quinta-feira, 1 de maio de 2025

Canadá ganharia fazendo parte dos EUA?, Braulio Borges, FSP

 

Donald Trump continua insistindo na ideia de que o Canadá deveria se tornar o 51º estado dos Estados Unidos da América. Essa ameaça à soberania do país vizinho, em conjunto com a guerra tarifária iniciada ainda em janeiro deste ano, já trouxe ao menos uma implicação prática: nas eleições canadenses realizadas nesta semana, o Partido Liberal, de centro-esquerda, "renasceu das cinzas" e saiu vitorioso.

Até o começo deste ano, as pesquisas vinham indicando que o Partido Conservador, de centro-direita, venceria as eleições com uma folga razoável, tirando os liberais do comando político do Canadá (onde estão desde 2015).

Embora seja uma ideia completamente sem sentido –como várias outras do atual presidente dos EUA–, achei que seria pertinente tentar responder o seguinte questionamento: o Canadá teria algum ganho caso se tornasse um estado dos EUA?

O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, durante a campanha - Andrej Ivanova-22.abr.25/AFP

Alguns afobados responderiam que "sim", tomando por base apenas o nível e a evolução do PIB per capita de ambos os países. Segundo dados do Banco Mundial, em 2023 o PIB per capita dos EUA foi de cerca de US$ 74 mil, quase 30% superior ao do Canadá, de US$ 57 mil (em ambos os casos, já ajustados pela paridade do poder de compra e a preços de 2021).

Além de maior, a evolução nos EUA foi mais favorável: entre 2015 e 2023, o PIB per capita no país avançou cerca de 18%, contra apenas 2% no Canadá.

Não obstante, embora o PIB per capita apresente uma correlação elevada com os níveis de bem-estar da população de um país, sabemos que ambos não são sinônimos perfeitos. O índice de felicidade e satisfação com a vida dos canadenses tem sido superior ao dos EUA há quase 15 anos, desde que teve início o cálculo desse indicador. E não é difícil entender o porquê disso.

Enquanto a taxa de homicídios nos EUA é de cerca de 6 por 100 mil habitantes, no Canadá ela é de pouco mais de 2. Já no caso da taxa de suicídios, ela é de cerca de 14 por 100 mil nos EUA (e sobe há mais de duas décadas) e de 8 no Canadá (e vem caindo).


Em termos de longevidade, a expectativa de vida no Canadá continua subindo e para todos os grupos de renda, chegando a quase 83 anos nas estimativas mais recentes. Já nos EUA, esse indicador está relativamente estagnado há algum tempo, em torno de 79 anos. No que toca à educação, a nota média dos alunos de ensino médio do Canadá na prova internacional PISA, tanto em leitura como em matemática, tem sido sistematicamente superior àquela dos EUA.

Voltando aos indicadores econômicos, o desempenho macroeconômico do Canadá é muito mais sustentável do que aquele dos EUA. Segundo o FMI, a dívida pública líquida canadense foi de apenas 12% do PIB em 2023, em tendência de queda meados dos anos 1990, ao passo que o endividamento líquido nos EUA está em quase 100% do produto e sobe há mais de duas décadas. Do mesmo modo, o passivo externo líquido do EUA continua aumentando expressivamente há quase três décadas, ao passo que o Canadá é credor externo líquido.

Mesmo em termos de instituições econômicas, o índice de liberdade econômica da Heritage Foundation (um think tank conservador) aponta, na leitura referente a 2025, que o Canadá é mais "livre" do que os EUA (75,5 vs 70,2). Sim, é verdade que esse indicador recuou nos EUA desde 2021 (estava em torno de 76 entre 2012 e 2020). Contudo, desde 2008 o Canadá tem sido mais "livre" do que os EUA.

Com efeito, os EUA é que ganhariam incorporando vários aspectos das instituições econômicas e do estado de bem-estar social canadense, e não o contrário.


