terça-feira, 22 de abril de 2025

Governo vê vantagens em nova licitação da maior concessão ferroviária em operação no país, FSP

 André Borges

BRASÍLIA

A avaliação interna do Ministério dos Transportes sobre o futuro da maior concessão ferroviária em operação no país, a malha da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), com 7.857 km de extensão, indica que a realização de um leilão do traçado é o caminho mais vantajoso para o poder público.

Técnicos que participam do processo apontam que, em vez de partir para uma renovação do contrato atual, por mais 30 anos, uma nova licitação teria potencial arrecadatório maior para a União.

governo poderia desmembrar essa malha em diferentes blocos de concessão, além de incluir a recuperação de milhares de quilômetros de trilhos que foram abandonados nas últimas décadas pela VLI, a atual concessionária da FCA.

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Abandono é realidade em cerca de 3 mil km de ferrovia administrada pela VLI, concessionária da Ferrovia Centro-Atlântica - Pedro Ladeira 12.mai.2017/Folhapress

Pesam a favor desta avaliação as críticas já feitas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a inutilização da maior parte da malha ferroviária e as punições aplicadas à concessionária, além da necessidade de se comprovar, na ponta do lápis, por que seria vantajoso para o governo dar mais 30 anos para o contrato.

Um terceiro fator foi captado pelo governo durante a consulta pública que tratou de uma eventual renovação do contrato. A conclusão é que há um risco alto de judicialização do tema, caso a opção seja pela prorrogação antecipada do contrato atual.

O tema é acompanhado com lupa por empresários do setor. Seja qual for o caminho escolhido pelo governo, trata-se de uma decisão bilionária que mexe não apenas com os interesses privados de uma concessionária, mas com o futuro ferroviário do país, dada a dimensão do que está em jogo.

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Os 7.857 km de linhas da FCA interligam Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Bahia, Sergipe e Distrito Federal, conectando-se às demais concessões que operam no país. O problema é que grande parte dessa malha apodreceu ou passou a ser subutilizada pela VLI.

Uma auditoria concluída no fim do ano passado pelo TCU mostrou que, dos 7.857 km de extensão da FCA, cerca de 3.000 km estão inutilizados. Isso significa que 38% dos trilhos não têm nenhum tráfego. Em outros 2.700 km, o tráfego foi classificado como "baixíssimo", com menos de um par de trens passando pela malha diariamente. O uso mais regular, portanto, limita-se a apenas 2.157 km de toda a concessão, ou seja, apenas 27% da rede é explorada com regularidade.

Nos últimos anos, a VLI foi alvo de uma série de multas aplicadas pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), por descumprimento de obrigações. Entre 2003 e 2020, por exemplo, a concessionária foi alvo de penalidades em 11 anos, por descumprimento de metas de produção.

A agência também autuou a empresa por desativação de trechos ferroviários sem a devida autorização; abandono da manutenção e conservação de bens; e paralisação de prestação do serviço público concedido, entre outros.

A situação elevou conflitos urbanos nas regiões da ferrovia. Hoje, em trechos na Bahia, por exemplo, há necessidade de redução de velocidade até 5 km por hora devido a invasões.

Diante deste cenário, o governo corre contra o tempo para resolver uma situação que está parada há dez anos. Em 2015, a VLI apresentou seu primeiro pedido de prorrogação antecipada do contrato. De lá para cá, não faltaram negociações, mas nada se resolveu. O prazo para um desfecho, porém, se exauriu.

A concessão de 30 anos, assinada em agosto de 1996, acaba em agosto do ano que vem. Antes disso, o governo precisa tomar uma decisão final.

O Ministério dos Transportes não comenta o assunto, pelo fato de o processo ainda estar em curso dentro da pasta. Em março, o TCU deu 90 dias para que o ministério apresente um plano de ação individualizado sobre o que fará com a FCA, além de outras concessões ferroviárias com contratos próximos do fim.

Trecho da Ferrovia Centro-Atlântica em Anápolis (GO), uma das regiões interligadas pela malha da ferrovia que chega a sete Estados e o Distrito Federal - Pedro Ladeira 12.mai.2017/Folhapress

Enquanto isso, ações na Justiça surgem contra a renovação do contrato. No fim do ano passado, uma delas foi movida pela Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transportes e da Logística (Usuport), contra a ANTT. No início deste ano, foi a vez de a Associação Logística Brasil acionar a agência, a União e a própria VLI.

Uma das preocupações dessas associações diz respeito ao futuro de mais de 1.100 km da malha localizada entre Corinto (MG) e Salvador (BA), trecho que ficaria de fora da prorrogação, levando ao isolamento logístico da Bahia e comprometendo o transporte ferroviário de cargas no estado.

