segunda-feira, 24 de junho de 2024

É triste ver que responsabilidade fiscal não pegou após Plano Real, diz Ricupero, FSP

 Douglas Gavras

SÃO PAULO

Um evento da Fundação FHC para celebrar os 30 anos de lançamento do Plano Real reuniu nesta segunda-feira (24) em São Paulo alguns dos "pais" da moeda, que fizeram um balanço do programa que conseguiu combater a inflação.

"Acho que o povo brasileiro se convenceu da malignidade da inflação; os políticos, não tenho tanta certeza. Eles não fazem uma ligação entre causa e efeito, para eles é uma variável independente", disse o ex-ministro Rubens Ricupero, que assumiu o ministério da Fazenda em março de 1994 após a saída de Fernando Henrique Cardoso da pasta para disputar a eleição presidencial daquele ano.

A imagem mostra quatro homens posando para uma foto. Três deles estão em pé, enquanto um está sentado na frente. Todos estão vestindo ternos escuros e camisas claras. Ao fundo, há uma pintura colorida com padrões abstratos
Da esq. para a dir, de pé, Pérsio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco, com FHC, sentado - Vinicius Doti/Fundação FHC

"A maior tristeza que tenho na vida é ver que, de tudo aquilo, a responsabilidade fiscal não pegou", afirmou Ricupero, que comandou a Fazenda durante o lançamento do Real.

O ex-ministro ressaltou que a hiperinflação era uma herança da ditadura militar e que, por não ser economista, tinha pouco a acrescentar ao trabalho que estava sendo desenvolvido no ministério naquele momento. "Talvez tenha ajudado o fato de eu ser diplomata. Minha maior função ali era defender a equipe."

"Às vezes, quando falo do Itamar [Franco], pode parecer que sou ingrato, mas a sua figura é muito complexa, seria preciso um psicanalista para escrever sobre ele", disse, ao recordar a relação com o ex-presidente. "Ele foi ao mesmo tempo indispensável e o maior obstáculo do real."

PUBLICIDADE

Ricupero disse que a ideia de Franco era fazer um novo Plano Cruzado —lançado em 1986, durante o governo José Sarney e que fracassou na tentativa de domar a inflação. O ideal para todo político brasileiro seria sempre algo miraculoso, disse.

"O que [Itamar] me torturou durante aqueles meses, vocês não têm ideia. Ele queria tabelar juros, fazer a transposição das águas do rio São Francisco, dar aumento para a Polícia Federal. Mas tinha uma qualidade: sabia escutar."

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu os economistas do Plano Real mais cedo, em sua casa, mas não participou do evento na Fundação FHC.

Ao relembrar os 30 anos da medida, Pérsio Arida, que presidiu o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e o Banco Central, disse que não seria possível repetir o programa de estabilização hoje, pois FHC uniu capacidade política e intelectual.

"O real é uma construção política, que se beneficiou de uma capacidade dupla do Fernando Henrique, de ser ao mesmo tempo um político e um intelectual. Essas duas capacidades não costumam coincidir em uma única pessoa."

Ele ressaltou que a democracia é o "verdadeiro motor" da estabilização e destacou o papel do tucano ao explicar os detalhes do plano para a população.

O ex-presidente do BC Armínio Fraga, que participou remotamente do evento, relembrou a mudança do regime de câmbio e destacou a solidez do chamado tripé macroeconômico —conjunto de medidas que combinava câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais— nesse processo.

"O tripé se mostrou robusto. Acho que a âncora [do real] é o social. Isso permite alguma esperança de que, em mudanças que vêm aí no Banco Central, algumas bobagens possam ser evitadas. Se elas não forem, não só o povo vai sofrer, mas quem fizer também vai pagar o preço", disse.

Não é possível ter vida econômica inteligente em um ambiente como aquele, de inflação descontrolada antes do real, afirmou o também ex-presidente do BC Gustavo Franco.

"E era nesse ambiente que nós começamos a trabalhar. Só depois conseguimos articular o que era aquela doença da moeda, que tinha várias dimensões", disse Franco.

