terça-feira, 2 de julho de 2024

Rebelião há 200 anos no Nordeste impulsionou debate sobre República e fez oposição a dom Pedro, FSP

 

RECIFE

O autoritarismo do Império brasileiro levou um grupo de revoltosos a proclamar uma República em 2 de julho de 1824, durante o reinado de dom Pedro 1º, em uma parte do Brasil. O episódio foi a Confederação do Equador, que questionava os superpoderes e intervenções do imperador. A República proclamada envolvia as províncias de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

O nome Confederação do Equador se deu por causa da proximidade das províncias com a Linha do Equador. O movimento aconteceu sete anos depois da Revolução Pernambucana de 1817, na qual foi inspirado, segundo historiadores, e dois anos depois da Independência do Brasil.

Exército Imperial do Brasil ataca as forças confederadas no Recife - Leandro Martins/Wikimedia

A declaração de Independência trouxe autonomia para o Brasil, mas não deixou a monarquia para trás. Por isso, a Confederação do Equador trouxe a ideia de República, que se efetivou apenas 75 anos depois, mas que já havia sido implantada em partes da América do Sul.

"Falar de República naquele momento era quase que uma blasfêmia, era quase que atentar os desígnios divinos, porque a ideia de monarquia de antigo regime, monarquia de direitos divinos, ainda estava muito viva", afirma o professor de história George Cabral, da Universidade Federal de Pernambuco.

Em 1824, dom Pedro desfez a Assembleia Constituinte que estava em andamento, composta por deputados eleitos nas províncias, e promulgou uma nova Constituição do Brasil que incluía um Poder Moderador chefiado por ele.

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Naquela época, o imperador não falava em mudar a escravidão e tinha mantido a concentração de terras com os ricos.

A dissolução da Constituinte foi um dos motivos para a explosão da tensão em Pernambuco.

Os líderes da Confederação do Equador também questionaram a troca, em 1823, do presidente da província local, uma espécie de governador. Manoel de Carvalho Paes de Andrade foi eleito pelo voto popular —predominantemente homens ricos votavam—, mas foi retirado do cargo pelo imperador, que colocou na função o antigo incumbente, Francisco Paes Barreto.

A medida foi com base em uma lei de 1823 que determinou a indicação dos presidentes de províncias pelo imperador, em vez de serem escolhidos pelas próprias províncias.

Os ideias liberais eram o norte dos revoltosos, liderados por nomes como Paes de Andrade —articulador político—, Frei Caneca —tido como a voz intelectual do movimento— e Cipriano Barata, um médico baiano que foi morar em Pernambuco após retornar de um período em Portugal. Ele não voltou para a Bahia em razão das tensões políticas no estado, que só aderiu à Independência do país um ano depois. Já Frei Caneca era filho de um homem que fabricava canecas e serviu à Igreja Católica no Convento do Carmo, no Recife.

Os objetivos da Confederação do Equador eram garantir uma ordem constitucional, de preferência com o regime republicano federativo, ou seja, com as autonomias das províncias. Assim, o movimento pretendia se diferenciar do imperador, que era centralizador e tinha amplos poderes com a instituição do Poder Moderador, uma espécie de árbitro das divergências entre poderes.

Outra intenção era instituir o federalismo no país, a fim de garantir maiores autonomias às províncias. "Isso era um problema, porque o imperador não se sentia bem com essa história das províncias estarem com muita independência. Não é uma independência [no modelo] separação, é uma independência no tipo de um autogoverno. Porque o que ele queria na realidade era um governo dele, unitário", diz Flávio Cabral, professor de história da Universidade Católica de Pernambuco e especializado na Confederação do Equador.

"Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte estariam unidos, mas formando um todo. Porém, num Estado não centralizado, como foi aquele que ficou visível após a Independência, e sim num Estado descentralizado", acrescenta Cabral.

Uma discussão central na Confederação do Equador também era o fim da escravidão. Entre os participantes, havia muitos homens negros livres e muitos mestiços livres.

"E a Confederação do Equador foi até um passo adiante, se a gente comparar com a Revolução de 1817. Porque um dos principais, um dos primeiros atos do governo, foi a proibição do tráfico negreiro. Então, a gente pode dizer que a Confederação até avançou em relação à Revolução Pernambucana nesse sentido", diz George.

As elites pernambucanas aderiram ao Império para preservar seus lucros e mão de obra advinda da escravidão.

A Confederação do Equador tem muitas semelhanças com a Revolução Pernambucana de 1817, movimento separatista e republicano ainda no período colonial. Diversos participantes da mobilização de 1824 tinham participado dos atos de sete anos antes.

