quarta-feira, 16 de abril de 2025

Governo quer limitar autoprodução e rever subsídios no setor de energia, FSP

 Camila Maia

São Paulo | MegaWhat

O Ministério de Minas e Energia (MME) focou autoprodução e a proposta de ampliação da tarifa social na divulgação inicial da reforma do setor elétrico elaborada pela pasta, mas trabalha em paralelo em uma engenharia complexa para reorganizar encargos e abrir espaço para a mudança sem pressionar ainda mais as tarifas de energia.

O objetivo é usar a própria Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) —hoje o encargo setorial com maior peso na conta de luz— para bancar a ampliação do programa social, compensando esse aumento com a revisão de outros subsídios e uma redistribuição mais equilibrada dos custos.

Painéis solares estão se tornando mais comuns dentre brasileiros que procuram como economizar na conta de energia elétrica.
Casa com painel solar fotografada em 2022 - Adriano Montanhole/Divulgação

A proposta da reforma deve ser enviada à Casa Civil até a próxima semana, segundo apurou a MegaWhat. O desenho já foi apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria recebido bem a ideia, especialmente por conta da abordagem social, com potencial de repercussão positiva junto à opinião pública.

FIM DA FESTA DA AUTOPRODUÇÃO

O projeto de lei desenhado no MME não conta com recursos do Tesouro para bancar o aumento da tarifa social, o que vai encarecer a já elevada CDE. Por isso, outro eixo do tripé prevê reduções nos subsídios, além de estancar a redução de pagadores de encargos, por meio de uma revisão no modelo de autoprodução.

Hoje, um consumidor de energia conectado em alta ou média tensão pode optar pelo mercado livre de energia e tem a prerrogativa de ser um autoprodutor. Para isso, basta ser sócio, ainda que minoritário, de um empreendimento de geração de energia. Em troca, garante isenção de encargos setoriais de forma proporcional à energia gerada. A regra existe desde 2007, mas a modalidade ganhou força nos últimos anos, associada ao desconto pelo uso da rede para projetos renováveis, que ficaram ainda mais competitivos e impulsionaram a forte expansão das fontes eólica e solar registrada até agora.

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Rumores sobre uma mudança na regra de autoprodução, com limites mais claros de quem pode ou não usufruir a modalidade, circulam nos bastidores do setor há alguns anos. Nas últimas semanas, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, voltou a criticar o mecanismo, que ele chama de "autoprodução oportunista".

Segundo fontes da área técnica do MME, o PL em elaboração vai tratar dessa mudança, estabelecendo um limite mínimo de carga para que o consumidor possa se enquadrar como autoprodução, além de um percentual mínimo de participação no empreendimento de geração. A ideia é separar os projetos que são, efetivamente, autoprodução, com investimentos do consumidor, daqueles que são arranjos comerciais pensados para dar vantagens aos consumidores.

A mudança não vai reduzir os encargos setoriais, mas vai manter mais consumidores no rateio desses custos. "Para o buraco parar de crescer, é preciso parar de cavar", disse um técnico do pasta, sob condição de anonimato.

'ENXUGAR' A CDE

O grupo envolvido com o PL, que envolve técnicos de outras pastas, como Ministério da Fazenda, além do MME, também trabalha para "enxugar" a CDE, atrás de brechas para revogar alguns subsídios que não sejam direito adquirido ou garantidos em contratos.

Os geradores que garantiram desconto pelo uso da rede, por exemplo, continuarão usufruindo do beneficio até a duração de suas outorgas. A MegaWhat apurou, porém, que o governo enxerga espaço para tirar o benefício de alguns consumidores de fontes renováveis, algo que será antes debatido com o setor e com a sociedade, para evitar choques de interesses e impasses que comprometam o avanço da proposta.

O pente-fino nos benefícios busca liberar espaço na CDE para o aumento do subsídio da tarifa social, mas também para reorganizar a tarifa de energia, já que os desequilíbrios se aprofundaram nos últimos anos e tendem a piorar se uma reforma ampla não for realizada.

Como a reforma também vai prever a abertura do mercado de energia para todos os consumidores a partir de 2027, com um período de transição, a ideia é que o crescimento exponencial da geração distribuída seja desacelerado, já que os consumidores terão a oportunidade de escolher de quem comprar energia, com custos mais competitivos do que os investimentos em GD.

Além disso, o texto deve prever que os consumidores de baixa tensão no mercado livre não possam usufruir do desconto pelo uso da rede, evitando assim um aumento expressivo da CDE, que banca esse subsídio.

TARIFA SOCIAL: MAIS R$ 3,5 BI NA CDE

No caso da ampliação da tarifa social, o impacto estimado na CDE é da ordem de R$ 3,5 bilhões ao ano. Se nada for feito para reduzir outros subsídios da CDE, o efeito seria um aumento de até 1% nas tarifas. É para evitar isso que o governo prepara medidas compensatórias.