Estancar a anistia, Helio Schwartsman, FSP


É sempre meio estranho ver o STF envolvido em negociações políticas com os outros Poderes. A primeira imagem que me vem à cabeça é a de Romero Jucá falando num "acordão, com Supremo e com tudo" para "estancar a sangria" da Lava Jato. Exceto pelo Collor, é difícil hoje afirmar que a profecia de Jucá não se materializou.

Nas versões mais idealizadas do Direito, o juiz é visto como um ser meio etéreo, imune a paixões, inclusive as políticas, e que julga seus casos levando em conta unicamente as provas produzidas e as leis previamente aprovadas. "Fiat iustitia, et pereat mundus" (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), bradava Kant. Mas, se formos honestos, reconheceremos que deixar o mundo perecer não é uma boa ideia.

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Representantes do Congresso fazem ato pela democracia no dia que invasão a prédios públicos completou um mês - Gabriela Biló 8.fev.23/Folhapress

Boa parte dos julgamentos não triviais tem uma dimensão política que não convém ignorar. A própria Constituição brasileira reconhece isso indiretamente, ao dar ao presidente da República uma liberdade muito maior para indicar nomes para compor o STF do que para outras cortes superiores.

No mais, a ideia de negociação e conciliação não é estranha ao Judiciário. Buscar um entendimento entre as partes é o feijão com arroz de vários ramos da Justiça. É claro que, nesses casos, o juiz atua mais como um facilitador entre as partes do que como uma das partes no acordo.

Faço essas observações para dizer que não vejo com maus olhos as tratativas entre Congresso e STF para evitar uma anistia generalizada à tentativa de golpe. O ideal seria que o próprio Judiciário reduzisse as penas nos casos em que tenha exagerado. Tal caminho existe. Mas, diante do risco de o Legislativo aprovar um perdão amplo que poderia até desencadear uma crise institucional, penso que vale negociar.

O fundamental não é o tamanho das penas, mas que as condenações sejam mantidas nos tipos penais relacionados à preservação do Estado democrático e que os líderes golpistas sofram sanções mais severas do que a infantaria. Abrir mão disso seria uma espécie de suicídio da democracia.

helio@uol.com.br 

Pastor demitido após artigo diz que está 'à disposição para dialogar com quem se sentiu ofendido', FSP

 

SÃO PAULO

Dezenas de pessoas, incluindo pastores e líderes de outras religiões, reuniram-se na manhã desta quinta-feira (1º) na Igreja Presbiteriana Independente do Cambuci, na região central de São Paulo, para o ato "Meditação da paz", em que convidados fizeram leituras de trechos bíblicos e textos teológicos que enfatizam o respeito como valor cristão.

O evento foi promovido pelo pastor Valdinei Ferreira, que acabou demitido da Fatipi, faculdade de teologia da Ipib (Igreja Presbiteriana Independente do Brasil), após ser alvo de uma campanha de difamação nas redes sociais pela publicação do artigo "Judas traiu Jesus ou Jesus traiu Judas?" na Folha.

Segundo Valdinei, o objetivo do artigo era incentivar o diálogo sobre as mensagens da Bíblia e questionar certezas absolutas sobre as noções de bem e mal, mas a resposta foi o oposto. A falsa hipótese de que ele teria empurrado para Jesus a pecha de traidor passou a circular pela internet e, pressionada, a faculdade o demitiu, diz o pastor.

Um homem de cabelo grisalho e óculos está em pé em frente a um púlpito em um ambiente religioso. Ele veste um paletó escuro e uma camisa clara. Ao fundo, há uma cruz preta na parede e algumas cadeiras dispostas. O ambiente é iluminado de forma suave, com uma mesa coberta por um pano claro e instrumentos musicais visíveis ao lado.
O pastor Valdinei Ferreira durante ato na Igreja Presbiteriana Independente do Cambuci, em São Paulo; o evento ocorreu após ele ser demitido depois de publicar artigo na Folha - Eduardo Knapp/Folhapress

Apesar de sentir que não encontrou abertura para diálogo nas redes sociais ou na direção da faculdade onde trabalhava, o pastor afirma que uma postura diferente —respondendo os críticos com acusações e desqualificações— não traria vantagem. "Só vai me levar para o terreno que eles querem, que é o terreno do conflito", ele disse.

