quinta-feira, 11 de abril de 2024

Turismo funéreo, José Renato Nalini, OESP

 


Necrópoles estrangeiras exploram o turismo funéreo qual verdadeira indústria. O mais visitado é o Père Lachaise, em Paris, onde dormem sumidades. Chopin, Oscar Wilde, Alan Kardec e Jim Morrisson, entre milhares de outros. Há itinerário impresso para quem quiser passar só pelos mais célebres.

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O cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, está sempre repleto e o túmulo mais fotografado é o de Eva Peron. Mas é notável o de Gênova, pois os italianos sempre foram invencíveis quando se trata de planejar suas moradas além-vida. Todos se extasiam diante do mausoléu de Catarina Campodonico, conhecida como “la paisana”, que encarregou Lorenzo Orengo, de esculpir em mármore a sua efígie. Lá está a figura baixota e gorducha de mulher idosa, cheia de saias, trespassado o corpo por um chale bordado. Magnífico espécime de arte naturalista, uma das mais belas esculturas daquele campo santo.

Quando se noticia que as necrópoles da Capital paulistana foram privatizadas, cobra-se a preservação de verdadeiras obras de arte e também daqueles sepulcros que guardam personagens de nossa história. Nosso desleixo vitimiza até os mortos. Meu querido amigo e confrade José de Souza Martins levava os alunos para conhecer a Consolação e o Araçá, repletos de obras de excepcional qualidade artística.

Isso faz recordar que o embalsamamento já foi uma prática bem comum nos dois séculos que nos antecedem. No Rio, era famoso o Dr. Costa Ferraz, o mais notável embalsamador de cadáveres durante um período de quase meio século. Falecido em 1907, aos 69 anos, já ninguém se lembra dele. Mas o Dr. Fernando Francisco da Costa Ferraz se casou com Amélia Fernandina da Silva, filha do maestro Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional. Integrou a Academia Nacional de Medicina durante 42 anos. Descobriu uma fórmula ideal de embalsamar os corpos, cuja eficiência foi demonstrada no episódio Pichilin. Um pobre italiano, que era sapateiro e guardou todo o seu dinheiro para ser embalsamado. E assim foi.

Enterrado em cova rasa, depois de cinco anos estava intacto. O que causou polvorosa. Chegaram a considera-lo santo.

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O fato é que o Dr. Costa Ferraz embalsamou João Caetano, em 14.8.1863, em tempo em que ainda estudava Medicina. Além disso, embalsamou o lendário General Osório, que ao morrer já era Marechal, Marquês do Herval, Senador do Império e Ministro da Guerra. Isso já ocorreu em 4.10.1879, na casa em que morreu Osório, à rua do Riachuelo. Dessa casa o corpo de Osório foi levado para o Asilo dos Inválidos da Pátria, na Ilha do Bom Jesus, e ali guardado até sua trasladação, em 1894, para a cripta construída na base do monumento modelado por Rodolfo Bernardelli.

Costa Ferraz só não embalsamou Caxias, morto em 1880, porque em seu testamento dispensou todas as honras e recomendou, expressamente, não embalsamassem seu corpo. Todavia, embalsamou o Dr. Costa Ferraz o cadáver do velho Senador Dantas, falecido em 29.1.1894. Era tamanho o cuidado de Costa Ferraz com sua arte, que tinha cuidados extraordinários com a vida inanimada dos corpos que procurava preservar aos efeitos do aniquilamento. Assim, examinava frequentemente os despojos do senador baiano. Fazia isso com todos os seus trabalhos. Fazia abrir a sepultura, fotografava, dava novos cuidados, mudava as vestes, recompunha-os, limpava-os e testemunhava o estado de perfeita conservação, fazendo lavrar termo.

Também foi por ele embalsamado o corpo de Floriano Peixoto, trazido em 19.6.189, para sua casa de São Cristóvão, da fazenda em que falecera na estação da Divisa da Estrada de Ferro Central. E ainda o corpo de José Isidoro Martins Júnior, poeta, orador, publicista e professor de Direito, que a Academia Brasileira acolhera, mas que aos 22.8.1904, a morte roubara, antes da posse. O corpo de Martins Júnior foi mandado para Pernambuco, mas ficou em exposição no Arsenal de Guerra. Os últimos restos embalsamados por Costa Ferraz foram os de José do Patrocínio, que morreu em 29.1.1905. Com isso, encerrou suas atividades. E ele mesmo, Costa Ferraz, não foi embalsamado.

E o Pichilin? Seu dinheiro só deu para o embalsamamento. Não para um túmulo à altura. Por isso, seu corpo incorrupto ficou mais de vinte anos em exposição num depósito do necrotério, até que Basílio da Gama, em 7.5.1928, cuidasse de lhe conceder sepultura definitiva.

E você? Anima-se a visitar os cemitérios e descobrir quanta coisa bonita se fez, com o intuito de disfarçar o mistério da morte?

Rodrigo Zeidan - O mito das empresas coitadinhas, FSP

 O dano que Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros causaram ao país é gigantesco. O combate à corrupção é uma das principais condições para que o país saia da armadilha da renda média, e a Lava Jato foi uma oportunidade única de reformar o Estado brasileiro. Parece claro que o interesse dos principais participantes sempre foi ideológico; uma pena, pois o Brasil carece de pessoas preocupadas somente com o bem público.

