quinta-feira, 12 de outubro de 2023

O Pogrom do Hamas, Pedro Doria, MEIO

 No sábado aconteceu o maior atentado à vida de judeus indefesos desde a Segunda Guerra Mundial.

Sem assimilarmos esta frase, esta informação, a percepção do tamanho do que houve, não é possível sequer começar a compreender o impacto do que foi o 7 de outubro de 2023 em Israel. Porque há, simultaneamente, duas dimensões no ataque do Hamas.

Uma é de um ataque político com o objetivo de impedir a solução de paz pelo caminho da formação de dois países, um Israel, outro a Palestina. Esta negociação, no momento, sequer está na mesa. Mas retornar às conversas de 2000 em Camp David, quando Bill Clinton, Ehud Barak e Yasser Arafat se sentaram juntos e saíram sem acordo ajuda muito a compreender por que o Hamas escolheu agir neste momento. Pelo lado político.

Mas o outro ataque foi à ideia do que Israel representa. Porque, para israelenses, para judeus na Diáspora, Israel é mais do que o retorno à Terra Prometida de seus ancestrais. É uma resposta ao antissemitismo milenar que, num crescendo, chegou ao ponto dos pogroms seguidos do Holocausto. Israel é a promessa de segurança, de que será possível viver sem medo. Bem mais de uma vez o país foi invadido por exércitos regulares, mais de uma vez os rebateu. Houve o tempo em que ataques terroristas eram corriqueiros, Israel sobreviveu. Ao ponto de se tornarem quase mitológicas a eficiência de Mossad e Shin Bet, a polícia federal do país. O desenvolvimento tecnológico para segurança, os sensores, os muros, os drones, a inteligência artificial.

Israel é a constante mensagem de que judeus estarão seguros. O massacre do 7 de outubro com suas centenas de mortos, o sequestro de jovens, as crianças e idosos cujos corpos foram dilacerados, tudo reafirma o contrário.

O Hamas promoveu um pogrom. O primeiro desde a fundação do Estado de Israel.

Camp David

Em julho de 2000, a campanha eleitoral americana entre George W. Bush e Al Gore estava em curso e o candidato democrata havia escolhido não incorporar Clinton na trilha. Embora no comando de uma economia que se fortalecera a olhos vistos, o presidente americano ainda se sentia manchado pela tentativa de impeachment pelos adversários republicanos no primeiro mandato e o caso extraconjugal com a estagiária Monica Lewinsky. Clinton procurava algo pelo qual seria lembrado na história. E a paz entre Israel e Palestina parecia à mão.

O líder histórico da causa palestina, Yasser Arafat, havia apertado as mãos do premiê israelense Ytzhak Rabin no jardim da Casa Branca no início do governo de Clinton, em 1993. Naquele momento, o encerramento de uma série de acordos firmados em Oslo, Noruega, Arafat depositava as armas da Organização pela Libertação da Palestina, um grupo terrorista, que se reorganizava apenas em seu braço político. O Fatah.

Desde então, o esboço do que poderia ser um acordo de paz que permitisse a fundação da Palestina como país independente já circulava entre diplomatas. O que Clinton tinha diante de si é que o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, estava disposto a formalizar a proposta. A Palestina se formaria com 92% do território da Cisjordânia mais toda a Faixa de Gaza. Uma ponte territorial ligaria as duas terras. O novo país teria ainda controle de Jerusalém Oriental — o lado árabe e o cristão — e o Monte do Templo, onde está a Mesquita de al-Aqsa, seria de custódia compartilhada. Em troca, os palestinos precisariam desistir da busca pelo retorno às casas de seus ancestrais.

Em Camp David, Arafat teve nas mãos a mais abrangente proposta jamais feita por um governo israelense até ali. E a recusou.

A recusa ocorreu por dois motivos. O primeiro é que Barak, àquela altura, já era um premiê fraco. Enfrentava baixa popularidade. Arafat temia, e talvez com razão, que o parlamento israelense não aprovasse o acordo oferecido. Se Arafat cedesse e Israel tirasse a oferta da mesa, seu desgaste não seria pequeno.

