segunda-feira, 16 de setembro de 2024

A Amazônia queima no seu bolso, Marcos de Vasconcellos, FSP

 

Se você acha que a pauta do clima é coisa de ONG, lamento dizer: você não entendeu nada. Se o recorde de queimadas na Amazônia, o irrespirável ar de São Paulo e a inexistência de um "plano B" para a vida na Terra não te incomodam, saiba que isso sangra diretamente a economia e suas finanças.

maior seca em extensão e intensidade em 70 anos, de acordo com dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), já fez o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) prever uma queda de 6% na safra deste ano.

Para quem não lembra, o aumento da atividade agropecuária foi o grande impulsionador do crescimento de 2,9% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro no ano passado. Ela subiu 15,1% de 2022 para 2023, empurrando a geração de riqueza.

A imagem mostra duas pessoas em pé em uma área devastada por incêndio. O solo está coberto de cinzas e restos de árvores queimadas, com fumaça visível ao fundo. As pessoas estão em pé, uma delas segurando um pedaço de madeira, enquanto a outra segura um papel. O ambiente é árido e desolado, com algumas árvores ainda em pé, mas sem folhas.
O casal Wanderlei Cardoso Simao e Jordelina Pereira da Silva, que teve parte do sítio destruído pelo fogo na Estação Ecológica Soldado da Borracha, em Rondônia

Pois bem, para esse ano, a expectativa para o crescimento do PIB vem aumentando a cada mês. O ministro da Fazenda Fernando Haddad já falou, inclusive, que o "piso" de 3% de crescimento do PIB já está "praticamente contratado". Não detalhou, entretanto, que a participação do agro minguou como as chuvas.

O próprio Banco Central, em estimativas divulgadas em junho, reduziu a expectativa relacionada ao PIB Agropecuário. Da queda de 1% no ano, fomos para a previsão de queda de 2% em 2024.

Os dados da Esalq/USP, feitos em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) dão a pista de onde o calo aperta: enquanto o PIB do ramo pecuário subiu 1,68% no primeiro trimestre do ano, o do ramo agrícola despencou 3,83%.

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Não importa quantas vezes o ministro da Agricultura diga que o período de chuva está "dentro do calendário ideal", a realidade já bate à porta das empresas da área.

Nos últimos 12 meses, as ações das quatro companhias mais diretamente ligadas ao ramo agrícola na Bolsa tiveram desempenho significativamente abaixo do Ibovespa. Três delas, na verdade, estão no vermelho.

Enquanto nosso principal indicador da Bolsa subiu mais de 14% desde setembro do ano passado, Boa Safra (SOJA3); SLC Agrícola (SLCE3); e 3Tentos (TTEN3) despencaram, respectivamente, 8%, 10% e 10,95%. A única com papéis no azul é BrasilAgro (AGRO3), que subiu 9,5% no período.

E o bonde está partindo. A produção mundial de soja está batendo recorde e o consumo da China segue estável. Traders, como o analista especializado em commodities Guto Gioielli, têm montado apostas na queda dos preços da soja.

Com preços em queda e queimadas em alta, nosso agro parece menos pop.

Isso tudo sem contar o impacto da seca na produção de energia elétrica e, consequentemente, no seu preço, item de primeira ordem na medida da inflação. E ainda tem gigante do mercado financeiro achando que a questão ambiental é coisa de ONG...


Clarice Ferraz - Setor elétrico brasileiro: um retrato preocupante, FSP

 A escuridão a que milhões de habitantes de São Paulo foram condenados no último dia 31 de agosto é mais uma demonstração da atual fragilidade do setor elétrico brasileiro. O grave episódio evidencia alguns dos sérios desafios que o sistema tem encontrado para garantir a segurança de abastecimento. O setor precisa se adaptar às transformações da demanda, à inserção das fontes de energia eólica e solar e lidar com os impactos das mudanças climáticas. A agenda complexa requer planejamento de curto, médio e longo prazo. Mas não é isso que vemos.

Os recentes, e cada vez mais frequentes, apagões mostram que o festejado excesso de renováveis não traz segurança. No final do dia, quando a energia solar deixa de ser gerada, a carência fica evidente. As usinas hidrelétricas, que deveriam servir como um pilar de segurança, enfrentam níveis extremamente baixos, comprometendo a geração. O problema se agrava com o aumento da demanda por água para irrigação e consumo urbano, colocando ainda mais pressão sobre os recursos hídricos.

A imagem mostra uma vista panorâmica de uma cidade ao entardecer, com o céu apresentando um gradiente de cores que vai do azul ao laranja. As luzes das casas e edifícios estão acesas, criando um contraste com o céu escuro. Há uma variedade de construções, incluindo casas e prédios, e a imagem captura a sensação de uma área urbana em transição para a noite.
Região da Vila Augusta, em Guarulhos, após apagão no dia 31 de agosto; bairros da capital paulista também ficarma sem luz

A privatização da Eletrobras trouxe uma nova dinâmica. À medida que o mercado livre se expande, aumenta o uso dos reservatórios orientado pela maximização dos lucros. Da mesma forma, o sistema entrega uma tarifa cada dia mais cara, em parte pelo aumento e pela má distribuição dos custos, que incluem balancear uma participação cada vez maior de fontes não despacháveis.

Outra estratégia da nova gestão para gerir seus lucros é a redução acelerada de custos em pessoal, material, serviços etc. A empresa realizou diversos planos de demissão voluntária e reduziu os gastos com a manutenção de subestações e linhas de transmissão. No último dia 8 de agosto, o CEO Ivan Monteiro celebrou o anúncio de uma redução além da meta prevista, destacando o progresso nas iniciativas de corte desde a privatização da empresa.

Os consumidores, no entanto, não têm o que comemorar. Para eles, os resultados "dos ganhos de lucratividade" são vivenciados em apagões. Somente em agosto ocorreram em Salvador, Acre, Roraima e São Paulo, a partir de falhas que se originaram em linhas de transmissão e em subestação de propriedade da Eletrobras. Foram diversos os incidentes ao longo do ano e os impactos sobre a economia são estimados em centenas de milhões de reais —e, por vezes, em perdas de vidas humanas. O recorrente despacho emergencial de usinas termelétricas eleva os custos de geração e, consequentemente, as tarifas.

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Para retirar o Brasil do pódio ocupado pelos países com a eletricidade mais cara do mundo e fazer com que deixemos de ser palco de frequentes apagões é crucial que o governo adote uma abordagem integrada que priorize a segurança energética, a complementaridade das fontes e a sustentabilidade dos recursos hídricos. Somente com uma política clara e uma gestão eficiente e coordenada dos reservatórios será possível reverter o atual estado de vulnerabilidade e garantir um futuro sustentável para o setor elétrico, para os consumidores e para o desenvolvimento industrial.