terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Teodoro Sampaio acumula lojas vazias e gera temor em comerciantes e moradores, FSP

 

São Paulo

Comerciante na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona oeste da capital, desde o início dos anos 1990, Gianfranco Cundari, 65, olha com preocupação o entorno de sua loja, entre a rua Cunha Gago e a avenida Pedroso de Morais. No trecho, ele conta ao menos dez pontos comerciais com as portas fechadas.

A alta vacância se prologa por quase toda a rua, um dos principais centros comerciais da cidade. Em pouco mais de cinco quarteirões, há ao menos 40 imóveis comerciais com placas de "aluga-se" ou "vende-se", média de oito por quadra. "Aqui está terrível, a rua está decadente demais", diz Cundari, que calcula haver cerca de 900 comércios em funcionamento na rua.

Fachada de loja com portas metálicas fechadas e grafites, incluindo um desenho rosa. Acima, várias pichações e placas de venda. À direita, manequins vestidos com roupas femininas expostos na calçada ao lado de uma barraca verde vazia.
Comércio de portas fechadas na rua Teodoro Sampaio; trecho que reúne imóveis desocupados preocupa vizinhos - Zanone_Fraissat/Folhapress

O trecho fica na região conhecida como Baixo Pinheiros. Essa área tem vocação de reunir lojas populares, em contraste com outros quarteirões voltados ao comércio de móveis e decoração e, passada a praça Benedito Calixto, de instrumentos musicais. Mesmo assim, não existem mais lojas de departamentos que funcionaram por ali por décadas.

Atualmente, esses quarteirões são ocupados por pequenos pontos comerciais de conserto de aparelhos celulares, cosméticos e roupas. As calçadas ficam movimentadas perto da hora do almoço, quando quem trabalha nos arredores segue para os restaurantes das vias transversais. Apesar da movimentação, as lojas ficam vazias.

O comerciante atribui a sensação de abandono dos imóveis fechados à falta de manutenção das calçadas, ao acúmulo de lixo e à fiação pendente dos postes. "Existe uma especulação imobiliária com interesse em depreciar a região", diz.

Em sua loja, ele conta receber visitas diárias de representantes de incorporadoras interessadas em adquirir o imóvel pela proximidade com a avenida Faria Lima, polo financeiro da cidade, e ruas transversais onde há uma série de empreendimentos de alto padrão.

O movimento é confirmado pelo advogado Rodrigo Mutti, especializado em mercado imobiliário. Segundo ele, essa parte da rua Teodoro Sampaio é exemplo da tendência de conversão de centros comerciais em áreas residenciais, na esteira do aquecimento do mercado de incorporadoras e fundos de investimento imobiliário. "A proximidade com Pinheiros, Faria Lima e largo da Batata aumenta a demanda por residências de alto padrão e restaurantes, o que deve mudar a vocação da região."

Um dos vetores dessa transformação em curso é o projeto de revitalização do largo da Batata. Em agosto, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) abriu chamamento público para selecionar a organização social que irá apresentar a proposta para o espaço.

No mercado imobiliário de alto padrão, o bairro de Pinheiros teve o maior crescimento do ano, dobrando o número de vendas de unidades em comparação ao primeiro semestre de 2024.

A ação se intensificou após a revisão do Plano Diretor, transformada em lei em maio de 2023, que aumentou os incentivos para a verticalização perto de eixos de transporte como corredores de ônibus e estações de metrô e de trem.

Obras da futura Linha-20 rosa do Metrô incluem projeto de uma parada na rua Cardeal Arcoverde, o que estimula os donos de espaços da Teodoro Sampaio a vender esses imóveis em detrimento dos contratos de aluguel, segundo o advogado Mutti.

O aquecimento do setor nessa região específica da cidade, porém, tem repercussões urbanísticas causadas pelo descompasso entre o ritmo acelerado das novas construções e a adaptação do bairro, segundo o urbanista Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da universidade Mackenzie. "A transformação foi rápida, e a pré-existência do bairro não conseguiu se adaptar. Não houve uma transição, mas uma ruptura. No fim, fica a sensação de 'cadê o meu bairro?'", continua.

"As ruas transversais de Pinheiros evoluíram muito nos últimos 30 anos, mas as longitudinais, como a Teodoro Sampaio, tiveram movimento contrário, o que causou um desequilíbrio", explica o professor.

Como via estrutural do bairro, a Teodoro Sampaio se transformou em importante centro comercial da cidade no começo do século 20 pela proximidade com o Mercado Municipal de Pinheiros, inaugurado em 1910 em local diferente de onde está atualmente. Mais tarde a instalação do terminal de ônibus no largo da Batata, na década de 1970, atraiu muitas pessoas para o comércio ali estabelecido, até ser desativado nos anos 2000 para a construção da estação Faria Lima da linha 4-amarela do metrô.