Ao longo das décadas, o que Arafat conseguiu foi transformar a causa palestina numa causa que mobilizava, e ainda mobiliza, todos os árabes. Há fortes tintas antissemitas em como o objetivo da luta é percebido na sociedade árabe. O direito ao retorno às casas abandonadas por avós e bisavós é visto como central. O controle total de Jerusalém e do monte cravado no centro da cidade, com o domo dourado de al-Aqsa em seu topo, idem. No limite, o objetivo desejado é a aniquilação de Israel.

Qualquer acordo de paz possível passa, inevitavelmente, por frustrar aquilo que a OLP incitou a população a desejar por tantas décadas. Por aquilo que o Hamas ainda insufla como objetivo final. Arafat precisava de duas seguranças. A garantia de que Barak conseguiria aprovar a proposta e a certeza de que os governos árabes o apoiariam no acordo. Principalmente os governos importantes, como o da Síria, o da Jordânia, o do Egito. O da Arábia Saudita.

Claro: Arafat tinha outro caminho. O de correr o mesmo risco ao qual Ehud Barak se expôs. Mas Arafat não foi o grande estadista que poderia ter sido.

O nó político, porém, segue o mesmo. O fato de que Israel estava no caminho de normalizar suas relações diplomáticas com a Arábia Saudita é chave. Conforme as relações entre países no Oriente Médio vão se estreitando e Israel vai se integrando mais e mais, no momento em que um grupo político palestino topar sentar-se à mesa para conversar em cima dos mesmos parâmetros, a conversa será mais fácil.

O Hamas sabe disso. E entrou para criar uma situação de conflito grave que dificulte, para os sauditas, abraçar o país enquanto há guerra contra palestinos.

O pogrom

O que talvez o Hamas não pudesse esperar era o tamanho do impacto que seu ataque teria. Que todas as defesas israelenses cairiam por terra. Que por várias horas, sem grande resistência, poderia matar centenas de pessoas com um nível de violência a que o povo judeu não era exposto há um século. O Hamas trouxe de volta o pesadelo. Ao fazê-lo, atingiu no cerne a sensação de segurança que nasceu da formação do Estado de Israel. De Eretz Israel.

Deste ataque ficará não só um trauma. Ficará uma Israel transformada. Ainda não sabemos como.


Os imensos riscos da reforma tributária, José Serra, OESP

 O sistema tributário brasileiro é muito complexo e constrange as decisões dos agentes econômicos. Os tributos são muitos, as administrações tributárias são conflitantes, as bases de cálculo sobrepõem impostos diferentes e a guerra fiscal correu solta por muitos anos.

Sim, o sistema é ruim. No entanto, não podemos usar o velho jargão “pior do que está não fica”. Infelizmente, reformar um sistema que acumulou décadas de desequilíbrios, conflitos e remendos envolve grandes riscos.

Faz parte da dinâmica da política que os autores da ideia a defendam. Mas eles não podem deixar de ter o contraponto da crítica sobre as teses sustentadas, sob pena de perder a chance de aprimorar propostas e reduzir o custo social e econômico envolvido num processo que, por si só, é imensamente turbulento. Por isso, quero chamar a atenção para quatro aspectos que merecem o cuidado do Congresso Nacional, nestas próximas semanas de negociação.

O primeiro aspecto é o risco de que a reforma tributária hoje em discussão promova uma crise financeira nas áreas metropolitanas, que poderá se desdobrar na desorganização das políticas sociais. As capitais e grandes cidades perderão o ISS em troca de uma participação na receita do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser gerido por um Conselho Federativo. A mudança na operacionalidade dos tributos, no entanto, é tão profunda que ninguém pode prever a reação dos contribuintes às novas regras, muito menos como os municípios poderão gerir uma espécie de adicional sobre um tributo que não administram.

