboa, mas era muito frágil. Em 2018, no quintal de casa, veio a descoberta, quando retirava cacho de banana com faca de serra ruim.

O corte irregular desfiou o tronco da planta, revelando fibras finas. "Eu não tinha nem ideia de que bananeira tinha fio, aí pensei: 'Isso vai dar bom'".

Mulher sorridente segura mechas longas de cabelo sintético e um tubo branco em barraca rústica. Ao fundo, várias extensões coloridas penduradas em cordas.
Ela própria buscava solução para trançar os cabelos, com sisal e planta taboa, mas foi a fibra de bananeira a opção que virou negócio - Marcos Maluf/Campo Grande News

A partir daí, começaram os testes. As fibras suportaram chapinha e modelador de cachos, mas ainda faltava um produto que deixasse o material macio, já que as marcas existentes no mercado não resolviam totalmente o aspecto e a textura de palha.

Em 2021, com a pandemia, a cabeleireira deixou o projeto de lado e só voltou nele em 2024, quando passou a ser acompanhada pelo Programa Inova Cerrado, do Sebrae/MS. Descobriu os tipos de fibra, a durabilidade e as colorações que duram mais, como fazer cachos e até como deixar mais fino ou mais grosso.

O trabalho manual era exaustivo. Ela e o marido retiravam apenas 100 gramas por dia, usando colher e faca.

Com ajuda de um vizinho, ela desenvolveu engenhoca simples de madeira com três lâminas de serra e um pedal, elevando a produção. Depois de desfiar, os fios são desembaraçados, coloridos e hidratados. As mechas de aplique e as perucas são feitas em mesa de tear improvisada, mas também podem ser armazenadas secas.

O material não pinica e pode ser trançado, usado em rabo de cavalo ou cacheado. Ainda está sendo testado no formato de megahair. O aplique fica pronto em um dia, e a peruca, em 15 dias.

Marilza ainda tem cerca de dez "modelos" espalhadas pela região onde mora, mulheres que receberam os cabelos de graça e vão passar relatos para ver o que pode ser aprimorado, além de funcionarem como chamariz para outras clientes. Ela mesma exibe tranças longas e loiras feitas com a fibra vegetal. "Está na hora de retocar", diz.

A partir de junho deste ano, a cabeleireira desenvolveu hidratante à base de uma fruta do cerrado, ingrediente que mantém sob sigilo.

A durabilidade dos fios de fibra de bananeira varia. A dica é mantê-lo limpo e seco, evitando deixá-lo úmido por muito tempo. Quando descartado, leva oito dias para se decompor na natureza, sem representar risco ambiental.

Em agosto, o trabalho de cabelo sustentável de Marilza foi compartilhado nas redes sociais pelo Sebrae/MS e ganhou a internet.

O que era caseiro, vendido na vizinhança, deve se expandir. Marilza procurou um químico para produzir o creme para atender a demanda, já que a ideia é fazer a venda conjunta. Para este ano, está prevista a entrega de 80 quilos. "Fiz 17 produtos com essa fruta."

Segundo a advogada Nyllávia Ramalho, que acompanha Marilza, ela tem registro de marca "Meus Cabelos Meus Fios" e requerimentos de patente desde 2021. Os processos de propriedade intelectual estão em tramitação no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), com dois já avaliados formalmente, comprovando a inovação do projeto.

"Tem encomenda para dois meses", diz. O shampoo de 250 ml, atualmente a R$ 16, e o hidratante de 150 g, a R$ 90, também passarão por revisão de preços. "Mas não vai fugir muito disso não", garante a cabeleireira, que está recebendo consultoria para redimensionar os gastos.