Em nota, a gestão Nunes disse que a subprefeitura Pinheiros reforçou as ações de zeladoria na rua Teodoro Sampaio, com manutenção de calçadas, limpeza urbana, drenagem e ordenamento do espaço público. Desde o início do ano, foram executadas 76 ações para correção de fiação solta na região, segundo a administração. Procurados, a Associação Comercial de São Paulo e o Secovi (sindicato patronal do setor imobiliário) disseram que não iriam se manifestar.

O bolsonarismo sobrevive sem Bolsonaro?, Wilson Gomes, FSP (definitivo)

 E agora —com Bolsonaro fraco, preso e sem um herdeiro ungido—, o que será do bolsonarismo? A identidade política que moldou a direita na última década se dissolve? Fragmenta-se entre os filhos que tentam manter a marca como patrimônio familiar e os políticos que disputam o espólio eleitoral?

A dúvida só faz sentido porque nem todos estão convencidos de que o bolsonarismo exista como fenômeno substantivo ou que resista com o seu líder nessa condição.

Essas leituras minimalistas ignoram o que sabemos sobre identidades políticas. A psicologia social —especialmente a Teoria da Identidade Social— mostra que adesões duráveis não se reduzem ao carisma de um líder nem se desfazem automaticamente quando ele cai ou morre.

Uma identidade pode se organizar de muitas maneiras.

Ela pode ser baseada no líder, quando uma figura singular concentra e encarna o modo ideal de ser do grupo, funcionando como o rosto e a voz por meio dos quais os membros se reconhecem. Pode ser baseada em valores, quando a coesão depende de um código moral compartilhado —ordem, religião, anticorrupção, patriotismo, defesa da família— cuja força simbólica mantém unidos até aqueles que divergem em outros pontos. Pode ser baseada em laços relacionais, quando o pertencimento nasce da convivência cotidiana: redes, grupos de WhatsApp, igrejas, clubes, pequenos coletivos onde se cria um sentimento de comunidade. Pode ser baseada em uma missão comum, quando os membros acreditam ter um dever histórico —salvar o país, derrotar o inimigo interno, restaurar a ordem— que dá sentido e direção à identidade. E pode ser baseada numa narrativa sobre o mundo, quando o grupo interpreta os acontecimentos com o mesmo mapa cognitivo, lendo cada episódio como parte de uma mesma história de decadência, traição ou redenção.

A imagem em preto, branco e amarelo, composta por formas geométricas angulosas. No centro, um grande balão de ar quente flutua, da esquerda para a direita.  A parte superior é formada pela cabeça de Bolsonaro na cor amarela, com expressão firme. Linhas horizontais atrás da figura sugerem deslocamento. A cesta do balão, mínima e simplificada, conecta-se à cabeça por fios finos. Nas laterais, silhuetas humanas formadas por polígonos pretos, erguem os braços em direção ao balão.  Os gestos variam de aplausos, mãos levantadas a polegares para cima, compondo uma cena de forte manifestação de apoio. A composição contrasta a figura central — isolada e destacada — com o conjunto de seguidores que a impulsionam.  Transmitindo a ideia de um líder suspenso, mas, em movimento, sustentado simbolicamente pela reação e entusiasmo do seu público.
Ariel Severino/Folhapress

O bolsonarismo combina todas essas bases, e é exatamente essa acumulação que explica sua resistência. É uma identidade baseada no líder, claro, mas não só. Se uma camada falha, outra segura. Se o líder é derrotado, permanecem os valores. Se os valores são contestados, a comunidade sustenta. Se a comunidade vacila, a missão sobrevive. E, quando nada disso parece suficiente, resta a narrativa que organiza a percepção dos fatos. É essa redundância identitária que faz com que o movimento sobreviva a escândalos, fracassos e interdições jurídicas.

No Brasil, isso tem uma genealogia clara. Antes de Bolsonaro, já existia um fundo emocional —antipetismo visceral, indignação moral, rejeição à política, sentimento de corrupção generalizada. Depois veio a camada interpretativa: a leitura homogênea dos eventos da crise, sempre em chave de condenação da esquerda. Em seguida, valores moralizados, vínculos comunitários, a sensação de missão redentora. Bolsonaro chegou por último, mas com a força simbólica de dar rosto, corpo e gesto a tudo isso. O movimento não nasce dele; ele é a forma que o movimento encontrou de existir.

É por isso que, mesmo que o bolsonarismo tenha se organizado em torno de um indivíduo, ele não é apenas um personalismo. As pessoas não atravessam o país, rompem amizades, brigam com a família e arriscam a própria reputação apenas por causa de ideias. Elas projetam em Bolsonaro sentimentos e esperanças acumulados ao longo de anos. Há ali lealdade, submissão, crença, afinidades eletivas profundas —nada disso simplesmente se transfere. Hoje, nenhum nome da direita se aproxima da capacidade de Bolsonaro de concentrar essa constelação de afetos e percepções. É por isso que a disputa entre filhos e pretendentes não será simples.

