sexta-feira, 5 de julho de 2024

Bruno Boghossian - Cerco da polícia amplia antigo tormento de Jair Bolsonaro, FSP

 O cerco da polícia amplia um antigo tormento de Jair Bolsonaro. O ex-presidente costumava desconfiar que poderia ser alvo de uma ordem de prisão preventiva. Ele iria para trás das grades, mas denunciaria a precipitação de seus acusadores. O avanço das investigações, por outro lado, dificulta essa cartada.

Num único dia, a Polícia Federal apresentou novos elementos de dois inquéritos contra Bolsonaro. Pela manhã, agentes deflagraram a segunda fase da operação que revelou a falsificação do cartão de vacina do ex-presidente. No fim da tarde, o capitão e mais 11 pessoas foram indiciadas pela venda ilegal de joias recebidas durante seu governo.

Desde o início das apurações, investigadores juntaram elementos sobre a atuação de um grupo que operava a favor de Bolsonaro. Recolheram provas da fraude no sistema de informações sobre a vacina, rastrearam o caminho das joias e ouviram do tenente-coronel Mauro Cid uma série de depoimentos que implicavam diretamente o ex-presidente.

A coleta das informações reduziu o espaço de ação de Bolsonaro. Aos poucos, ele foi perdendo a capacidade de negar o envolvimento em cada acusação. Restou um caminho um tanto estreito para brigar contra o enquadramento jurídico que deve ser dado aos crimes e, como de praxe, fazer barulho político.

Bolsonaristas apelaram para dois argumentos principais —um previsível e outro sincero. No primeiro caso, Flávio Bolsonaro falou em perseguição "declarada e descarada". No segundo, Eduardo Bolsonaro exagerou na franqueza e afirmou que o pai continua sendo um político popular "porque ninguém acredita mais nessa porcaria".

Ao longo dos anos, Bolsonaro investiu pesado na degradação da confiança nas instituições com o propósito de ampliar seu poder. O golpe fracassou, mas o ex-presidente foi relativamente bem-sucedido em alimentar aquela suspeição entre seus seguidores mais fiéis. É deles que ele dependerá para se manter relevante, mesmo que acabe condenado.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Freio de arrumação, Opinião OESP

 É estranha a rapidez com que foi tratado pela Câmara Municipal de São Paulo o Projeto de Lei (PL) 691/22, que proibiu o uso de animais em atividades esportivas na cidade. Proposto pelo vereador Xexéu Tripoli (União) em 13 de dezembro de 2022, o PL 691/22 foi aprovado pela Casa no dia 26 de junho passado e sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) no dia seguinte. Nesse ano e meio de tramitação, só há registro de duas audiências públicas obrigatórias.

Na superfície, o projeto parece bem intencionado. Mas de boas intenções, como se sabe, o inferno está cheio. Desde o início, ficou claro que o grande alvo da Câmara Municipal era a proibição do turfe na cidade, a pretexto de coibir a “prática de jogos de azar” e, principalmente, os “maus-tratos” contra os cavalos. O projeto, porém, também serve a um interesse não escrito. No limite, pode culminar na desapropriação da valiosíssima área de 600 mil m2 do Hipódromo de Cidade Jardim, de propriedade do Jockey Club de São Paulo.

A bem da verdade, o Jockey Club deve R$ 856 milhões de IPTU à municipalidade, de acordo com os cálculos da Prefeitura. A desapropriação, portanto, é uma das cartas sobre a mesa. Mas o clube decerto não é o único devedor do Fisco municipal. Ademais, há sempre a possibilidade de negociação.

Sensível a essas nuances, a Justiça paulista acolheu um pedido do Jockey Club e suspendeu, na terça-feira passada, a validade da Lei n.º 18.147/24. Assim, a Prefeitura fica proibida de punir o clube por manter suas atividades até o julgamento do mérito da ação, ainda sem data marcada.

Não se pode condenar quem veja nessa correria para aprovar a lei a exploração eleitoreira da situação periclitante do Jockey Club, no melhor cenário, ou a abertura do poder público à especulação imobiliária, no pior. Em exposição de motivos, Tripoli argumentou que “a aversão à ideia de apostas em contenda com animais vem aos poucos se consolidando”, sem apresentar dados objetivos que corroborassem a asserção. Parece uma justificativa frágil.

Além disso, em que pese a opinião dos que não veem o turfe como um esporte, mas sim “uma prática extenuante” para os cavalos, como defende o vereador, parece haver uma deliberada confusão entre o que acontece no Hipódromo e o que acontece na clandestinidade das apostas em rinhas de galo, corridas de cães ou lutas entre pit bulls – estas sim, práticas que quase sempre levam à morte os animais.

