quinta-feira, 17 de abril de 2025

E mulheres trans não são pessoas?, Thiago Amparo, FSP

 No mesmo dia, os EUA e o Reino Unido —dois países ocidentais que se colocam como bastiões da liberdade, muito embora até ontem metade do mundo era colonizada pelo segundo e uma parcela da população no primeiro não podia sequer usar o mesmo banheiro que os demais em razão de sua cor— emitiram atos oficiais que atentam profundamente contra a liberdade básica de pessoas trans serem quem são.

Do lado estadunidense, o consulado em São Paulo emitiu um novo visto para a deputada federal Erika Hilton, identificando-a com o gênero masculino. Parece que era outro mundo quando participei, há alguns anos, de um evento daquele consulado em que se exibiu o documentário "Lavender Scare" (2017), que retrata a perseguição contra funcionários públicos LGBTQIA+ durante a Guerra Fria. A história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa.

Do lado britânico, a Suprema Corte determinou que a definição de "sexo" na Lei da Igualdade, de 2010, refere-se apenas à categoria de "mulher biológica" e "sexo biológico", dois termos ultrapassados. Erra aquela corte ao ceder a um lobby organizado e poderoso que busca criar tensões entre mulheres cis e mulhers trans, com o intuito claro de, por meio da transfobia, reduzir o status político de todas as mulheres na sociedade.

A biologização do debate sobre sexo e gênero de nada serve e gera questionamentos sem sentido: homens com baixa testosterona seriam homens?; mulheres cisgêneras inférteis seriam mulheres?; um casal idoso heterossexual pode se casar se não puderem mais ter filhos? Tão absurda quanto esses questionamentos é a exclusão de pessoas trans da proteção legal.

Em 1929, o Privy Council —um conselho privado ligado à monarquia britânica— decidiu que mulheres eram "pessoas" no sentido legal e portanto poderiam ser senadoras. A pergunta que se coloca hoje não é se mulheres trans são mulheres (elas são) nem se elas existem (existem). O imperativo que se impõe é que pessoas trans são pessoas e, portanto, merecem proteção legal.

No meio do caminho de Trump, há a Justiça, editorial FSP

 

A imagem mostra a parte superior do edifício da Suprema Corte dos Estados Unidos, com uma bandeira americana hasteada à esquerda. O céu está parcialmente nublado, e a arquitetura do edifício é clássica, com colunas e detalhes ornamentais visíveis na fachada.
Vista de parte da fachada da Suprema Corte com a bandeira dos Estados Unidos, em Washington (EUA) - Kevin Mohatt/Reuters

Quem poderá conter Donald Trump? O presidente americano inicia seu segundo mandato com apetites autoritários redobrados. No plano externo, incitou uma guerra comercial global, com aumento ensandecido de tarifas, e recebeu dura resposta da China.

No interno, a reação está começando. Em sua cruzada contra as universidades de elite, por exemplo, Harvard já avisou que não aquiescerá às absurdas exigências do governo. Mesmo no Partido Republicano, parlamentares ligados a setores mais afetados pelas tarifas e bilionários que financiaram sua campanha eleitoral mostram descontentamento.

De todos os agentes e instituições que podem fazer resistência a Trump, o mais decisivo é o Judiciário. Trata-se, afinal, do Poder que, no sistema de freios e contrapesos das democracias liberais, está incumbido de revisar as decisões do Executivo e sobrestá-las caso violem as leis.

Várias medidas de Trump foram contestadas e, em alguns casos, juízes ordenaram suspensões. Mas, de modo temerário, o governo vem recorrendo a subterfúgios para adiá-las ou não implementá-las e até a ameaças abertas de descumprimento.

As alegações da Casa Branca por vezes beiram o surrealismo, como na situação do imigrante legalizado enviado erroneamente a uma prisão salvadorenha.

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O governo, em desafio a uma liminar da Suprema Corte, se recusa a tentar repatriá-lo e insiste que está cumprindo a determinação, pois o imigrante, ora preso e sob risco de tortura, não será barrado em nenhum ponto de entrada do território americano caso se apresente a um deles.

Note-se que a mais alta corte do país tem maioria conservadora —de 6 dos 9 magistrados, sendo que 3 deles foram indicados por Trump em seu primeiro mandato. Tal composição, porém, não significa alinhamento automático a Washington.

O tribunal já concedeu decisões tanto favoráveis como contrárias à Casa Branca. O republicano até chegou a ser repreendido de forma inédita pelo presidente da Suprema Corte, por ter ameaçado promover o impeachment de um juiz de cuja decisão sobre deportação de imigrantes não gostara.

Há bons motivos para crer que a instância máxima da Justiça manterá certa independência, já que o projeto trumpista é autoritário. Se sua agenda obtiver sucesso, o Judiciário perderá poder para o Executivo. É incomum que detentores do poder abram mão dele espontaneamente.

Apesar de suas tentativas, não será tão fácil para Trump arruinar a democracia americana.

editoriais@grupofolha.com.br

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Brasil barra 69 turistas dos EUA após volta da reciprocidade de visto, OESP

 O Brasil barrou a entrada de 69 americanos desde que voltou a valer a reciprocidade de visto para turistas dos Estados Unidos, de acordo com dados da Polícia Federal (PF) obtidos com exclusividade pela Coluna do Estadão. O governo Lula retomou no último dia 10 a obrigatoriedade do documento para americanos, australianos e canadenses que chegam ao País. A medida estava prevista para entrar em vigor desde 2023, mas vinha sendo adiada.

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O levantamento da PF abarca o período entre o dia 10 e esta quarta-feira, 15. Segundo o órgão, a maior parte dos incidentes ocorreu logo após a nova regra passar a valer, provavelmente porque os turistas ainda não estavam informados da mudança. Com o decorrer dos dias, a situação está normalizando. A maioria dos casos ocorreu no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, mas a contagem também leva em conta tentativas de entrada por via terrestre.

No período analisado, de acordo com a PF, 6.120 americanos foram autorizados a entrar no País. Os 69 barrados representam 1,13% do total. Também foram impedidos de ingressar no Brasil 15 australianos (4,1%), enquanto 368 foram liberados. Em relação a canadenses, 777 conseguiram entrar e 12 foram impedidos (1,54%). Ao todo, 96 turistas dos três países foram barrados entre os dias 10 e 15.

Como mostrou o Estadãoa volta da exigência dos vistos passou a ser analisada no Palácio do Planalto no contexto das tarifas impostas pelo presidente dos Estados UnidosDonald Trump, e da política de deportações em massa.

Em 2019, o ex-presidente Jair Bolsonaro isentou a cobrança de vistos, de forma unilateral, para EUA, Austrália, Canadá e Japão. A volta da política de reciprocidade foi definida por Lula ainda durante a transição de governo, no fim de 2022, sob o argumento de que não houve um impulsionamento significativo do turismo.

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No ano passado, o Japão acertou com o Brasil a isenção recíproca de vistos temporários de turismo, em negociação com o governo Lula. Os demais países, não.