"O Plano Real encontrou obstáculos e críticos a cada passo, tudo o que a gente fez foi longamente criticado e debatido, é o ambiente da democracia", complementou.

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan ressaltou os problemas do sistema financeiro nacional que precisaram ser resolvidos na sequência. "Quando acaba aquele véu da inflação, que impedia que o Brasil reconhecesse os seus principais desafios e problemas, pôde-se descortinar a verdade", disse.

"Sempre dissemos que o controle da inflação não era um objetivo que se esgotava em si mesmo."


As histórias de Paris e da cegonha já não funcionam faz tempo, João Pereira Coutinho, FSP

 Meu filho quis saber como se fazem bebês. Tem 9 anos. As histórias de Paris e da cegonha já não funcionam faz tempo.

Nunca funcionaram, razão pela qual optei sensatamente pela verdade: homens e mulheres apaixonam-se, dão muitos beijos, seus corpos produzem muito calor —e o bebê cresce na barriga da mãe.

Cegonha voando, com asas bem amplas, em meio a uma revoada de espermatozóides
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 25 de junho de 2024 - Angelo Abu/Folhapress

Esta explicação térmica aguentou alguns anos, mas também gerou angústias: se ele beijasse uma menina na escola e sentisse calor no processo, eu seria avô?

Tranquilizei-o. "É preciso mais que calor", acrescentei, na esperança de encerrar o assunto. "Mas o que?", insistiu ele. Pensei uns segundos. "Permissão para dirigir".

A mentira comprou dois anos de paz. Mas agora ele queria saber os detalhes técnicos da coisa.

PUBLICIDADE

Por deformação profissional, fiz o que sempre faço: corri para a livraria. "Você tem algum livro que ensine como se fazem bebês?", perguntei à moça.

Ela olhou para mim e pronunciou as palavras mais trágicas da história da humanidade, depois da conhecida frase de Abraham Lincoln naquela noite de 14 de abril de 1865, em Washington ("Sinto uma vontade louca de ir ao teatro!"). As palavras foram: "Um livro para adultos?"

Olhei a moça com uma mistura de pasmo e compaixão. "Eu acho que os adultos já sabem", concedi. "Estou procurando um livro para crianças."

Havia. Escrito por Anna Fiske e apresentado como "bestseller internacional", o título é "Como Se Faz um Bebê" e o conteúdo não desilude.

Começa em tom humorístico, com perguntas ao leitor inocente. Os bebês fazem-se com químicos perigosos? Com martelo e pregos? Com a ajuda da cegonha?

Ou será com espermatozoides e um óvulo?

Para meu espanto, ele já sabia dos espermatozoides e do óvulo. A questão decisiva estava em saber como os primeiros viajavam até ao segundo. Que tipo de estrutura hidráulica, digamos, permitia esse "grand tour"?

Continuei lendo o livro para ele. É preciso haver amor, continuava a autora, uma novidade que deixaria uma parte do mundo de queixo caído. Falo daquela parte que pergunta, ou pelo menos pensa: "Tem certeza que é meu?"

O segundo ingrediente era a proximidade. Quanto mais amor sentimos, mais próximos queremos estar da pessoa amada. Até só restar a roupa, que será prontamente removida para quebrar a distância.

Começam as carícias. E os espermatozoides correm para o óvulo.

"Pai, você saltou uma página", reclamou ele, com uma atenção de águia no momento de colher a sua presa.

"Saltei nada."

"Saltou sim."

"Deixa eu ver."

Saltei sim. Na página, havia agora dois bonecos que se abraçavam e beijavam. Ele, peludo, com o órgão ereto e uma palavra sobre o penacho: "Olá!"

Ela, de pernas abertas, respondendo à saudação com um "Bem-vindo" inscrito por baixo da sorridente entrada.

Uma seta ligava o "Olá" ao "Bem-vindo", para ninguém se perder no caminho, e a descrição clínica complementava o desenho: "Se forem um homem e uma mulher, o homem introduz o penasjd na vageyfk da mulher..."

