sábado, 18 de fevereiro de 2023

Demétrio Magnoli - O presidente contra o Deep State, FSP

 "As agências reguladoras e o BC independente são tentativas de deep state no Brasil", escreveu Reinaldo Azevedo, citando Walfrido Warde (FSP, 10/2). A crítica aos bancos centrais autônomos circula tanto no discurso da esquerda latino-americana quanto no da direita nacionalista europeia. Mesmo assim, é um argumento –e merece, portanto, exame de mérito.

BCs independentes ou autônomos são a regra nas democracias avançadas (EUA, União Europeia, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul). Diversos países em desenvolvimento adotaram o modelo (África do Sul, México, Colômbia, Chile, entre outros). Nenhum deles, contudo, é um ente acima da política.

Sede do Banco Central, em Brasília - Adriano Machado - 22.mar.22/Reuters

Todos os BCs estão submetidos à soberania popular. Na hora da reunificação alemã, o poderoso Bundesbank alertou para o efeito inflacionário de converter o marco oriental segundo taxas de mercado. O governo de Helmut Kohl ignorou o alerta do Banco Central, convertendo-o pela paridade.

BCs autônomos não fazem o que querem: operam a política monetária para cumprir funções definidas em lei. Nos EUA, o Fed tenta conciliar baixa inflação e baixo desemprego. O Banco Central Europeu, como nosso BC, persegue metas de inflação. Por aqui, é o governo que fixa a meta de inflação, usando sua maioria no Conselho Monetário Nacional. Lula não precisa vociferar contra a meta de 3,25%: bastaria tê-la aumentado na quinta-feira.

A direção dos BCs responde aos representantes eleitos. No Brasil, quando não alcança a meta de inflação, deve justificar-se por meio de carta ao ministro da Fazenda. O presidente do BC tem mandato fixo e não coincidente com o do chefe de Estado –mas pode ser destituído por decisão do presidente da República avalizada pelo Senado.

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A autonomia dos BCs destina-se a separar o ciclo de política monetária do ciclo eleitoral a fim de produzir taxas menores de inflação. Funciona, como atestam estudos econométricos da dinâmica dos preços em países em desenvolvimento (veja, entre outros: https://bit.ly/3YmvsdD ).

A Turquia ilustra o perigo de submeter a política monetária aos humores do governo de turno. No final de 2021, invertendo a teoria econômica, o presidente Erdogan, um populista autoritário, decidiu que a redução dos juros provocaria redução da inflação. O BC obedeceu, cortando juros seguidamente quando a inflação crepitava. No intervalo de um ano, a taxa de inflação saltou de 20% a 85%.

O trauma da hiperinflação desencadeou o processo de autonomia do nosso BC. A trajetória começou com o Plano Real (1994), passou pelo regime de metas de inflação (1999) e concluiu-se com a lei de 2021. O passo derradeiro foi uma reação à folia da gestão Tombini (2011-2016), que reduziu os juros para servir à vontade presidencial, colheu um repique inflacionário e acabou elevando os juros à estratosfera. Sob Dilma Rousseff, registrou-se a maior taxa de juros desde 2006. Nosso BC ganhou autonomia legal por uma escolha política da sociedade.

Deep State? A expressão ilumina aparatos típicos de regimes autoritários: as engrenagens ocultas da repressão. Em casos singulares, também identifica aparelhos estatais que se instalam nas democracias, mas abaixo do horizonte de visão dos cidadãos. Usá-la, porém, para desacreditar BCs autônomos nada ensina sobre os bancos centrais – mas esclarece muito sobre o sujeito do discurso.

A esquerda populista fala em deep state para acusar os BCs de servirem ao ganancioso mercado. A direita populista fala nisso para acusar os BCs de servirem aos demoníacos "globalistas". Uns e outros recorrem a teorias conspiratórias para exibir a democracia como farsa: a roupagem sob a qual opera o deep state. Democracia é só ditadura disfarçada –eis a mensagem de fundo.

O presidente (ou seja, o Povo) contra o Deep State (ou seja, a Elite). Lula tem extensa companhia quando adota essa linha de propaganda.


Rodrigo Zeidan - Proatividade é algo que todo profissional deve desenvolver, FSP

 Negado. Uma semana depois, mais um envio de originais. Negado. Semana seguinte; mesma coisa. Ainda assim, Todd McFarlane não desistiu e continuou produzindo novas páginas e mandando para editoras das maiores editoras de quadrinhos dos EUA à época.

Até que um editor que precisava de uma tarefa para ontem ofereceu um trabalho menor a McFarlane. O resultado? Uma carreira de sucesso de mais de 40 anos na área e um dos artistas de quadrinhos mais bem-sucedidos do mundo.

O caso dele não é único. Uma das habilidades menos discutidas no mundo corporativo é o de autopromoção. Proatividade é algo que qualquer profissional deve desenvolver, especialmente em carreiras criativas. Mas no Brasil ainda temos a cultura de "pedir emprego".

