terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga - A ponte construída por Euclides da Cunha, FSP

 

São Paulo

Resolvi dar uma escapulida da metrópole e fui parar no interior do estado, em São José do Rio Pardo, onde o engenheiro e escritor Euclides da Cunha morou entre 1898 e 1901.

Lá ele projetou e coordenou a construção de uma ponte metálica sobre o rio que dá nome à cidade cujas águas são barrentas e bravias e trabalhou numa casinha de zinco de cerca de nove metros quadrados onde escreveu a maior parte de sua obra-prima, "Os Sertões".

A ponte servia para ligar as fazendas de café à estação ferroviária da cidade e teve uma primeira construção que desabou 50 dias depois de concluída, por conta de uma série de erros de cálculo.

Ponte projetada por Euclides da Cunha
Ponte de cem metros de comprimento projetada por Euclides continua intacta e funcional

Euclides, então superintendente de Obras Públicas de São Paulo, foi convocado para reconstruí-la e assumiu a empreitada. Ele havia acabado de retornar de Canudos, na Bahia, onde havia feito a cobertura da guerra contra a comunidade liderada por Antônio Conselheiro, e começava a escrever seu livro, que seria publicado em 1902.

Antes de pôr a mão na massa, Euclides fez um pormenorizado relatório sobre a queda da ponte. Detectou várias irregularidades, como trabalhos defeituosos de alvenaria, erros na montagem e rebites com diâmetros não proporcionais aos furos dilatados das chapas.

Construiu primeiro uma ponte provisória e, com a ajuda de 15 operários, começou a retirada dos escombros. Sob seu comando, as obras da nova ponte foram reiniciadas e finalizadas com sucesso três anos depois. Ela está até hoje de pé, com 100 metros de comprimento e 6,60 metros de largura, servindo a carros e pedestres.

Euclides da Cunha teve longa carreira em São Paulo, onde foi Superintendente de Obras Públicas - Wikipedia

A cabana onde comandava as obras e escrevia "Os Sertões" também está intacta, coberta agora por uma redoma de vidro com estrutura de concreto para protegê-la das enchentes. Faz parte de um memorial instalado nas margens do rio Pardo em homenagem ao escritor.

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Enquanto esteve na cidade morou numa residência na avenida Marechal Floriano, que abriga hoje a Casa da Cultura Euclides da Cunha, também chamada de Casa Euclidiana.

Nascido em Cantagalo, no Rio de Janeiro, em 1866, Euclides teve uma longa e profícua relação com São Paulo. Seu primeiro contato com o estado foi no Vale do Paraíba, logo depois de sua formatura, em 1892, na Escola Superior de Guerra.

Casa de zinco onde Euclides da Cunha trabalhava
Pequena casa de zinco onde Euclides coordenava as obras da ponte e escrevia "Os Sertões"

Na ocasião foi designado para trabalhar na Estrada de Ferro Central do Brasil, no trecho que liga a capital à cidade de Caçapava. Depois de deixar São José do Rio Pardo morou em Lorena, onde fez os ajustes finais no seu livro. Também esteve em Santa Branca, município que também tem uma ponte projetada por ele.

Em 1905, quando já era membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), o escritor foi nomeado chefe de seção da Comissão de Saneamento de Santos e circulou pelas cidades do litoral. Ele costumava reclamar da instabilidade e das constantes movimentações da vida de engenheiro.

Euclides morreu baleado em 1909 pelo tenente Dilermando de Assis, amante de sua mulher, Anna de Assis. Seus restos mortais estão enterrados em São José do Rio Pardo, com exceção de seu encéfalo, que está em Cantagalo.

Em uma carta escrita um ano antes de sua morte para o amigo Francisco Escobar, Euclides escreveu: "Que saudades de meu escritório de zinco e sarrafos da margem do Rio Pardo! Creio que se persistir nessa agitação estéril não produzirei mais nada de duradouro."


Vórtice polar: o que é o fenômeno que derrubou as temperaturas nos EUA e congelou a costa leste, FSp

 Pelo menos seis pessoas morreram em uma tempestade de inverno que tomou conta de uma parte dos Estados Unidos e levou ao fechamento em massa de escolas, caos nas viagens e cortes na rede de eletricidade.

Sete estados dos EUA declararam situação de emergência: Maryland, Virgínia, Virgínia Ocidental, Kansas, Missouri, Kentucky e Arkansas.

Mais de 2.300 voos foram cancelados, com quase 23 mil atrasos também relatados devido ao clima extremo relacionado a um fenômeno chamado vórtice polar (entenda mais sobre ele a seguir).

Cerca de 190 mil pessoas estão sem eletricidade nesta terça-feira (7) em todos os estados que estão no caminho da tempestade.