Alguns participantes de 1817 foram presos, como Frei Caneca, que ficou quatro anos detido e foi solto apenas após a Revolução Liberal do Porto de 1820, quando dom João 6º decretou a soltura de todos os presos políticos, o que contemplou o futuro líder da Confederação do Equador.

Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará eram ligados a Pernambuco social e economicamente, com a produção açucareira e do algodão. Por isso, tinham confluências com o estado mentor do movimento, além de ligações religiosas, com o mesmo bispado na Igreja Católica.

A repressão foi forte. Dom Pedro determinou o fechamento do Porto do Recife, sufocando o abastecimento da província ainda em abril de 1824, antes da eclosão da Confederação do Equador. O fechamento continuou durante todo o movimento, que acabou em novembro.

Como punição, Pedro 1º determinou a retirada da Comarca de São Francisco, atualmente no oeste da Bahia, do território pernambucano. Sete anos antes, o território de Pernambuco já tinha sido reduzido com a retirada de Alagoas, após a Revolução Pernambucana de 1817.

No campo militar, Pernambuco não tinha preparo para enfrentar a tropa do Império. As tropas imperiais ficaram na divisa com Alagoas, impedindo a comunicação com outras localidades. Depois, a tomada do Recife se deu por mar e por terra.

Acuado pelas tropas, Frei Caneca foi rumo ao Ceará, na esperança de organizar e encontrar uma resistência, o que não aconteceu. Foi preso e condenado à morte. Os aliados do Império se recusaram a enforcá-lo. A morte foi por fuzilamento. Já Cipriano foi preso em 1825.

Ilustração da morte de Frei Caneca

A difusão de informações do movimento era feita nos jornais Thyphis Pernambucano, de Frei Caneca, e Sentinela pela Liberdade, de Cipriano Barata. Como parte expressiva da população não sabia ler, Frei Caneca, por exemplo, costumava ler as publicações em praça pública para disseminar as suas ideias.

"Os jornais eram comprados por quem tinha dinheiro. A partir do momento que eles ouviam as discussões, as pessoas, mulheres, pobres ou ricas, escravizados de ambos os sexos, estavam nas esquinas comentando daquilo que está se passando no Rio de Janeiro e em outras partes do mundo", diz Flávio Cabral.

A constituição de um país republicano a partir de Pernambuco não deu certo, mas a Confederação do Equador ajudou a disseminar os ideais de República e liberdade. Duzentos anos depois, os debates sobre superposição dos poderes e sobre autoritarismos ainda estão em vigor no Brasil.

Em Pernambuco, o governo estadual prepara uma série de atividades, a partir da terça-feira (2), para celebrar o bicentenário da Confederação do Equador, incluindo o lançamento de livros especiais e acervos de publicações do período da eclosão do movimento.

Para economizar em conta de R$ 3 bi, cassinos de Las Vegas buscam energia renovável, FSP

 Alex Sabino

LAS VEGAS

Hoje em seu terceiro mandato como prefeita, Carolyn Goodman anunciou, em dezembro de 2016 que Las Vegas seria a primeira grande cidade americana a usar 100% de energias renováveis. Parecia grandioso. Mas o desfecho foi decepcionante.

"Toda a cidade? Inclusive a Strip?", foram as perguntas dos jornalistas.

A imagem mostra uma vista noturna da Las Vegas Strip, com destaque para o hotel e cassino MGM Grand, iluminado com luzes verdes. À esquerda, há uma réplica da Estátua da Liberdade. A rua está movimentada com muitos carros. Placas de neon e letreiros iluminados são visíveis, incluindo um que menciona 'David Copperfield'
Telão anuncia o Super Bowl deste ano no Hotel MGM, na Strip, trecho da Las Vegas Boulevard onde estão os cassinos mais famosos da cidade

Não, a Strip não estava incluída. A notícia divulgada pela prefeita era importante. São 140 prédios, iluminação pública centros comunitários e estações do corpo de bombeiros que passaram a ser servidos apenas por energia solar ou hidroelétrica. Mas sem incluir as áreas que tornam Las Vegas, a "cidade do pecado", o que ela é, o impacto foi bem menor.

Oito anos mais tarde, resorts, cassinos e atrações turísticas locais se movem em direção a fontes renováveis.

"Não existe uma escolha entre ser luxuoso ou sustentável. É possível ter as duas coisas: ser um resort com entretenimento e ter responsabilidade", disse Brandon Morrison, diretor de sustentabilidade do Resorts World, rede de hotéis de luxo que tem uma unidade no lado sul da Las Vegas Boulevard.