Para piorar, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara sepultou o critério de participação dos municípios na cota-parte do atual ICMS pelo valor adicionado em cada município. No novo IBS, o critério de rateio estará vinculado ao número de habitantes. Infelizmente, os recursos de quem dá suporte de infraestrutura à produção estão sendo transferidos para inúmeros municípios cujo sentido de existir é abocanhar fatias do Fundo de Participação – sobre o Imposto de Renda e o IPI – e da cota-parte do ICMS.

A crise das administrações das áreas metropolitanas também será uma crise das políticas sociais. Afinal, Saúde e Educação têm sido financiadas primordialmente com recursos dos municípios e sua eficiência depende da qualidade das gestões municipais. A perda de verbas das capitais e grandes cidades é, sem mediações, a evaporação dos recursos que dão amparo às políticas sociais. No caso da saúde é pior, as cidades maiores são polos naturais do atendimento regional.

O segundo aspecto é uma questão conceitual. A reforma proposta foca a incidência tributária no valor adicionado. Ela despreza quatro décadas de enfrentamento entre o Fisco e os contribuintes, que acabaram por construir uma oneração tributária setorialmente aceitável pela realidade do mercado e do consumidor, para buscar um padrão de igualdade pela alíquota geral de 25%. Assim, a reforma tributária proposta abre um dramático reordenamento de preços relativos e mexe no valor de mercado de todas as empresas instaladas no País.

O terceiro aspecto é a penalização do trabalho formal, justamente quando todas as previsões indicam a dificuldade de gerar emprego no contexto da economia digital que vai se espraiando por todos os setores da vida econômica e social.

Valor agregado é salário e lucro. A reforma não distingue entre os dois, mas os tributa igualmente. Só que a folha salarial no Brasil, ressalte-se, já é onerada ao extremo para financiar a Previdência Social. Não é por outro motivo que os setores empregadores têm se constituído nos principais entraves ao rolo compressor da reforma.

Os segmentos empregadores tentarão fugir da explicitação da parcela de salários em seus custos, para diminuir o valor adicionado aferido e reduzir o pagamento de IBS/CBS. A reforma induzirá, assim, a troca de um vínculo trabalhista por um contrato da empresa com uma pessoa jurídica. Não por eficiência, mas porque o primeiro não gera crédito de IBS/CBS e engorda o tributo a pagar. Já o segundo, embora espúrio, gera crédito e reduz o imposto.

O quarto aspecto diz respeito à sustentabilidade fiscal. A leitura da PEC chega a ser cômica. A cada trecho, uma necessidade de recursos para compensar perdas ou para validar benefícios fiscais que deveriam onerar o Fisco que os proporcionou. Na transição do IPI para o Imposto Seletivo, que já ninguém sabe o que será, as perdas dos municípios serão garantidas com recursos federais. A cada segmento prejudicado, um novo fundo com aportes federais. Pergunto-me de qual orçamento o governo federal poderá tirar tantos recursos.

A pérola maior, no entanto, ainda pode estar sendo desenhada. Como a alíquota já parece insuficiente e ninguém tem certeza dos cálculos, há quem fale em estabelecer uma alíquota máxima na própria Constituição federal. A proposta é grotesca, mas, se aprovada, poderá indicar uma alíquota insuficiente para a geração dos valores de receita semelhantes aos atuais, levando o País a uma crise fiscal sem precedentes.

Ressaca do mar desenterra baleias e afeta quiosques no litoral, OESP

 

SANTOS

A persistente ressaca dos últimos dias no litoral sul paulista destruiu quiosques e derrubou árvores na Ilha do Cardoso, em Cananeia, e desenterrou baleias mortas, já em estado de decomposição, em Ilha Comprida.

As baleias já sem vida encontradas em agosto foram desenterradas pela ressaca entre o fim do mês passado e começo deste mês. Uma terceira carcaça também foi registrada no início deste mês e enterrada novamente.

"Foram dois quiosques que vieram abaixo na maré alta, além de árvores da restinga na transição para a mata que caíram", diz Sérgio Carlos Neves, morador desde que nasceu, há 48 anos, na comunidade Pereirinha/Itacuruçá da Ilha do Cardoso.

foto de carcaça de baleia em areia da praia
Carcaça de baleia encontrada morta em setembro, já em estado de decomposição em Ilha Comprida, no litoral sul de SP - Gabriel Matheus/Ipec

Neves também é monitor do IPeC (Instituto de Pesquisas Cananeia) e tio dos donos dos quiosques atingidos. Foram ao menos dois afetados na praia de Itacuruçá.