A VLI é uma sociedade formada por Vale, Brookfield, Mitsui e BNDESPar, além de fundos de investimentos. Em resposta à Folha, a VLI declarou que "mantém contatos ininterruptos com o governo federal e que, até o momento, não recebeu nenhuma comunicação oficial dos órgãos responsáveis indicando qual a solução a ser adotada para a FCA, seja renovação antecipada ou licitação".

Sobre os trechos abandonados e pouco utilizados, a empresa afirmou que isso é resultado da "dinâmica natural dos mercados" ao longo dos últimos 30 anos e que a destinação desses trechos "ocorrerá necessariamente tanto na hipótese da renovação antecipada quanto de eventual licitação".

A empresa afirma que tem adaptado sua proposta em relação ao que tem sido apresentado em audiências públicas e que, apesar das ações judiciais, as manifestações "foram amplamente favoráveis à renovação da concessão pela VLI".

Segundo a companhia, houve um aumento de 42% no volume transportado na malha da FCA entre 2006 e 2024, embora a ANTT acumule punições atreladas à baixa produtividade. "Mesmo com a descontinuidade dos trechos sem tráfego, a FCA vem aumentando seu volume transportado ao longo dos anos", declarou.

A empresa afirma que, desde 2011, investiu mais de R$ 14 bilhões diretamente na FCA, em valores corrigidos, e que, ao longo da concessão, transferiu mais de R$ 18 bilhões para o caixa da União, em pagamento de outorga e arrendamento.

"Um novo ciclo de concessão permitirá a continuidade desses aportes, sem riscos de hiatos de investimento e eventual transição entre operadores, com reflexos no fortalecimento da infraestrutura ferroviária nacional", afirmou.

Sem Bolsonaro, direita precisa escolher entre legitimidade republicana e votos extremistas, Wilson Gomes, FSP

 Agora que Bolsonaro está eleitoralmente moribundo, mas ainda é dono do maior patrimônio eleitoral disponível à direita, o campo conservador enfrenta um dilema que é, ao mesmo tempo, moral e pragmático. A sucessão no bolsonarismo se tornou um problema de identidade, viabilidade e sobrevivência. E os caminhos que se abrem diante da direita republicana são, todos, espinhosos.

O dilema pode ser descrito assim: a direita republicana precisa dos votos da extrema direita para se eleger, mas precisa manter distância da extrema direita para se legitimar. Tarcísio de Freitas é o exemplo mais eloquente dessa encruzilhada. Preferido dos donos do dinheiro em São Paulo e herdeiro de Bolsonaro diante da base, equilibra-se entre o desejo de parecer confiável para o sistema e o medo de ser abandonado pelo rebanho que ainda venera o mito. Quer a legitimidade, mas não pode ser lido como um ingrato e interesseiro que abandona o líder agonizante.

A direita republicana quer passar pelo funil da história sem se contaminar com o bolsonarismo —mas não quer, nem pode, passar sem os votos que só o bolsonarismo tem. E esse impasse não é apenas estratégico, mas simbólico.

Aqui está o ponto: a direita é parte legítima do arranjo republicano, assim como a esquerda. O pluralismo político que estrutura as democracias liberais pressupõe que conservadores, liberais, progressistas e reformistas possam coexistir, disputar entre si e alternar-se no poder. A extrema direita não cabe no pacto democrático, mas a direita é uma de suas colunas.

No fundo, a tarefa da direita republicana é dupla: reconquistar a confiança das instituições e a confiança do eleitorado moderado —sem se manter refém da extrema direita que hoje a sustenta. A pergunta é se há alguém disposto —e capaz— de conduzir essa travessia.

Na ilustração de Ariel Severino, sobre um chão de grama em tons de verde e um fundo amarelo, um monte de ovelhas de todos os tamanhos. À esquerda, um suporte de hospital com uma bolsa de plasma, da bolsa parte um tubo serpenteante que vai terminar no meio da cabeça de uma ovelha maior. Ela é a única das ovelhas que tem os olhos abertos e olha para o espectador. 
Ariel Severino/Folhapress

É nesse impasse que surge a figura de Tarcísio de Freitas: um experimento de direita republicana que não pode prescindir do bolsonarismo. Tarcísio tenta projetar moderação, confiabilidade, adesão à racionalidade tecnocrática —ao mesmo tempo em que sustenta sua relevância como acólito servil da loucura bolsonarista. Seu sucesso político depende de parecer civilizado à elite e fanático o suficiente à base.

Mas não é possível agradar a ambos indefinidamente. A imagem de Tarcísio como candidato da direita pós-bolsonarista vive encurralada entre duas exigências inconciliáveis. Se ele se aproxima das instituições, dos valores republicanos e da racionalidade democrática, perde apoio popular no seu campo. Se se mantém sob a sombra de Bolsonaro, reforça a impressão de que, apesar do vocabulário mais educado, endossa todos os absurdos do bolsonarismo. Nenhuma dessas faces convence completamente.

