sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Tarcísio amplia aula para 50 min, sobe carga de matemática e português e reduz geografia, FSP

 Laura Mattos

São Paulo

O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) ampliará o tempo de cada aula das escolas estaduais de 45 para 50 minutos. Além dessa alteração nas novas grades curriculares da rede de ensino paulista, que entram em vigor em 2025, haverá aumento da carga horária de língua portuguesa e de matemática, tanto no ensino fundamental 2 (6º a 9º ano) quanto no ensino médio.

Por outro lado, algumas disciplinas perdem espaço. No fundamental, é o caso de geografia e história (de 16 aulas semanais cada uma, ao longo dos quatro anos, para 10) e de ciências (16 para 14). No médio, serão reduzidas aulas de geografia (de 6 aulas semanais, ao longo dos três anos, para 4) e educação física (5 para 4).

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Aula na Escola Estadual Padre Saboia de Medeiros, na Chácara Santo Antônio, em São Paulo - Bruno Santos - 12.ago.22/Folhapress

Além das disciplinas tradicionais, haverá outros ajustes. No ensino fundamental, educação financeira ganha espaço (de 4 aulas semanais, ao longo dos quatro anos, para 6). Já tecnologia e informação, perde (de 8 para 6; saindo do currículo do 9º ano).

No ensino médio, a principal redução acontecerá nas aulas de Projeto de Vida. Das 6 aulas semanais ao longo dos três anos, como é a grade em vigor (duas aulas semanais a cada série), será apenas uma aula por semana, somente no 3º ano.

Com o aumento da duração de cada aula, de 45 para 50 minutos, a rede paulista voltará ao padrão normalmente adotado nas escolas públicas e privadas do país. A redução dos 5 minutos havia sido feita em 2019, pelo governo João Doria.

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Com esse enxugamento, o então governador aumentou a quantidade de aulas diárias, de seis para sete. No cômputo total, a carga horária diária subiu 15 minutos (em 2025, as grades voltam às seis aulas diárias e, portanto, serão 15 minutos a menos por dia).

Àquela época, a intenção era ampliar o espaço para as chamadas disciplinas eletivas e extracurriculares, dentro de um conceito de um currículo mais diversificado. As mudanças foram feitas no contexto da implementação, em todo o país, do (então) novo ensino médio, que reduzia a carga de disciplinas tradicionais, como português e matemática, para criar espaço para matérias novas, de uma infinidade de temas.

Como se sabe, esse caminho se mostrou falho, e o ensino médio foi novamente reformado pelo governo Lula, com a retomada da carga maior para as disciplinas tradicionais. A lei foi sancionada em julho, e as mudanças devem começar a ser implantadas em 2025.

De acordo com Daniel Barros, coordenador pedagógico da Secretária da Educação do Estado de São Paulo, o currículo do ensino médio do próximo ano já está alinhado como esse (novo) novo ensino médio. "É um modelo com o qual concordamos, mais enxuto, concentrado nos conteúdos básicos", afirmou à Folha.

Segundo ele, a perda de geografia no ensino médio será compensada com a matéria de geopolítica para os alunos que optarem pelo itinerário de humanas (há também o de exatas).

Já a redução da carga de Projeto de Vida, de acordo com Barros, se justifica pela própria reforma do ensino médio, que reduziu o foco nos itinerários formativos (as aulas de Projeto de Vida, contudo, para além dos itinerários, se propõem a incentivar o autoconhecimento e outras habilidades socioemocionais).

A ampliação do tempo dedicado à matemática e à língua portuguesa nos currículos novos, tanto no ensino fundamental quanto no médio, explicou o coordenador, se dá computando também as novas aulas de orientação de estudo (uma espécie de recuperação).

No ano passado, o governo Tarcísio já havia ampliado o espaço para matemática e português, com a redução de artes, filosofia e sociologia (essas duas últimas, no ensino médio).

As alterações se referem às escolas de tempo regular, que concentram 2/3 dos estudantes da rede estadual. Nas de tempo integral, segundo Barros, as mudanças serão mais sutis, concentradas na parte diversificada do currículo, não na principal.

Já o aumento de 45 para 50 minutos em cada aula vale para todas as escolas. Barros afirmou que os 5 minutos a menos atrapalham o andamento das aulas. "É um tempo que faz diferença, porque o professor, antes de começar a aula, precisa organizar a turma, fazer a chamada, pedir para todo mundo guardar o celular...", disse.

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Engolido pelas bets, jogo do bicho pode virar atração turística, Álvaro Costa e Silva FSP

 Aquele Pinguim não dava a mínima para Gotham City. Seu território era a Glória, onde gerenciava a banca do bicho. Com sapatos de bico fino bicolores que lhe apertavam os calos, equilibrava-se com dificuldade —daí o apelido. Apesar de receber todo o dinheiro do movimento de apostas, não andava armado. Às terças, como se cumprisse um ritual, entrava no botequim e, com voz baixa, pedia: "Uma Caracu e dois ovos no liquidificador". Combustível para o encontro, à tarde, com a amante novinha.

Eram os anos 1970, quando o negócio estava nas mãos de Castor de Andrade, capo di tutti i capi, que tinha, em sua fortaleza em Bangu, uma linha direta com a cúpula do regime militar.

O bicho ainda manda no Brasil. No Rio, os banqueiros exploram, com faturamento de milhões, mais de 40 pontos de apostas —da zona sul a cidades da Baixada—, 10 mil máquinas caça-níqueis, rede de bingos e cassinos clandestinos. O pagamento é feito em maquininhas ou via Pix. A pule de papel com o carimbo "vale o escrito", que afirmava a confiabilidade da transação, é passado.