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O endereço é o que passou a ser chamado "the Strip", a maior atração da cidade, motivo principal pela qual ela recebeu 41 milhões de turistas no ano passado e movimentou US$ 79 bilhões (R$ 447 bi) em 2022.

É o espaço de 6,8 quilômetros, em linha reta, em que estão os mais famosos cassinos e resorts do país. É onde também acontecem os principais shows de Las Vegas. São letreiros, imagens e luzes que piscam sem cessar. Compõem a paisagem que faz visitantes enfrentarem o calor sufocante de julho (com temperaturas superiores a 40º C) para irem de um cassino ao outro, perdendo US$ 6 bilhões por ano (R$ 34 bi) em apostas pelo caminho.

O Resorts World iniciou processo, em 2021, para chegar ao uso de 100% de energia solar em suas instalações, incluindo o hotel com 3.500 quartos.

O MGM Resorts International usa energia produzida por placas solares instaladas em fazenda no Arizona, estado vizinho a Nevada. Estas são capazes de gerar 100 megawatts de energia distribuídas em suas 13 propriedades em Las Vegas. Segundo o vice-presidente de sustentabilidade do grupo, Michael Gulich, seria o suficiente para abastecer 27 mil residências.

O engajamento de cassinos, hotéis e demais empreendimentos da Strip é fundamental para que o estado de Nevada consiga atingir o objetivo determinado em lei assinada em 2019: que toda a energia do estado venha de fontes renováveis até 2050. Antes disso, a meta é atingir 50% em 2030.

De acordo com a NV Energy, empresa de fornecimento de energia que atua em Nevada, no final de 2023 o uso de fontes renováveis estava em 37,6%.

"Mais empresas vão seguir pelo mesmo caminho. Até 2030, a Strip estará em 50%", afirmou, em comunicado, Tony Sanchez, vice-presidente de desenvolvimento de negócios e relações externas da NV Energy.

A empresa acredita que terá mais 1.440 megawatts de energia solar em 2024 para oferecer resorts a empreendimentos locais.

A quantidade de luzes é o que faz Las Vegas ser Las Vegas. O cartões postais da cidade nasceram apoiados na exuberância visual. A atração dos cassinos, além da exploração do sonho do turista de ganhar ganhar milhões, está na combinação da ventilação, máquinas de jogos e ambiente iluminado. Isso custa caro.

Dados da US Energy Information Administration apontam que a Las Vegas Strip usa 8 mil megawatts de eletricidade por dia. Somada, a conta de energia dos hotéis e cassinos da região, incluídos os que estão fora da zona mais badalada, chega a US$ 1,2 milhão a cada 24 horas (R$ 6,7 milhões). São US$ 547,5 milhões por ano (R$ 3 bilhões).

Os cassinos consomem 20% de toda a energia produzida em Las Vegas, uma cidade de 660 mil habitantes.

É uma necessidade econômica também. O governo de Nevada oferece incentivos econômicos para as empresas que entram na transição energética. A dedução de impostos pode chegar a US$ 1,80 (R$ 10,1) por metro quadrado.

A imagem mostra uma grande cúpula iluminada à noite com uma exibição de luzes coloridas e padrões abstratos. As cores predominantes são verde, azul, vermelho e laranja, criando um efeito visual vibrante e dinâmico. O fundo é um céu noturno escuro, destacando ainda mais as luzes da cúpula.
Visão exterior do Sphere, em Las Vegas, onde acontecem eventos e shows - Joe Camporeale-28.jun.24/USA Today/USA TODAY Sports via Reuters Con

Allegiant Stadium, sede do Los Vegas Raiders, da NFL, a liga nacional de futebol americano tem o teto feito de material plástico sustentável, que permite a entrada de apenas 10% da luz solar. O calor é bloqueado. Menos energia é necessária para resfriar o complexo.

O gramado é levado para fora do estádio com o uso de trilhos para receber calor, iluminação natural e economizar nas lâmpadas de alta intensidade.

A arena, que recebeu a partida da seleção brasileira contra o Paraguai na última sexta-feira (28), pela Copa América de futebol, foi construída ao custo de US$ 1,9 bilhão (R$ 10,7 bilhões).

Tudo o que é jogado fora, até mesmo bitucas de cigarro, é renovado. Sede do Super Bowl, a final da NFL, neste ano, o Allegiant fez propaganda de ser o primeira decisão da liga realizada com energia sustentável.