Os cavalos do Jockey Club decerto são mais bem tratados do que muitos dos moradores sem-teto na capital paulista. E com estes o Legislativo municipal não parece estar tão preocupado, haja vista que passou em primeira votação um projeto de lei que multa quem doar comida aos sem-teto, impedindo, na prática, o exercício da caridade.

Igualmente estranha nessa história toda é a intenção do prefeito Ricardo Nunes de instalar um parque no lugar do Hipódromo de Cidade Jardim. Há três anos, estudos da própria Prefeitura revelaram que seria inviável criar um parque no local dadas as condições do terreno, entre outros fatores.

O privatismo sem critério de Tarcísio de Freitas, André Roncaglia, FSP

 Depois do escândalo da privatização da Eletrobras, a Sabesp é a bola da vez.

A venda de participação acionária da empresa teve a ampla concorrência... de uma empresa interessada. Indagado a este respeito, o governo Tarcísio reagiu com a novilíngua privatista: "Não é falta de concorrência, é uma aderência ao que a gente vem colocando desde o início".

Estações de tratamento de esgoto modulares da Sabesp no Rio Pinheiros, próximo à usina de Traição, na Vila Olímpia
Estações de tratamento de esgoto modulares da Sabesp no Rio Pinheiros, próximo à usina de Traição, na Vila Olímpia - Gabriel Cabral/Gabriel Cabral/Folhapress

Especializada em energia elétrica, a Equatorial conta com uma "vasta experiência" de dois anos no setor de saneamento, "conquistada" com a privatização do serviço no Amapá, feita pelo governo Bolsonaro em 2021, sob a batuta do atual governador carioca de São Paulo.

Se efetivada a operação, a Equatorial deterá 15% das ações da Sabesp, adquiridas a preços abaixo dos vigentes no mercado (R$ 67 contra R$ 75). Sim, a privatização do ativo público, subsidiada com o dinheiro do contribuinte, é vista com naturalidade pela patrulha liberal.

Reportagens da Folha fizeram uma radiografia picotada da privataria tarcisiana. Deixe-me organizar os dados para o leitor. Ao se tornar "acionista de referência", a empresa terá participação acionária de 15% e o poder desproporcional de indicar o CEO da Sabesp, o presidente e três membros do conselho de administração.

PUBLICIDADE

Os principais acionistas da Equatorial são "o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, as gestoras Atmos, Capital World Investors, Squadra Capital e o fundo americano de investimentos Blackrock". Com efeito, o "futuro plano de eficiência" da Sabesp prevê "redefinir a relação com sindicatos, otimizar benefícios e políticas de remuneração". E, claro, a governança da Sabesp seguirá a "cultura de dono", isto é, o "alinhamento de incentivos por performance". Traduzindo: corte no quadro de funcionários e elevação da remuneração da diretoria executiva. Este arranjo tem dado certo com a Enel em São Paulo, não?

A otimização de custos operacionais e da estrutura de capital da Sabesp visa aumentar o endividamento da empresa para fazer caixa e, assim, aumentar a distribuição de lucros aos acionistas. Com este nível da taxa de juros brasileira, o acionista ganha o retorno hoje e o usuário paulista paga os juros com tarifa mais alta no futuro.

Neste ponto, a racionalidade técnica do exterminador de estatais tem uma solução: utilizar os ganhos com a privatização para subsidiar, nos primeiros anos, as tarifas pagas pelo consumidor paulista. Sim, o governo vai usar o ganho com a venda da casa para financiar o aluguel da casa. "Imprecionante"!

Diferentemente do Amapá, onde a cobertura de serviços de saneamento é muito baixa —apenas metade da população tinha acesso a água tratada e meros 4,5% da população contava com coleta de esgoto—, a situação da cobertura no estado de São Paulo é próxima de total. Em 2022, os índices de cobertura de água (98%), de esgoto (92%) e de tratamento de esgoto coletado (85%) deixam nítido que o contribuinte paulistano já amortizou o investimento na estatal paulista desde 1973, quando foi fundada.

A Sabesp é uma empresa altamente lucrativa e com capital aberto em Bolsa. Mesmo assim, o governo Tarcísio não conseguiu gerar concorrência para privatizar a maior empresa de saneamento do país. É um feito e tanto!

Com controle da Sabesp, a Equatorial se consolidará como "empresa multiutilidades"; em 2023, sua margem de lucro foi de 77%. A ironia desta história é que um governo bolsonarista está subsidiando, à custa do contribuinte paulista, uma nova campeã nacional.

A reestatização do saneamento em Paris e Berlim —dentre dezenas de cidades mundo afora— questiona a fé inabalável na gestão privada dos recursos hídricos. É imperativo evitar este retrocesso no estado mais rico do Brasil.