terça-feira, 22 de julho de 2025

Bolas vermelhas - Jerson Kelman, FSP

 Suponha uma caixa contendo 100 bolas, sendo algumas vermelhas —você não sabe quantas— e as demais brancas. Você faz 100 sorteios e em cada um deles anota a cor e repõe a bola sorteada na caixa. Resultado: 4 bolas vermelhas e 96 brancas. Quantas bolas vermelhas você supõe que a caixa tenha? Com as informações disponíveis, 4 é a melhor resposta, embora não necessariamente correta. Equivale a estimar em 4% a probabilidade de sortear uma bola vermelha.

Para eliminar dúvidas, você repete a operação com a ajuda de um computador que simula o mecanismo da caixa. Só que realizando 100 mil sorteios. Suponha que a frequência de bolas vermelhas nesse experimento tenha sido 5,073%. Graças à lei dos grandes números, trata-se de uma estimativa muito melhor do que a anterior. Ou seja, é quase certo que a caixa contenha 5 bolas vermelhas, não 4.

Suponha agora que a natureza faça um sorteio por ano de uma caixa contendo "situações hidrológicas e meteorológicas". Nessa analogia, uma seca excepcional corresponderia ao sorteio de uma bola vermelha. Qual a probabilidade de que ocorra um evento desse tipo em 2026?

A imagem mostra um peixe morto em um vasto terreno árido e seco, com areia exposta. O céu está nublado, e a paisagem é desolada, sem vegetação visível ao redor do peixe. A cena transmite uma sensação de desolação e abandono.
Carcaça de peixe cascudo jaz sobre o leito seco do rio Solimões durante seca em outubro de 2024 - Caio Guatelli - 16.out.24/Folhapress

Como não é possível induzir a natureza a realizar 100 mil sorteios num estalar de dedos, tudo o que se tem é o histórico dos sorteios que ela (a natureza) realizou em anos recentes, em que há algum registro. Na prática, em menos de cem anos.

Com base nesses curtos registros históricos, os hidrólogos e meteorologistas têm desenvolvido técnicas para estimar quantas bolas vermelhas existem na caixa que a natureza supostamente utiliza. Assim é possível construir futuros cenários para uso em modelos matemáticos que otimizam a operação do SIN (Sistema Interligado Nacional), que é cada vez mais dependente de recursos naturais que variam aleatoriamente, de ano para ano (água, luz, vento e biomassa).

Otimizar o SIN significa decidir quais usinas devem ser acionadas em cada instante para atender a demanda por eletricidade em todas as partes do país, com mínimo custo para o consumidor. Dessa otimização saem os preços da energia elétrica que afetam as relações comerciais entre consumidores e agentes do setor elétrico, bem como os sinais econômicos para futuros investimentos. Como em qualquer modelagem, a qualidade das respostas depende da veracidade das hipóteses e da precisão dos dados de entrada.

Até recentemente, adotava-se a hipótese de que a natureza seria estacionária. Ou seja, que o desconhecido número de bolas vermelhas seria sempre o mesmo, ano após ano. Embora não fosse uma hipótese perfeita —afinal, a natureza está em contínua mutação—, era considerada aceitável para efeitos práticos.

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Porém, devido à aceleração das mudanças, tanto climáticas quanto de uso do solo, não é mais recomendável supor que probabilidades estimadas com informações pretéritas, particularmente as coletadas muitos anos atrás, tenham serventia para decidir sobre o futuro. Ou seja, o número de bolas vermelhas está aumentando, e a hipótese de estacionariedade não mais se aplica.

Recente estudo realizado na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) confirma que futuros cenários hidrológicos, produzidos adotando a hipótese de estacionariedade, tendem a ser otimistas. Isto é, subestimam a probabilidade de futuras secas. Tratarei de como sair desse enrosco num futuro artigo.

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