A reportagem também apurou que a ampliação da tarifa social prevê gratuidade total para unidades consumidoras com consumo mensal de até 80 kWh, alcançando cerca de 4,5 milhões de famílias de baixa renda.

Atualmente, a tarifa social é progressiva por faixa de consumo, e o desconto é limitado a quem consome até 220 kWh por mês e tem renda per capita de até meio salário mínimo. A proposta do governo é simplificar o modelo e ampliar o número de beneficiários sem depender de novos recursos do Tesouro.

Com a gratuidade até 80 kWh, o consumidor passaria a ter clareza total sobre o seu limite: abaixo disso, não pagaria nada. Acima disso, pagaria apenas a diferença, sem incidência da CDE. O governo acredita que essa comunicação mais direta com o consumidor estimula a eficiência, incentivando o consumo consciente e reduzindo práticas como o furto de energia ("gatos"), especialmente em regiões de baixa renda. Também se espera redução de custos operacionais para as distribuidoras, com menos visitas para cortes e religação, e até redução de investimentos em ampliação de rede nas regiões mais pobres.

O impacto projetado é de um aumento de R$ 3,5 bilhões no custo da tarifa social, elevando o total anual para cerca de R$ 10 bilhões.

É o estúpido, estúpido!, Celso Rocha de Barros, FSP

 No bingo da semana passada, ganhou quem tinha "Trump vai se render e declarar vitória" na cartela. Na quarta-feira, Trump suspendeu por 90 dias as tarifas maiores que 10% e aumentou as da China.

A Casa Branca está tentando vender a versão de que o plano sempre foi esse. Ninguém acreditou, e Trump tem mesmo que torcer para que as autoridades americanas não acreditem.

Afinal, horas antes de suspender as tarifas, Donald postou "ótima hora para comprar ações" em suas redes sociais. Se na hora da postagem ele já sabia que suspenderia as tarifas – e faria a Bolsa disparar – ele cometeu uma fraude financeira gravíssima.

Trump recuou porque houve forte turbulência no mercado de títulos da dívida americana. Como disse o presidente americano, o mercado de títulos estava "ficando um pouco enjoado" ("getting a little queasy").

Um homem com cabelo loiro e pele clara está encostado em uma superfície, olhando para baixo com uma expressão séria. Ele usa um paletó escuro e uma camisa branca. O fundo é desfocado, sugerindo um ambiente interno.
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, a bordo do avião presidencial Força Aérea Um - Nathan Howard/11.abr.2025/REUTERS

Os títulos da dívida americana são universalmente considerados o investimento mais seguro do mundo. É por comparação a eles que os outros investimentos são considerados mais ou menos arriscados. O medo é que a turbulência no mercado de títulos seja sinal de uma perda de credibilidade geral dos Estados Unidos (e do dólar) como centro do sistema global. Na falta de outro país, de outra moeda, ou de outra instituição internacional que consiga desempenhar esse papel, a desorganização global poderia ter consequências desastrosas.

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Seria um furdunço dos infernos, muito pior do que um dia ruim na Bolsa de valores. Nem Trump foi maluco o suficiente para brincar com isso, pelo menos até agora. Por isso recuou.

Mesmo com a suspensão, a turbulência nos mercados continua. Ninguém sabe que tarifas estarão em vigor daqui a dois meses ou um ano. Sem saber isso, como dizer quanto vale uma empresa americana que importa insumos para produzir, ou que exporta para a China? Como essa empresa vai tomar suas decisões de investimento de agora em diante?

Semana passada, o índice VIX, que mede a volatilidade no mercado, chegou a níveis semelhantes aos observados no choque da pandemia de Covid-19. Trump, como o Jair, é uma pandemia de um homem só.

Por isso os analistas americanos substituíram o slogan "É a economia, estúpido!" por "É o estúpido, estúpido!". Os americanos teriam feito melhor negócio importando economistas pinguins das ilhas Heard e McDonald, mesmo com 10% de tarifas, do que elegendo os republicanos.

No "dia da libertação" e em depoimentos subsequentes, Trump manifestou sua incredulidade com o fato de nenhum dos outros presidentes americanos ter implementado tarifas como as dele. Bom, Donald, é porque eles sabiam que aconteceria o que aconteceu na semana passada.

O crash também mostra o quão arriscado é o plano de Trump de usar a posição central dos Estados Unidos no sistema internacional para extrair dos outros países o máximo de vantagens de curto prazo, sem levar em conta o quanto os americanos perdem quando o sistema deixa de funcionar, como na semana passada; para não falar no risco do resto do mundo, no médio prazo, se organizar sem os americanos.

Se algo assim for tentado, proponho chamá-lo de acordo de Heard e McDonald. Será assinado em um navio. Só não cheguem perto o suficiente das ilhas a ponto de atrapalhar a vida dos pinguins.