Pessoas e um cachorro na neve; há muitos flocos voando no ar
Moradores fazem 'batalha' de bolas de neve no parque Meridian Hill, em Washington, nesta segunda (6) - Jon Cherry - 6.jan.2025/Getty Images via AFP

Neve e granizo devem continuar a cair durante o dia em grande parte do nordeste dos EUA, de acordo com o Serviço Nacional de Clima (NWS, na sigla em inglês).

Quando a chuva se dissipar por uma área maior do país, espera-se que o ar frio do Ártico mantenha as condições geladas na América do Norte por mais algumas semanas.

Em Washington —onde aconteceu na segunda-feira (6) a reunião para certificar a vitória de Donald Trump na eleição de novembro— houve um acúmulo de 13 a 23 cm de neve.

A ex-esquiadora olímpica americana Clare Egan foi encontrada praticando esqui cross-country no National Mall, a via central da capital dos EUA.

Ela disse à Associated Press que pensava que seus "dias de esqui talvez estivessem para trás", depois de se mudar para a cidade.

Prédio com grande cúpula é visto ao fundo em uma paisagem coberta de neve; no primeiro plano, uma mulher passeia com um cachorro na guia
Capitólio coberto de neve, em Washington, nesta segunda (6) - Jemal Countess - 6.jan.2025/AFP

As crianças, que deveriam voltar às aulas na segunda-feira após as férias de inverno, aproveitaram um dia de neve enquanto os distritos escolares estavam fechados de Maryland até o Kansas.

Em outras partes dos EUA, a tempestade de inverno trouxe condições perigosas nas estradas.

No Missouri, a patrulha rodoviária do Estado disse que pelo menos 365 pessoas sofreram acidentes no domingo (5), o que deixou dezenas de feridos e pelo menos um morto.

No Kansas, um dos locais mais atingidos, as notícias relataram que duas pessoas morreram em um acidente de carro durante a tempestade.

Na cidade de Houston, no Texas, uma pessoa foi encontrada morta por causa do frio em frente a um ponto de ônibus na manhã de segunda-feira, divulgaram as autoridades.

Na Virgínia, onde 300 acidentes de carro foram relatados após a meia-noite de segunda-feira, as autoridades pediram que os moradores evitem dirigir em grandes partes do Estado.

Pelo menos um motorista morreu, de acordo com relatos da mídia local.

Matthew Cappucci, meteorologista sênior do aplicativo MyRadar, disse à BBC que Kansas City viu a neve mais pesada em 32 anos.

Algumas áreas perto do rio Ohio se transformaram em "pistas de patinação" com as temperaturas gélidas, acrescentou ele.

"Os arados estão presos, a polícia está presa, todo mundo está preso. Portanto, fique em casa", orientou.

O que é o vórtice polar

O vórtice polar é um fenômeno climático que ocorre o tempo todo: são ciclones que se formam nos polos, na região da média e da alta troposfera (região mais baixa da atmosfera) e da estratosfera.

Eles se mantêm em diferentes velocidades —e graças a eles o ar frio permanece sobre os polos.

Esses ciclones permanentes ficam mais fortes e mais amplos durante o inverno, e perdem a força no verão.

Segundo especialistas, múltiplos fatores climáticos podem fazer com que esse ar acabe liberado, desça em direção ao sul e vá para camadas inferiores da atmosfera.

O resultado é o atual quadro de frio intenso que assola a América do Norte, que ganhou o nome de tempestade Blair.

Em partes do Canadá, foram registradas temperaturas de -40°C.

A onda de frio também é resultado de outro fenômeno que ocorre no alto da atmosfera: a corrente de jato polar, um fluxo forte e concentrado de ar em uma direção específica.

Isso é o que impulsiona a forte frente fria e faz com que áreas de baixa pressão se movimentem.

Esses sistemas de baixa pressão produziram as grandes nevascas dos últimos dias. Mas, atrás dessas áreas de baixa pressão, vem o ar frio de verdade: os ventos glaciais que trazem as baixas temperaturas do polo norte.

A força do vento combinada com o ar extremamente frio é que causa os problemas que acontecem nessas ocasiões.

A previsão é que essa massa de ar frio que vem do Ártico siga para o sul, atravesse grande parte do país durante a próxima semana, e chegue até a Costa do Golfo.

O fenômeno acontece com certa frequência no inverno do hemisfério norte. Em 2014, mais de cinco mil voos foram cancelados e ao menos 16 pessoas morreram em uma onda de frio congelante no meio-oeste dos Estados Unidos.

Em 2019, o vórtice polar deixou dezenas de milhões de pessoas abaixo de 0°C na mesma região.

A culpa é das mudanças climáticas?

O meteorologista Simon King, apresentador da BBC, explica que é bem incomum ver uma tempestade de inverno tão grande nos EUA e com temperaturas tão abaixo da média, tão ao sul.