"Pai, não entendi nada."

Repeti as palavras, como se estivesse sofrendo um derrame: "... o homem introduz o penasjd na vageyfk da mulher..."

"O que você está dizendo?"

"Você está surdo, moleque?"

Decidiu ser ele a ler: "O homem introduz o pênis na vagina da mulher. Assim, ficam tão juntos quanto possível."

Ficamos ambos em silêncio, contemplando o par amoroso, e eu vejo alguns cabelos meus em queda suave à frente dos meus olhos.

"Era o que eu pensava", respondeu ele, como se tivesse confirmado uma hipótese que o fascinava há algum tempo.

E depois, com a mesma leveza de espírito com que leu a revelação sagrada, saiu correndo para o pátio onde o esperava uma brincadeira qualquer.

Fechei o livro. Fechei os olhos. E então lembrei-me do poema do meu compatriota António Nobre (1867 – 1900), "O sono do João", que o meu pai recitava quando eu era pequeno —e que eu sussurrava quando o meu João era pequeno também.

Começa assim:

O João dorme... (Ó Maria, diz àquela cotovia / Que fale mais devagar / Não vá o João acordar...)

Tem só um palmo de altura / E nem meio de largura: / Para o amigo orangotango / O João seria... um morango! / Podia engoli-lo um leão / Quando nasce! / As pombas são / Um poucochinho maiores...Mas os astros são menores!

O João dorme... Que regalo / Deixá-lo dormir, deixá-lo! / Calai-vos, águas do moinho! / Ó Mar! fala mais baixinho... / E tu Mãe! E tu Maria! / Pede àquela cotovia / Que fale mais devagar / Não vá o João acordar...

'Quem é 'Toninho Geraes?', perguntam fãs de Adele, Álvaro Costa e Silva, FSP

 Na década de 1990 a vida já não estava tão dura para Toninho Geraes, em sua terceira tentativa de deixar Belo Horizonte e se estabelecer no Rio como compositor e cantor de samba. Não trabalhava como flanelinha nem dormia na rua, dissabores de sua primeira estadia na cidade, ao fugir de casa, com um violão embaixo do braço, aos 16 anos. Gravara uma participação na coletânea "Na Aba do Pagode" e seu nome artístico, dado por Zeca Pagodinho em substituição a Toninho Ribeiro, era conhecido no Cacique de Ramos.

Mesmo assim, o dinheiro não chegava para o aluguel. Resolveu pegar o violão —não mais aquele da adolescência, que havia sido levado pela polícia— e compor "a música da minha vida". Não saiu nada. Até ele abrir uma gaveta e encontrar fotos de antigas namoradas: "Caramba, já tive mulheres de todas as cores!".

"Mulheres" foi o carro-chefe do CD "Tá Delícia, Tá Gostoso" (1995), de Martinho da Vila, que vendeu mais de um milhão e meio de cópias. Apesar do enorme sucesso, algumas mulheres não gostaram. Em 2019, o grupo Samba que Elas Querem lançou uma paródia feminista da canção: "Mulheres cabeça/ E muito equilibradas/ Ninguém tá confusa/ Não te perguntei nada".

O compositor mineiro Toninho Geraes - Divulgação

Pois agora, dois anos e meio após tornar pública sua acusação de plágio contra AdeleToninho processou a cantora britânica. Ele afirma que a melodia de "Million Years Ago" é igual à de "Mulheres" e pede R$ 1 milhão de indenização. Fãs brasileiros de Adele correram às mídias para perguntar ironicamente "quem é Toninho Geraes?".

Pode-se responder que ele é da mesma terra de Ary Barroso, Ataulfo Alves, Geraldo Pereira, Noite Ilustrada. São tantos os bambas mineiros que se instala mais uma polêmica: o samba não só teria surgido na Bahia e no Rio como também nas Alterosas. Sofisticado e popular, o autor de "Mulheres" —que está longe de ser a sua melhor obra— é hoje a alma das rodas cariocas.