segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Jesus + Olimpíadas = medalhas?, Juliano Spyer- FSP

 O que Rebeca Andrade, Caio Bonfim, Rayssa Leal e Gabriel Medina têm em comum? Além de serem medalhistas na Olimpíada de Paris, todos são cristãos. Isso nos convida a refletir sobre as possíveis relações entre cristianismo e performance esportiva.

Mas relacionar espiritualidade e desempenho hoje é como misturar o intangível da fé com o que pode ser medido e explicado pela ciência. E o contexto do mundo polarizado não facilita; religião é o que mais nos divide nas guerras culturais. O que fazer?

Rayssa Leal no Parque dos Campeões - Luo Yuan/Xinhua

O sociólogo Diogo Corrêa, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) em Paris, aponta um caminho para superar o impasse. "Nós, progressistas, muitas vezes focamos no protestantismo pelo que ele restringe moralmente, e não pelo que possibilita eticamente", afirma. "Como ética, o protestantismo é um conjunto de técnicas para superar desafios."

Nesse contexto, temer a Deus não significa abdicar da razão, mas sim adotar ou praticar um tipo específico de racionalidade para enfrentar adversidades e adversários.

Durante seu período como acadêmico na Califórnia, o antropólogo e professor da UFRJ Rodrigo Toniol conheceu academias de ginástica voltadas para evangélicos, como a recentemente inaugurada em Curitiba. Para os cristãos, "o corpo é um templo e precisa ser habitado e cuidado", ele explica. "Daí a importância do aprimoramento físico e da renúncia a vícios."

Gabriel Medina na disputa olímpica, em Teahupo'o, Taiti - Ma Ping/Xinhua

A denominação que o antropólogo Bruno Reinhardt (UFSC) estudou em Gana, na África, relaciona a prática devocional com a atlética. "Eles têm quadras nas igrejas, organizam uma maratona anual", ele conta. "Pelo esporte, você aprende que a conquista resulta da paciência e do autossacrifício. E o cultivo dos ‘frutos do espírito’ aumenta a resiliência para a prática esportiva e para a vida."

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É possível até pensar em práticas comuns entre evangélicos que têm paralelos com o esporte. "Atividades como ‘maratonas de oração’ demandam resistência e gasto de energia", conclui Bruno.

Essas reflexões não se referem a aspectos mágicos ou à interferência divina. Não se trata de Deus, tal como os deuses olímpicos, favorecendo os "escolhidos" do "Time Jesus" do camarote celestial. São exemplos de como a ética protestante influencia a preparação física e psicológica de atletas.

Esse caso dos resultados nas OIimpíadas de Paris nos ajuda a pensar o que está acontecendo no Brasil, especialmente no campo da produtividade. No ambiente igualmente competitivo do trabalho e do empreendedorismo, a disciplina e a resiliência da ética protestante turbinam também o desempenho de quem quer vencer na vida, viver melhor e ganhar dinheiro. Isso é pecado?

spyer@uol.com.br

O fogo xenofóbico contra brasileiros em Portugal, Alvaro Costa e Silva - FSP

 


Em entrevista à Folha, o ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel, disse que o país precisa de trabalhadores imigrantes para segurar a economia e enfrentar o déficit demográfico. Foi um recado do governo de centro-direita para os extremistas de direita, que incentivam a escalada dos casos de xenofobia, sobretudo contra brasileiros, já acostumados a ouvir nas ruas de Lisboa e do Porto: "Não é problema meu se você não sabe falar português" e "Mulher brasileira vem para cá para roubar o marido das portuguesas".


Mais de 400 mil "zucas" moram em Portugal, sofrendo até fogo amigo. O partido Chega, que prega a deportação em massa de imigrantes, cresceu com a adesão de brasileiros que têm dupla nacionalidade. Um deles, Marcus Santos, que nasceu no Rio e é preto, foi eleito deputado em março.


No Brasil, o antilusitanismo existe ao menos desde a chegada da Corte, em 1808, e a expulsão dos cariocas de suas casas. Com menor gravidade e maior tolerância. Na primeira década do século 20 havia no Rio um milhão de pessoas. Cerca de 200 mil eram portugueses natos, mais gente do que no Porto. Se se contassem descendentes diretos, esse número seria o dobro.


A convivência com estivadores, carregadores de carroça, açougueiros, ferreiros, comerciantes de varejo era harmônica. Apesar do tempo, ainda persiste a imagem preconceituosa do portuga de boteco, um inculto de bigodes e tamancos, da qual o escritor José Cardoso Pires —que viveu no Brasil trabalhando sob pseudônimo para fugir do regime salazarista— se queixava.

Às vésperas do centenário da Independência, em 1922, houve uma onda de lusofobia contra os chamados poveiros, que se dedicavam à pesca. O cronista João do Rio —grande homenageado da Flip este ano— ficou ao lado deles. Como prêmio, foi espancado com socos, bengaladas e chutes no rosto e no traseiro pelos extremistas da época.

mulher morena sentada com as pernas para fora de barraca montada em terreno arborizado
Brasileira que vive em barraca em terreno baldio arborizado em frente à praia de Carcavelos, na grande Lisboa - Giuliana Miranda/Folhapress

Veja falas e frases icônicas do ex-ministro Delfim Netto, FSP

 

São Paulo

O economista, ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto, que morreu nesta segunda-feira (12), teve muitas frases e falas históricas que marcaram sua vida pública e política. A personalidade que transitou do voto favorável ao AI-5 até o apoio ao governo Lula décadas depois, chegou a ter as citações icônicas compiladas no livro "O Homem Mais Realista do Brasil", do jornalista Aristóteles Drummond.