"Meus pais contavam que, antigamente, ocorria uma ressaca dessas a cada sete anos. Até chamavam de ‘ressaca-preguiça’", lembra ele. "Hoje temos de três a cinco anualmente. Essa última durou uma semana entre o final de setembro até começo de outubro".

"Em 15 minutos foi tudo", conta Tiago das Neves, dono de um dos quiosques. "Nem tivemos tempo de desmontar para aproveitar a madeira depois. O que conseguimos foi tirar a geladeira."

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É o quarto quiosque que Neves diz perder para a violência das águas —dessa vez, na ressaca que começou sob neblina e se prolongou a partir da madrugada de 27 de setembro. Outros dois foram destruídos também em 2023 e o primeiro há alguns anos.

O jeito foi montar um restaurante no quintal de casa. O problema é que já existe o temor de as águas também atingirem a residência no futuro.

"Fiz agora barreira de contenção com galhos e sacos de areia. Não posso usar tijolo por causa da nossa lei de conservação ambiental. Só que cada ressaca está ‘comendo’ uns 12 metros de areia. A maré, inclusive, continua chegando no barranco", diz.

A casa onde ele vive com a mulher e três filhos estava a cerca 200 metros da beira d’água, mas o mar já avançou. "Agora, são só 30 metros de distância. Atrás é manguezal e rio. Não tenho para onde ir e, daqui uns três anos, minha casa também já era".

O primo de Tiago, Vitor Fernandes Neves, segue sem seu comércio. "O quiosque era minha única fonte de renda", lamenta ele, que é casado e pai de dois filhos. Toda a estrutura do Quiosque Porto Açaí ruiu. "Isso é a vida da gente."

Ele, que mora na localidade desde o nascimento, há 29 anos, conhece as instabilidades do tempo e diz acreditar que uma nova ressaca forte ainda virá em outubro —a depender da atração gravitacional exercida pela Lua na maré. Vitor, porém, não espera de braços cruzados: começará a erguer um quiosque mais longe do alcance da água.

"Estou tendo alguns apoios para levantar entre R$ 10 mil ou R$ 15 mil e recomeçar", comenta. "A intenção é atender já em novembro para pegar toda a temporada de verão dos turistas."

A Prefeitura de Cananeia informa que não foi acionada para intervenções recentes na Ilha do Cardoso, mas que monitora a situação e compartilha alertas da Defesa Civil com a população.

JUBARTES E MAIS CHUVA

Em Ilha Comprida, o mar agitado desenterrou três baleias da espécie jubarte que haviam aparecido mortas em meados de agosto (nas praias de São Januário e Ubatuba) e em 3 de outubro (na praia de Pedrinhas).

Todas tinham sido enterradas pela prefeitura para completar a etapa de decomposição —procedimento novamente realizado na semana passada. Em razão do peso de até 40 toneladas e do comprimento de até 16 metros, animais desse tipo não são removidos.

Segundo o IPeC, houve quatro encalhes em 2022 e cinco em 2023, todos em Ilha Comprida.

Os motivos das mortes não puderam ser detectados pelo instituto devido ao avançado estado de decomposição, o que prejudica coletas e análises de material orgânico. Causas naturais e ingestão de lixo costumam estar entre os fatores mais comuns.

Jubartes têm comportamento migratório: durante o verão se alimentam nas áreas polares e, no inverno, chegam ao litoral brasileiro para reprodução. De acordo com o projeto Baleia Jubarte, que realiza censo aéreo a respeito, a população brasileira da espécie é de cerca de 25 mil animais.

A previsão da empresa de serviços meteorológicos Climatempo para Cananeia e Ilha Comprida é de chuva no decorrer desta semana, inclusive, com temporal no feriado desta quinta-feira (12), o que pode contribuir para uma nova elevação do mar.