Segundo ele, mesmo em alguns Estados nas Planícies Centrais, no fim de semana, houve de 30 a 38 centímetros de neve —a mais pesada nevasca da última década.

King destaca que, embora exista um aquecimento global geral, há algumas áreas, como as regiões do Ártico, que estão esquentando mais rápido do que o resto do globo.

Algumas pesquisas sugerem que a diferença na mudança de temperatura provavelmente enfraquecerá ainda mais o vórtice polar e, portanto, resultará em mais interrupções, permitindo que o ar frio do Ártico seja deslocado para latitudes mais baixas.

Então, embora muitos possam pensar que em um mundo em aquecimento não haverá tempestades de inverno, esse não é necessariamente o caso.

Ainda que as temperaturas médias geralmente aumentem nos Estados, haverá esses períodos curtos, mas potencialmente severos, de inverno intenso, pontua o meteorologista.

Esta reportagem foi publicada originalmente aqui.

Neste 8 de janeiro, lembre-se: o PT não é a democracia, Joel Pinheiro da Fonseca- FSP

 A diplomação do próximo presidente americano transcorreu sem incidentes. As urnas só são contestadas —como no 6 de janeiro de 2021— quando Trump perde. Ou quando Bolsonaro perde. Nesta quarta, no 8 de janeiro, será nossa vez de lembrarmos a versão brasileira do pastiche americano.

Em 21 de março de 2022 escrevi nesta Folha: "De uma coisa podemos ter a mais tranquila certeza: caso perca as eleições, Bolsonaro tentará desacreditar as urnas e causar tumulto, numa reedição da invasão do Capitólio americano em janeiro de 2021" na coluna "O Telegram tem o direito de ignorar a Justiça brasileira?". Dito e feito. Não era uma previsão arriscada. A estratégia era explícita.

Aqui, como lá, fomos submetidos a meses de mentiras sobre as urnas, vindas sempre do mesmo grupo. Depois da derrota, o fanatismo precisou de uma catarse. Lá, acreditaram que poderiam impedir a diplomação na marra. Aqui, que a quebradeira dos prédios públicos provocaria uma intervenção militar.

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Golpistas e PMDF em 8 de janeiro de 2023 após a invasão às sedes dos Três Poderes; ao fundo, o Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 8.jan.23/Folhapress

Dois anos depois do 8 de janeiro, uma boa notícia: segundo pesquisa Quaest, 86% dos brasileiros desaprovam os ataques. E uma notícia ainda melhor: entre os que votaram em Bolsonaro em 2022, 85% desaprovam. Como a maioria desses não mudou seu alinhamento político, concluo que não veem sua posição ideológica como causadora das invasões. Essas foram um excesso cometido por malucos (ou, talvez, por infiltrados) que não os representam. Jamais farão, portanto, um "mea culpa".

Isso não é ruim. A pior coisa que pode acontecer para a preservação da nossa democracia é ela se tornar pauta cativa de um dos lados do espectro. Foi o destino do combate à corrupção. Ao transformar-se uma bandeira de ataque da direita contra a esquerda, foi pela esquerda rejeitado. O mesmo ocorreu, em sinal contrário, com a pauta ambiental.

Combate à corrupção e defesa do meio ambiente fazem falta. Na medida em que temos um sistema democrático, contudo, ainda podemos votar para colocá-los em prática. Se ficarmos sem democracia, por outro lado, não será possível votar para restabelecê-la.

A democracia liberal nada mais é do que uma maneira de organizar o poder na sociedade. Apesar dos problemas, é a melhor que conhecemos, pois permite que toda a população tenha voz, que direitos minoritários sejam protegidos e que o poder troque de mãos pacificamente.

Sua preservação depende de um pacto universal: garantir o cumprimento das regras do jogo é mais importante do que a vitória do meu time na próxima partida. Para isso, as lideranças de direita devem rechaçar o discurso negacionista das urnas. E a esquerda deve abandonar o discurso de que toda oposição é uma ameaça à democracia.

Mesmo porque ninguém no Brasil é santo. Basta lembrar dos escândalos de corrupção para financiar campanhas e do alinhamento histórico de nossa esquerda com o regime Maduro. O golpismo de direita não reveste a esquerda do manto democrático.

O filme "Ainda Estou Aqui" —que rendeu a Fernanda Torres o merecido Globo de Ouro— mostra como uma boa história pode furar as barreiras ideológicas ao tocar valores humanos universais, sem ser panfletária. Por enquanto, a rejeição ao 8 de janeiro ocupa esse mesmo lugar: todos o condenam. Tenhamos a sabedoria de preservar essa história sem rebaixá-la ao grau de propaganda partidária.