Relembre, a seguir, algumas das frases e falas icônicas do economista.

Delfim Netto em debate sobre sei livro "O Animal Econômico", em 2019 - Zanone Fraissat - 12.jun.2019/Folhapress

Voto durante a sessão para aprovação do AI-5, em 1968

"Estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. E, se Vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela [proposição do AI-5] não é suficiente. Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar a Vossa Excelência, ao presidente da República, a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais, que são absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez"

Sobre a Constituição, em entrevista à revista Veja, em 1988

"Faltou à Constituinte a concepção de que o Estado é simplesmente um instrumento distributivo. Ele é um mau instrumento produtivo. Atribuíram-se ao Estado missões como a de produzir o desenvolvimento tecnológico e regular toda a atividade econômica"

Sobre a relação com Lula, à revista Veja, em 1993

"Se eu e o Lula dizemos que dois e dois são quatro, isso não significa que formamos uma aliança, apenas que sabemos contar. Aliás, eu penso que quanto mais fica entendido que eu e o PT estamos em campos opostos, antagônicos, melhor será para ambos. Uma das piores coisas que aconteceram no Brasil depois de 1984 foi essa busca do consenso. Eu não quero consenso com o PT. Quero dissenso. Dissentimos, vamos ao eleitor, ele vota, ganha quem tem maioria e governa quem ganhou"

O Lula é que está do meu lado. Estou onde sempre estive, eles é que mudaram

Delfim Netto

entrevista ao Jornal do Brasil, em 2002

Sobre o PT, em entrevista à Folha, em 2002

"O PT é o único partido que tem chance de exercer a social-democracia de verdade. Isto porque tem um elemento fundamental, que é o trabalhador. Não existe partido social-democrata só com professor universitário"

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Sobre o governo FHC, ao Jornal do Brasil, em 2002

"O Fernando Henrique terminou o primeiro governo com uma enorme crise e termina o segundo mandato com uma fantástica crise. E deixa para o próximo uma herança terrível. Um desemprego monstruoso, como nunca se viu. Um crescimento medíocre, como nunca se viu. Uma acumulação de dívidas que torna muito mais difícil a administração econômica do país"

Sobre o voto favorável ao AI-5, em entrevista à Câmara dos Deputados em 2003

"O meu depoimento tem sido um pouco controvertido. Algumas pessoas dizem que eu exigi até mais. Não. O que eu disse, e está escrito com todas a letras, é que eu queria aproveitar aquilo que estava acontecendo para completar as reformas que faltavam"

De vez em quando, Lula me convida para tomar um café. Converso com ele, falo, mas não sei se me ouve

Delfim Netto

entrevista à revista Nossa História, em 2006

Sobre Geisel, à revista Nossa História, em 2006

"Quando chegou a segunda crise do petróleo, não tínhamos mais alternativa alguma. Acredito que o Geisel fez muito bem endividando o país para mantê-lo funcionando. Se ele não tivesse feito isso, o Brasil teria virado Bangladesh"

Uma das coisas de que eu mais me arrependo na vida foi ter criado esse Frankenstein chamado Infraero

Delfim Netto

entrevista à Folha em 2007

Sobre o PT, em entrevista à Folha, em 2018

"A minha convicção é que o PT hoje parasita o Lula, que é um animal político muito maior do que o PT e muito mais democrata que o partido. O PT é constitucionalmente um partido autoritário, porque defende a ideia de que só ele tem razão"

Sobre o governo Bolsonaro, em artigo de 2020 na Folha

"Infelizmente, o presidente Bolsonaro administra a pátria amada com os piores preconceitos identitários e religiosos, além de revelar horror às evidências empíricas. Continua a negar o desaparecimento anual de parte da floresta amazônica"

O PT gasta 85% do tempo brigando com ele mesmo. A sorte é que isso não produz inflação. Só 15% do tempo é dedicado à administração

Delfim Netto

entrevista à revista IstoÉ, em 2004

Sobre o papel da imprensa, em artigo de 2021 na Folha

"A imprensa, pedra angular da democracia, tem o papel de informar os cidadãos, mas não só. É ela que mantém "accountable" os Poderes e as instituições; que investiga, revela e traz à luz do dia os fatos e as verdades inconvenientes. Qualquer turbulência eventual que esse processo possa trazer no curto prazo, ela se esvai no constante fortalecimento das instituições ao longo do tempo"

Sobre as Forças Armadas, em artigo de 2021 na Folha

"A novidade é o apoio explícito recebido de alguns poucos integrantes das Forças Armadas, que revelam desconhecer que a Constituição não lhes confere a atribuição de poder moderador. Esforçam-se para enterrar todo o esforço feito pelo grande presidente Castello Branco de acabar com o tenentismo e se recusam a entender que devem obediência ao Estado brasileiro e à Constituição, não ao governo de turno"