Além disso, enfrenta a concorrência direta de outros postulantes que buscam votos na mesma fonte. Nikolas Ferreira, por exemplo, fornece ao mesmo eleitorado —com outra "vibe" e outra "speed"— uma continuidade simples do bolsonarismo. Menos militar e mais influencer, menos tiozão e mais TikTok, ele representa o bolsonarismo como produto de juventude: agressivo, performático, cristão radicalizado, mas também conectado, moderno e inteligente. A legitimidade republicana não é uma questão para Nikolas: progressista é para ser vencido e anulado, não considerado. Seu sucesso crescente mostra que parte da base quer menos prudência e mais guerra. Nikolas é a extrema direita orgulhosa de ser extremista.

A verdade, por outro lado, é que, sem a domesticação republicana da extrema direita, a democracia continuará refém da radicalização. E essa tarefa —difícil, impopular, mas necessária— caberia justamente à direita que deseja se salvar do abraço de urso. A direita que pretende governar precisa de votos, é verdade. Mas precisa também de legitimidade —e não há legitimidade democrática sem um compromisso firme com as regras do jogo, o respeito às instituições e a aceitação da diversidade política e humana.

A existência de uma direita confiável e republicana deveria ser uma prioridade diante do avanço da extrema direita.

Esse dilema se torna mais grave quando a direita institucional se junta à extrema direita para defender a anistia dos golpistas do 8 de Janeiro. O gesto, para além de simbólico, é um tiro no pé da tentativa de normalização republicana. Como convencer o centro político e as instituições democráticas de que há uma direita confiável se ela se mostra cúmplice dos que tentaram derrubar a democracia?

Como diferenciar-se dos radicais se se oferece a eles não só o abraço, mas a impunidade?

Cavalo de Troia energético ameaça energias solar e eólica, Maria Ines Dolci, FSP

 Milhões de consumidores —mais de três milhões de residências têm energia solar fotovoltaica no Brasil— estão na alça de mira do Ministério de Minas e Energia. O ministro Alexandre Silveira quer bancar a ampliação da tarifa social de energia para 60 milhões, cortando os subsídios das energias solar e eólica, cavalo de Troia energético e ambiental em um país que sediará, em novembro próximo, em Belém, a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025).

A imagem mostra painéis solares dispostos em um campo. Os painéis são retangulares e possuem uma superfície escura e brilhante, refletindo a luz do sol. Ao fundo, há uma vegetação verde e um céu claro.
Placas de energia solar; Grupo CCR e EDP fecham contrato de fornecimento de energia renovável para rodovias de São Paulo até 2034 - Divulgação/EDP

O Marco Legal da Geração Distribuída, instituído pela lei 14.300/2022, estabeleceu uma taxação gradativa sobre o uso dos fios distribuidores de energia, que chegará a 100% em 2029.

Ela reduzirá, portanto, o valor dos créditos pela energia gerada pelo sistema de captação da energia solar. Quem instalou o sistema antes de 2023, só será taxado a partir de 2045.

Mas a proposta do ministro mudará esse cenário, caso seja adotada. A taxação plena não viria ao final da outorga do empreendimento, mas sim quando se encerrasse o contrato de fornecimento. As outorgas duram até 30 anos, ao passo que os contratos têm prazos menores.

Quero crer que a proposta seja debatida pelo próprio governo federal e significativamente alterada. E que respeite o que foi definido pelo Marco Legal. Seria um contrassenso sediar a COP 30 e enfraquecer as energias solar e eólica, que têm se desenvolvido muito no Brasil.

Do jeito que foi anunciada, a proposta se assemelha a um subterfúgio para fortalecer as distribuidoras de energia, sob o argumento de que se amplia a tarifa social.

Nada contra que se aumente a abrangência da tarifa social, pois, no final de 2024, estimava-se que 59 milhões de brasileiros vivessem com menos de R$ 22,17 por dia, abaixo da linha de pobreza. Discordo, contudo, que os escolhidos para pagar esse conta sejam os cidadãos que acreditaram nos incentivos à energia solar, e que instalaram sistemas caros para sua captação.

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O quinto direito do consumidor, que faz parte do CDC (Código de Defesa do Consumidor), é a proteção contra "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".

Dentre as práticas consideradas abusivas do CDC, está "elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços".

Ora, se alguém instalou sistema de energia solar antes do Marco Legal, mudar a validade dos benefícios em função das outorgas (que, como observei, duram muito mais tempo) para contratos (com menor validade) é, sim, onerar o consumidor que tem um sistema de painéis solares voltaicos.

Essa proposta deveria considerar outras formas de compensação financeira. Os consumidores e o meio ambiente agradeceriam.