Foi mais barato que a Sphere, o espaço de entretenimento mais caro da história, aberto em 2023 ao custo de US$ 2,3 bilhões (R$ 13 bilhões) com 40 shows da banda irlandesa U2. O exterior tem 1,2 milhão de luzes de LED quadrados de luzes de LED. A empresa que administra o empreendimento anunciou acordo por 25 anos com a NV Energy para obter "a maior porcentagem possível de energia solar."

O repórter viajou a convite da Unilever

Você sabia que resíduos orgânicos são recicláveis? Veja vídeo, Fernanda Mena, FSP

 O que o aumento da temperatura no planeta tem a ver com os resíduos orgânicos que você produz em casa?

O setor de gestão de resíduos é o segundo maior emissor de metano do Brasil, responsável por cerca de 10% das emissões humanas no país.

O metano é um dos piores gases de efeito estufa, responsável por parte significativa do aquecimento global porque sua ação, apesar de durar só 20 anos, é 80 vezes mais potente do que o do gás carbônico.

E como são justamente os resíduos orgânicos –compostos por restos de alimentos e plantas– aqueles que mais emitem esse gás quando entram em decomposição em aterros e lixões, e aí está o elo entre o descarte doméstico de orgânicos e o aumento da temperatura que a gente tem visto no planeta.

Mas esses resíduos podem ser reciclados, o que envolve mudanças de hábitos dos consumidores e infraestrutura para a coleta e a compostagem, o que pode mitigar emissões cruciais para crise do clima e ainda gerar composto orgânico e fertilizantes ricos em nutrientes.

Folhapress

Na França, desde janeiro de 2024 a compostagem de 30% dos resíduos orgânicos domésticos é obrigatória e faz parte do plano de transição ecológica do país.

No Brasil, resíduos orgânicos correspondem a quase 50% do total de resíduos sólidos urbanos produzidos. Ou seja, quase metade dos 80 milhões de toneladas de lixo gerados por ano no país são cascas de frutas e legumes, restos de alimentos e podas de jardinagem.

Essa proporção varia de um país para outro. Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, orgânicos correspondem, em média, a um terço dos resíduos. Já na Índia e na Nicarágua, dois terços.

Isso porque a produção de resíduos orgânicos varia também de acordo com a renda de quem os produz. Quanto maior a renda, menor a proporção de orgânicos porque, com mais recursos, há maior consumo de alimentos pré-preparados, de refeições via delivery e de produtos cujas embalagens geram resíduos. Entre os grupos de renda baixa, os resíduos orgânicos chegam a 65% do total.

Uma vez gerados, os orgânicos precisam ser separados dos outros resíduos para que sejam reciclados. Na verdade, o certo mesmo é que a separação doméstica seja feita em três frações: uma para os orgânicos, outra para os recicláveis secos, como papelão, plástico, vidro e metais, e outra para o rejeito, como fraldas, chicletes, guardanapos e papel higiênico usados. Só o rejeito deveria ir para os aterros.

Hoje, quase 60% dos resíduos sólidos urbanos, sejam eles orgânicos ou recicláveis, vão para aterros sanitários. Alternativas ao aterro, quando se fala em resíduos orgânicos, são a compostagem e a biodigestão anaeróbica.

Na biodigestão anaeróbica, dentro de tanques ou recipientes fechados, a decomposição acontece sem a presença de ar, mas o metano produzido é capturado para a produção de biogás, e o que sobra pode ser usado como adubo em plantações.

Já a compostagem é um processo biológico de decomposição e reciclagem de resíduos que produz um composto orgânico e um fertilizante líquido orgânico. No país do agronegócio, que importa 85% de seus fertilizantes químicos, o potencial para o uso de uma versão mais barata e natural de fertilizantes é enorme.

Existem várias maneiras de fazer compostagem. Tem gente que faz compostagem seca em casa, ou seja, coloca restos de frutas, verduras e legumes crus diretamente nos vasos de plantas, e cobre com folhas secas do próprio jardim.

Dá pra fazer isso em maior escala em casa com o uso de composteiras domésticas. Existem versões prontas no mercado, mas elas também podem ser improvisadas em casa com baldes ou caixas de plástico.

São soluções individuais ou de pequeno porte na ausência de serviços públicos de coleta de resíduos orgânicos. Hoje existem sistemas específicos para orgânicos em países como Itália, Chile e Filipinas. No Brasil, Florianópolis começou a estruturar o seu e já faz a compostagem de 10% dos seus resíduos orgânicos.