Ferreira também tratou a reação ao artigo —em geral, focada no título— como falsa polêmica. Segundo ele, o debate sobre as nuances da traição de Judas Iscariotes a Jesus dentro do cristianismo é antigo.

No artigo publicado na Folha, o pastor trata das reflexões do teólogo francês Jean-Yves Leloup, sacerdote da Igreja Ortodoxa, sobre a intenção de Judas e seu arrependimento ao entregar Jesus à autoridades que queriam matá-lo.

A partir de evangelhos apócrifos —antigos escritos cristãos que não foram incluídos nos cânones bíblicos—, Leloup diz que Jesus teria pedido ao discípulo que o entregasse e que, além disso, Judas imaginava que a prisão desencadearia um conflito no qual o Messias se colocaria como líder militar, o que não ocorreu. Mensagens enviadas ao pastor o acusaram de blasfêmia, mesmo que o artigo do pastor não acuse efetivamente Jesus de traição.

"Me coloco à disposição para o diálogo com quem se ofendeu", disse o pastor à Folha. "Eu não obtive o diálogo, me ofereci para ser ouvido e não fui chamado. Fui ignorado e demitido sem ser ouvido."

A demissão de Ferreira foi mencionada brevemente durante o ato, que se concentrou nos textos religiosos que pregam paz e tolerância. O evento foi aberto a pessoas de todas as religiões, e um representante da umbanda e pastores da Igreja Luterana, por exemplo, compareceram.

O ato contou também com a leitura de um texto pelo reverendo Everton Camargo, secretário-geral da Ipib. "De maneira geral, o Protestantismo é guardião das liberdades", diz um trecho do texto. "Não se usa mais a fogueira, nem aplicam as barbaridades físicas da Inquisição. Mas não se deixa de aplicar a tortura moral."

Já a socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da USP, gravou um depoimento em áudio que foi reproduzido na caixa de som da Igreja. "Queria deixar aqui expresso meu afastamento em relação a qualquer forma de censura, venha de onde vier. O mundo civilizado tem de ser o mundo de todos os credos, de todas as opiniões e de liberdade de pensar e dizer", ela afirmou.

Ao final, Ferreira conduziu uma sessão de meditação coletiva, pedindo aos participantes que repetissem uma frase que prega paz e entendimento. Depois, uma fila de pessoas se formou na porta de igreja para abraçá-lo. Uma mulher chorou ao conversar com ele e prestar solidariedade.

Ferreira é pastor há 33 anos. Num outro artigo publicado pela Folha, após o linchamento virtual, ele afirmou que a demissão da Fatipi foi a primeira na sua carreira.

Alunos do curso de teologia divulgaram uma carta em defesa do pastor. "A ausência do professor, cuja atuação foi sempre reconhecida por sua excelência didática, ética pastoral e compromisso com os valores acadêmicos e cristãos, causou surpresa e apreensão", diz o texto.

Questionado se a demissão de Valdinei Ferreira teve a ver com seu artigo sobre Judas, o presidente da FECP, Heitor Pires Barbosa Jr., disse que a "mesma deu-se sem justa causa" e que "cada autor responde pessoalmente pela publicação" de ensaios publicados sem aval da fundação.

"Aprendi que precisamos tratar isso [a cultura do cancelamento] no âmbito da comunidade. É preciso haver uma espécie de educação em relação às redes sociais, porque as pessoas mobilizam agressividade", disse Ferreira nesta quinta. "Esse ato é um chamado à reflexão."