domingo, 13 de abril de 2025

Marcus André Melo - O decisionismo trumpista, FSP

 Trump é um caso singular de centralização da tomada de decisões em uma democracia. Ele personifica seu gabinete. Atua como titular das pastas da Fazenda, Relações Exteriores e Justiça —para dizer o mínimo. Suas decisões são divulgadas em sua própria rede social ao longo do dia. Ocorre que o sistema político norte-americano é, ao contrário dos sistemas parlamentaristas unipartidários, precisamente o tipo de arranjo institucional em que a centralização do poder decisório não deveria ser possível, como discuti aqui na coluna.

O sistema foi desenhado para dificultar a concentração de autoridade e garantir freios e contrapesos robustos: combina um Judiciário independente com forte capacidade de revisão judicial, um Legislativo bicameral cujos mandatos são defasados no tempo, uma Presidência institucionalmente limitada, um federalismo robusto e eleições legislativas de meio de mandato que ampliam a responsividade do sistema à opinião pública e ao desempenho do Executivo.

A imagem mostra uma porta aberta com um letreiro acima que diz 'EXIT'. Um homem está parcialmente visível na entrada da porta, com cabelo loiro e uma expressão facial que parece estar falando. O ambiente ao fundo é iluminado, sugerindo um espaço interno.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a bordo do avião Air Force One - Nathan Howard/Reuters

Mccubbins identificou um trade-off inerente ao desenho institucional das democracias entre o que chama decisiveness (capacidade de um sistema institucional de aprovar e implementar mudanças em políticas) e resoluteness (capacidade do sistema de manter e sustentar essas políticas ao longo do tempo). Sistemas com alta capacidade decisória tendem a ser menos resilientes e mais vulneráveis à volatilidade institucional. Em contraste, sistemas com baixa capacidade decisória frequentemente enfrentam bloqueios decisórios e paralisia governamental.

O número e a localização institucional dos veto players moldam esse equilíbrio entre capacidade decisória e estabilidade normativa. Arranjos institucionais situados nos extremos desse espectro —seja com vetos excessivos ou com concentração de poder— tendem a gerar disfunções governativas, comprometendo a estabilidade democrática, seja pela incapacidade de adaptação institucional, seja pela facilidade de captura do sistema por lideranças de perfil autocrático. Sistemas altamente decisivos facilitam a aprovação rápida de mudanças —inclusive aquelas que podem fragilizar a democracia—, tornando-se mais suscetíveis à instabilidade política. Por outro lado, sistemas com baixa capacidade decisória, ao se depararem com impasses institucionais recorrentes, geram paralisia e um déficit de responsividade frente às demandas sociais.

No presidencialismo, a forte separação de poderes tende a limitar a capacidade decisória, pois distribui o poder entre diferentes atores institucionais, exigindo algum consenso para aprovação de políticas. Já a separação de propósitos —a divergência de preferências políticas entre os atores que controlam as instituições— também reduz a capacidade decisória, dificultando-o. O inverso —o alinhamento político entre os atores institucionais— pode resultar na hegemonia de uma única força; no limite, na eliminação dos pontos de veto que garantem freios e contrapesos ao Executivo.

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A combinação do mandato das urnas (no colégio eleitoral e voto popular), o controle das duas casas congressuais, a maioria na Suprema Corte, as eleições de meio de mandato em 2026, e a proibição de mais uma reeleição gera uma estrutura de incentivos que produz o decisionismo trumpista.

Guerra do petróleo usa palavras como munição, Marcelo Leite, FSP

 Esqueça por ora a guerra de tarifas de Trump contra a China, ou mesmo a queda de braço entre mercado e Lula/Haddad e a batalha parlamentar entre partidários e adversários de anistia para golpistas. São conflitos decisivos para o futuro próximo do mundo e do Brasil, mas que empalidecem diante das consequências de longo prazo para a humanidade da guerra do petróleo, travada com palavras.


Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, se encolhem na trincheira das "decisões técnicas" sobre a foz do Amazonas. Alexandre Silveira, da pasta de Minas e Energia, dispara petardos como "falta de coragem" e "crime de lesa-pátria" contra a agência por postergar o licenciamento.

Rótulos têm peso estratégico no debate público. Por que não "guerra do carvão mineral, petróleo e gás natural"? Porque "guerra do petróleo", além de mais curto e contundente, mira diretamente no elemento central da ambiguidade do governo Lula no que se refere às mudanças climáticas —ou será melhor falar em crise do clima, em emergência climática?

Dois homens vestidos de laranja falam, com os rostos próximos um do outro
O presidente Lula falando com Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, durante cerimônia de inauguração do Complexo de Energias Boaventura, em Itaboraí, no Rio de Janeiro - Pablo Porciuncula - 13.set.2024/AFP

Lula deve achar que basta reduzir desmatamento na amazônia para desfilar em Belém como estadista verde. Silveira não enxerga que insistir na anuência do Ibama antes da COP30 arrisca empanar o brilhareco do chefe desenvolvimentista. Ao menos por conveniência, poderia aguardar sete meses por seu troféu —que virá, pode anotar, porque Lula já demonstrou, com pré-sal e Belo Monte, até onde vão suas convicções ambientais.