Ainda assim, parece que vamos jogar fora os acertos da Lava Jato junto com os erros. Empresas com planilhas detalhadas de pagamentos de corrupção agora querem renegociar os pagamentos pelos seus delitos. Isso nada mais é do que uma nova rodada de campeãs nacionais. Só que agora os subsídios pagos diretamente pelo Estado viram indiretos: receitas que o Estado não captura para deixar as coitadinhas das empresas funcionarem como antes.

Mas o vício de origem não é da Lava Jato, mas de como tratamos delitos empresariais. Por um lado, faz todo o sentido.

O instituto da recuperação judicial é uma forma excelente para fazer com que empresas viáveis no longo prazo sobrevivam a crises de curto prazo. Mas a ideia de que a Justiça deva sempre se preocupar com a sobrevivência das empresas está errada.

Os projetos de uma empresa, especialmente de grandes empresas, não desaparecem quando ela vai à falência. Outras organizações compram ativos e projetos das que vão à falência. Destruição criativa é a única forma de capitalismo que tem chance de criar valor para a sociedade.

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Me lembro de um colega justificando os empréstimos do BNDES para a Aracruz, à beira da falência em 2008 por especulação com derivativos: "Mas devemos deixar uma empresa de milhares de funcionários quebrar?" Sim, claro que sim.

A Aracruz tinha gigantesco poder de mercado. Seus ativos não seriam perdidos. Iriam para a mão de outras empresas mais bem geridas. Pode ser que o empréstimo fizesse sentido à época, mas não pelo argumento de que uma grande empresa deva ser salva de qualquer maneira. Os projetos de uma Odebrecht não somem se ela for à falência; a maioria deles, se não todos, é absorvida por outras empresas.

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Fachada da sede da Odebrecht, no bairro do Butantã, em São Paulo - Marcelo D. Sants/FramePhoto/Folhapress

A dificuldade da Justiça é a mesma dificuldade de muitos, que não conseguem separar o raciocínio estático do dinâmico. O que importa para a sociedade é o resultado de diversos processos econômicos, não a sobrevivência de uma empresa em particular. O resultado é que há a possibilidade de um capitalismo de compadres, no qual algumas empresas conseguem sobreviver a qualquer custo, enquanto outras enfrentam a dura pena da lei.

Não é para sair fechando empresas, mas é para tratá-las de forma imparcial. Cometeu delitos? Pague por isso. Se o resultado for a falência da empresa pois o delito é gigantesco, que seja. Qualquer coisa fora disso gera o que os economistas chamam de risco moral; se os gestores sabem que a empresa vai sobreviver a qualquer tipo de ação ou que qualquer punição na Justiça pode ser revertida, a probabilidade de cometer delitos aumenta.

Sergio Moro não deveria mesmo ser cassado. Deve simplesmente ser esquecido e jogado na sarjeta da história. Uma pessoa pequena, que só ensinou uma coisa aos brasileiros: como é ridículo combinar camisas pretas com ternos.

Mas os danos de uma reversão das multas aplicadas às principais empresas da Lava Jato jogariam o Brasil institucionalmente décadas no passado.

Cinco anos em cinquenta parece a sina da economia brasileira.

Hélio Schwartsman O tamanho da liberdade, Helio Schwartsman, FSP

 "Se você é mesmo a favor da liberdade de expressão, então você é a favor da liberdade de exprimir justamente as opiniões que você odeia. Se não for assim, você não é a favor da liberdade de expressão". Quem é o autor dessa frase? Elon Musk, Jair Bolsonaro ou algum outro campeão da extrema direita? Não, quem disse isso foi Noam Chomsky, autor com impecáveis credenciais esquerdistas.

Para a minha geração, é estranho ver a direita defendendo a liberdade de expressão, enquanto a esquerda sustenta que ela deve ser relativizada à luz de outros princípios constitucionais. É verdade que não existem valores absolutos e que é possível cometer crimes pela palavra. Estelionato e ameaça são delitos que quase sempre envolvem discurso, para dar dois exemplos pouco polêmicos. Ainda assim, a liberdade de expressão deve ser garantida de forma robusta, ou torna-se inútil. Ninguém precisa de licença para dizer o que todos querem ouvir.

O filósofo e linguista americano Noam Chomsky
O filósofo e linguista americano Noam Chomsky - Heuler Andrey/AFP via Getty Images/BBC News Brasil

A troca de posições tem uma explicação. Grupos que contestam o statu quo tendem a atritar-se mais com a Justiça e por isso defendem com mais ênfase a liberdade de expressão. Do século 19 até algumas décadas atrás, a esquerda costumava ser o polo contestador, mas o jogo mudou. No Ocidente, o pensamento mainstream assimilou várias das bandeiras da esquerda, deixando para a extrema direita o papel de força crítica.

Daí não decorre, é óbvio, que as críticas sejam igualmente procedentes. Se as contestações históricas da esquerda produziram mudanças positivas, as da extrema direita me parecem quase todas erradas e contraproducentes. Mas esse nem é o ponto central. A aposta liberal, que considero correta, é que todas as ideias e o próprio poder do Estado sejam o tempo todo questionados. Se tudo der certo, a sociedade incorporará as boas ideias e rejeitará as más. Para isso ocorrer, a liberdade de expressão precisa estar assegurada em amplitudes chomskyanas.