Os novos tempos, contudo, desfizeram a harmonia entre os chefes. A situação saiu de controle com a disputa sanguinária por territórios. A guerra pelo espólio de Castor de Andrade já dura duas décadas.
Depois de ter sido solto pelo STF, com relatório favorável do ministro Nunes Marques, Rogério Andrade voltou a ser preso, acusado de mandar matar outro contraventor, Fernando Iggnácio, em 2020. Segundo investigações do MP-RJ, o sobrinho do capo ordenou a execução do rival em mensagens de app criptografadas: "O Cabeludo é o que interessa", referência ao vulgo de Iggnácio.

A modernidade, que facilita o modo de matar, também pode apressar o fim do bicho. Hoje a concorrência de outros tipos de jogatina é enorme. Não por acaso, a bancada do tigrinho no Congresso —que defende os sites de apostas e a instalação de cassinos— quer transformar o império de Castor numa simples bet. Com sorte, os bicheiros no futuro poderão funcionar como atração turística, exibindo os sapatos bicolores, as camisas de seda, os cordões de ouro e a arte de desenhar números no maior capricho.

Bernardo Carvalho- Filósofa francesa defende que pertencimento é armadilha, |FSP

 É difícil conceber hoje um movimento político que não recorra à ideia de pertencimento. Vem daí a obsessão pela origem, pela filiação a uma suposta matriz, como justificativa tanto para a resistência de grupos oprimidos, perseguidos e silenciados, como para os nacionalismos e o racismo dos opressores.

Um pequeno ensaio que acaba de sair pela Quina Editora defende, entretanto, na esteira da psicanálise lacaniana, que toda origem é ficção, estratégia retrospectiva. O pertencimento é uma armadilha.

Barbara Cassin (centro) durante cerimônia na Academia Francesa, em Paris - Thomas Samson - 11.mai.23/AFP

Em "A Nostalgia", a filósofa e filóloga francesa Barbara Cassin busca nos conduzir, a partir do que há de comum na experiência de Ulisses na "Odisseia", de Eneias na "Eneida" e de Hannah Arendt no exílio, a "um pensamento mais amplo, mais acolhedor, [...] uma visão do mundo livre de todos os pertencimentos".

Ulisses não passa mais de uma noite em casa depois de voltar de sua Odisseia, porque esta só se realiza realmente onde e quando ele já não for reconhecido, longe de casa, na estranheza e na alteridade (Canto 23). A casa de Ulisses é a errância. Dante o situa no Inferno, não no Paraíso.

A experiência de Eneias é análoga. Para refundar Troia destruída (em Roma), o exilado que traz a pátria nas costas abandona o grego da origem e se apropria do latim: "É com a língua do outro que se faz uma nova pátria".

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O exilado-fundador da civilização latina é um estrangeiro. "O exílio é um retorno para a origem, pois a origem não é aquela que se acreditava. [...] O fim do exílio, a instalação-fundação, é uma mestiçagem desejada e feliz." A experiência de Eneias lembra que somos todos exilados: "Nenhuma parcela da humanidade permaneceu no lugar de sua origem".

O problema está em confundir o político com a essência. É o dilema da identidade. E é aí que entra a experiência de Hannah Arendt com o alemão, língua ao mesmo tempo materna e que não lhe pertence, associada ao oficialês nacional-socialista.

O que sobra da experiência do exílio é a língua da criação. "O pertencimento a um grupo é ‘de início um fato natural: você sempre pertence a um grupo qualquer pelo seu nascimento'", Cassin cita Arendt. "Mas é desastroso confundir isso com o pertencimento a um grupo 'no segundo sentido', a um grupo organizado, político, em uma relação com o mundo com interesses comuns. [...] 'O inconformismo é a condição sine qua non da realização intelectual'".

O exílio desnaturaliza a língua materna. No exílio, o alemão passa a ser para Arendt a língua da diferença, na qual ela tem a capacidade e o direito de inventar, em oposição à banalidade dos clichês, da comunicação de massa e da propaganda nazista. E em oposição também a uma compreensão ontológica da língua, que vai permitir uma espécie de nazismo linguístico ao associar o alemão ao grego em uma suposta superioridade lexical e filosófica.

A lição dessas três experiências é que, para voltar à casa, é preciso ir ao outro, ao contrário da casa. O sentido da política é o contrário da ontologia.

Em vez de enraizar-se, Cassin propõe "raízes aéreas". Uma língua não é um povo, mas uma pluralidade separada do solo e da origem. Língua de invenção, de singularidade e diferença (daí o elogio da tradução contra uma língua única, pasteurizada, de comunicação global). E citando Arendt: "O que é a política? 1. A política repousa sobre um fato: a pluralidade humana. Deus criou o homem, os homens são um produto humano [...] 2. A política trata da comunidade e da reciprocidade de seres diferentes".

Não é fortuito que, sob a égide do pertencimento e da origem, a ficção acabe rebaixada a mentira, fake news etc. Ela é o avesso disso. Na ficção não pode haver mentira, porque tampouco há pretensão à verdade, embora ela realize a verdade do eu no outro.

A ficção é a língua da errância, do exílio, da pluralidade, do pensamento e da imaginação, das raízes aéreas. Não é a língua de Deus. É a língua dos homens.