A resistência ambientalista, parte mais fraca, fez manobra de guerrilha eficaz ao chamar de foz do Amazonas, anos atrás, a província petrolífera que almeja interditar. A ciência do clima não deixa margem para dúvida: sem zerar até 2050 emissões de carbono pela queima de combustíveis fósseis, a temperatura média da atmosfera ultrapassará 1,5ºC de aquecimento, limiar de segurança estipulado no Acordo de Paris dez anos atrás.

O ministro de Minas e Energia tenta recuperar terreno insistindo em rebatizar a foz do Amazonas como "margem equatorial" ou "Amapá águas profundas". É fato que o bloco 59 no fulcro da disputa fica a 500 km da foz propriamente dita, mas, por outro lado, está a meros 160 km de Oiapoque (AP), no litoral sensível do estado, pontilhado de manguezais.

É distância ínfima para correntes marinhas, para nada dizer da que separa a área de exploração dos centros urbanos com infraestrutura imprescindível em caso de acidentes como explosões e derramamento de óleo. O Ibama se debruça sobre essas questões para dar seu parecer, mas o ministro prefere atacá-lo com a patranha de que a renda das perfurações financiará a transição energética.

Precisamos explorar mais petróleo para acabar com a exploração do petróleo, dá para entender?

Se o governo tivesse resposta convincente, não apelaria para jogos de palavras nem jogos de guerra. Apresentaria números, metas, cronogramas e propostas concretas sobre como fará sua parte para o mundo desembarcar dos combustíveis fósseis. Mas o Plano Nacional de Transição Energética (Plante, sigla engraçadinha) está parado no MME, ora veja.

Se for só para xingar, dá para chamar de crime de lesa-humanidade.

Reconhecimento facial avança sem limites em São Paulo, Ronaldo Lemos, FSP

 SÃO PAULO

Um espectro ronda a cidade de São Paulo. Trata-se do uso indiscriminado do reconhecimento facial em prédios, condomínios e outros lugares de frequência coletiva.

A situação virou comum. Você chega em um prédio para uma consulta ou reunião. Lá é obrigado a cadastrar o rosto e dados pessoais. Para entrar e sair a máquina precisa reconhecer o rosto com base no cadastro que acabou de fazer. Você vai embora. Mas o cadastro do seu rosto fica lá.

Um homem de terno e máscara está interagindo com um dispositivo de reconhecimento facial. O dispositivo possui uma tela que exibe a imagem do homem e uma luz vermelha acesa. O fundo é neutro, com uma parede clara.
Reconhecimento facial é uma das informações mais importantes que podem ser usadas por golpistas - Pedro Ladeira/Folhapress

O que na superfície parece trazer conveniência e segurança logo se revela um problema. A coleta do próprio rosto não é algo banal, nem deveria ser tratado de forma tão leviana. Ao contrário. Trata-se de uma das informações mais sensíveis sobre uma pessoa, capaz de levar a golpes, fraudes e ameaças.

Quem diz isso é a própria lei. A LGPD define que os dados sobre o rosto são "sensíveis" e cria várias restrições para o seu uso. Exige, inclusive, que seja adotado o mais alto nível de proteção para sua coleta e uso.

Em outras palavras, qualquer estabelecimento que coleta rostos tem nas mãos uma dupla batata quente. Precisa adotar as medidas mais elevadas de proteção exigidas pela lei. Se não fizer isso, está sujeito a penalidades. E se houver vazamento, está sujeito às punições mais altas da lei, que podem chegar a R$ 50 milhões (por infração). É de se perguntar se tantos prédios, condomínios e clubes estão cientes dessas responsabilidades que vêm junto com aquisição dessa tecnologia.

Cada banco de dados com rostos é uma superfície de ataque das mais cobiçadas por criminosos, justamente por facilitar golpes. E lembrando: vazamentos são irreversíveis. Mudar uma senha ou um número que vazou é relativamente simples. Mudar o rosto não.

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É só perguntar para a empresa australiana Outabox. Ela usava a tecnologia de reconhecimento facial para facilitar a entrada em bares, restaurantes e clubes. No início de 2024 atacantes entraram no sistema da empresa e, em poucas horas, os dados dos rostos estavam no submundo digital. O caso virou um escândalo. Até um site chamado "Fui Outaboxed?" foi criado para apoiar as vítimas. As penas da lei australiana para violações desse tipo chegam a 50 milhões de dólares australianos (R$ 184,69 milhões).

Outro ponto é que a tecnologia do reconhecimento facial é cheia de falhas. Por exemplo, tem dificuldades de reconhecer pessoas que usam barba ou de pele escura, já que nas bases que treinam os algoritmos (como a CASIA-WebFace) predominam rostos de pessoas de países asiáticos, brancas ou com poucos pêlos faciais. Além disso, há sempre o risco de falsos negativos (barrar alguém cadastrado) e falsos positivos (autorizar alguém sem cadastro).

Por fim, vale dizer que o reconhecimento facial é uma tecnologia importante para prevenir fraudes e para certificar a identidade das pessoas, especialmente em vista do caos das identidades no Brasil. Há inúmeros casos em que seu uso é legítimo e desejável. No entanto, sua banalização para controle de entrada, de forma desordenada, traz muito mais problemas do que soluções.

Já era: programar com código binário, com zeros e uns

Já é: programar com Python, C++ e outras linguagens de programação

Já vem: programar com a língua portuguesa, usando inteligência artificial