Voltemos, então, à pergunta inicial. O bolsonarismo se dissolve com o chefe na cadeia e encarnando um coitadismo embaraçante? Não automaticamente. A prisão não apaga a identidade nem transfere eleitores como se fossem coisas. Pode haver fragmentação, disputas fratricidas, períodos de confusão sucessória.

Pode surgir um guardador de lugar, alguém que jure manter quentinho o posto até a volta do patriarca. A comunidade de identificação pode se transformar, pode mudar de intensidade, pode até atravessar fases de desorientação.

Mas dissolver-se? Apenas se as camadas que a sustentam forem corroídas. E isso não acontece por decreto. Nem por ausência física do líder. Nem pela entrada de substitutos improvisados. A identidade leva anos para se formar e pode levar anos para se desfazer.

O futuro do bolsonarismo está em aberto, mas uma coisa não está: ele é mais espesso, mais entranhado e tem mais base social do que muitos gostariam de admitir.

Michael França - Que tipo de desigualdade podemos tolerar?, FSP

 Uma sociedade plenamente igualitária talvez seja uma ótima ficção literária, mas não representa um bom guia de política pública. As pessoas têm desejos diferentes, disposição distinta para o risco, habilidades e prioridades variadas. Mesmo em um país ideal, em que todos partissem de um ponto de partida parecido, alguns trabalhariam mais, outros prefeririam mais tempo livre e alguns aceitariam salários menores em troca de estabilidade.

No final dessa geração hipotética, teríamos um mundo com desigualdades de renda, de patrimônio e de estilo de vida. Tal desigualdade não seria necessariamente injusta, pois os cidadãos tiveram oportunidades parecidas e os resultados obtidos foram frutos de escolhas e esforços distintos.

A pergunta não é se haverá desigualdade, pois sempre haverá. A pergunta é sobre qual o tamanho e o tipo que estamos dispostos a aceitar. A ideia de "desigualdade justa" aparece aí. Em linguagem simples, ela sugere que as diferenças de resultados podem ser toleradas quando decorrem de escolhas e esforços feitos sobre uma base minimamente semelhante de oportunidades. O desafio é que, quando passamos dessa concepção geral para o exame mais cuidadoso, esse ponto de partida comum fica mais difícil de definir.

A imagem mostra um menino ajoelhado no chão, polindo o sapato de um homem que está em pé. O menino usa uma camisa clara e calças escuras, enquanto o homem está vestido com um terno. Ao fundo, há caixas empilhadas, possivelmente de sapatos, e outras pessoas podem ser vistas ao longe. A cena retrata uma atividade de trabalho em um ambiente urbano.
Menino trabalhando como engraxate em Bowery, Nova York, 1910 - Lewis W. Hine/Divulgação

A versão mais conhecida dessa visão aparece na noção de igualdade de oportunidades, ou seja, não seria necessário igualar os resultados individuais, desde que todas as pessoas tivessem acesso a boas escolas, saúde básica e segurança.

Em teoria, é um pensamento elegante. Contudo, na prática, duas dificuldades emergem. A primeira é óbvia nas estatísticas de qualquer país desigual. O lugar em que a pessoa nasce continua associado à qualidade da escola, à estabilidade da renda, ao nível de violência e à chance de encontrar redes de apoio.

A segunda dificuldade é mais sutil. Mesmo que um governo avançasse na direção de equalizar oportunidades, ainda assim a desigualdade remanescente estaria livre de críticas? A resposta é menos evidente do que parece.

Parte das diferenças de renda não nasce apenas de esforço, mas também de choques de sorte e azar, como doenças inesperadas, acidentes, encontros profissionais fortuitos ou crises econômicas. Outra parte é produzida por mecanismos de transmissão familiar mais sofisticados e difíceis de capturar nas estatísticas tradicionais.

Catadores separam material reciclável na rua 25 de Março, região central de São Paulo - Lalo de Almeida - 14.dez.22/Folhapress

O modo de falar, a confiança para se apresentar diante de autoridades, por exemplo, ou mesmo o apetite para correr riscos, costumam ser menos uma escolha individual e mais um subproduto do patrimônio herdado. Para quem tem uma reserva financeira, correr riscos equivale a jogar uma partida em que a derrota traz incômodos, mas dificilmente representa um golpe que leve ao nocaute.

Para quem vive no limite, um fracasso empresarial significa voltar à pobreza, comprometer o futuro dos filhos e recomeçar do zero em um mercado de trabalho que pune biografias marcadas por interrupções.

Entretanto, apesar das dificuldades de encarar de frente a distância inicial entre as linhas de partida, precisamos avançar para um país em que o destino dependa menos do berço e mais das escolhas e esforços de cada pessoa.