Entrevistas de emprego são normalmente calcadas em relações de poder na qual organizações detêm todas as cartas e entrevistados são mesmo quase pedintes, tentando mostrar que eles devem ser os escolhidos. Mas existe outro mundo, no qual as relações de trabalho são busca por geração compartilhada de valor. Há até mesmo exemplos de executivos que entram em contato com organizações e cocriam um cargo que seja bom para todos.

Carteira de Trabalho e Previdência Social - Gabriel Cabral - 22.jul.19/Folhapress

Mas, no fundo, a principal lição é que temos que tomar as rédeas das nossas carreiras. Isso significa sempre buscar opções de emprego, manter boas relações com pessoas do ramo e até mesmo entrar em contato direto com outros executivos para sondar se há possibilidades em outras instituições. Se puder, tenha sempre na mesa ofertas de outras organizações para você nunca ficar descoberto.

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Não entrei na Fundação Dom Cabral ou na NYU Shanghai por acaso. No primeiro caso, um amigo perguntou se eu gostaria de explorar a oportunidade de trabalhar na instituição e eu disse: "Claro". Mesmo tendo oferta de outra empresa na mão.

No caso da NYU, peguei o email do reitor com um amigo e escrevi uma mensagem sem conhecer ninguém na instituição: "Olá, estarei na China em dois meses, pois sou professor visitante na Universidade de Nottingham Ningbo. Gostaria de conhecer a NYU Shanghai para explorar oportunidades de pesquisas com professores daí". Mal sabia que a instituição estava desesperada para recrutar professores com o meu perfil. Enviei o email para a pessoa certa na hora certa.

Não foi muito diferente na Folha. Depois de escrever uma série de colunas sobre a China, a cada quatro a seis meses escrevia perguntando se havia espaço como colunista recorrente. No terceiro email, recebi uma resposta dizendo que um colunista estava saindo do jornal para concorrer à eleição. Será que eu gostaria de ocupar o espaço dele?

Claro que autopromoção tem limites. Recentemente, um pesquisador escreveu para nossa reitora dizendo que tinha terminado um pós-doutorado e gostaria de emprego na NYU Shanghai. Bem, isso não é proatividade; é só arrogância mesmo.

Se tem uma coisa que alguém aprende em uma instituição americana de ensino é: ninguém é melhor para vender suas ideias do que você mesmo. E, muitas vezes, isso passa por colocar a cara à tapa. Mas não haveria outra forma de alguém de Madureira, sem contatos no mundo acadêmico ou profissional, sair de um doutorado no Brasil para virar professor nas melhores escolas do mundo. E em um jornal como a Folha.

A história de que "é você que constrói o seu sucesso" parece algo de livro de autoajuda de segunda categoria. Mas de certa forma funciona, mesmo que não sempre.


Os rugidos do mercado nervoso, Cristina Serra, FSP

 Minha coluna "Os extremistas do mercado" (11/2) provocou réplica grosseira do economista Alexandre Schwartsman (16/2). Em resumo, ele disse que o que escrevi "não é verdade", ou seja, menti, e que não fiz bem o meu trabalho ao não pesquisar as atas do Banco Central com críticas à política fiscal de Bolsonaro.

O economista mostrou-se particularmente agastado com a frase "O mercado e o BC de ‘Bob Neto’ [Roberto Campos Neto] não deram um pio sobre a farra fiscal de Bolsonaro", que considero perfeitamente cabível em contraste com os rugidos do mercado e do presidente do BC contra Lula. Impressionante a quantidade de vezes que "Bob Neto" associou Lula à palavra "incerteza" desde a eleição. Está tudo publicado.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - Sérgio Lima/AFP


Parece que o economista não entendeu o cerne político do debate. Lula tem legitimidade e fez bem em pautar a discussão sobre juros. Tanto é que "Bob Neto" modulou seu discurso. Disse que o investidor precisa ter "boa vontade" com o governo "que só tem 45 dias". Acrescento: e que enfrentou uma tentativa de golpe.

O economista disse que meu artigo "ecoa" a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e que tenho "políticos de estimação". Declarei meu voto em Lula por reconhecer seu compromisso com a democracia e ver nele o único candidato que poderia derrotar o fascismo. Diante da barbárie, neutralidade é covardia. Sim, escolhi um lado.

Também fiz isso por respeito ao leitor, que tem o direito de saber o que penso. Meu voto em Lula, contudo, não compromete minha independência como jornalista. Aqui neste espaço já critiquei decisões do presidente.

Outro tema crucial é a independência do BC. Questionei a relação de "Bob Neto" com o onipresente banqueiro André Esteves, revelada num áudio. O zeloso arquivista de atas do Banco Central bem que poderia ter mostrado em qual delas foi discutida a promiscuidade e o conflito de interesses de tal relação. Mas sobre esse assunto o economista não deu um pio.