sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Centrão condiciona apoio ao orçamento secreto para aprovar PEC da Transição, oesp

 O Centrão sinalizou que concorda em votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição apresentada pela equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, mas condiciona os votos e exige o apoio do novo governo às pautas do grupo no Congresso.

Uma das condições para liberar novos gastos fora do teto é a manutenção do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão. O projeto de reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também deve entrar na negociação, de acordo com parlamentares.

No mercado financeiro, a PEC causou preocupação porque está sendo negociada sem que o novo ministro da área econômica tenha sido anunciado por Lula, e abrindo uma margem para gastos permanentes. A pergunta dos agentes econômicos é quem vai segurar a pressão por gastos muito elevados. Se a PEC for aprovada, será o sexto furo no teto de gastos, a regra aprovada em 2016 que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.


Centração condiciona orçamento secreto e reeleição de Lira para aprovar PEC da Transição. Foto: Dida Sampaio/ Estadão
Centração condiciona orçamento secreto e reeleição de Lira para aprovar PEC da Transição. Foto: Dida Sampaio/ Estadão 

“É muito difícil ver uma discussão de PEC sem a equipe econômica na liderança do processo. Temos dois ex-governadores muito experientes, o Geraldo Alckmin e o Wellington Dias, mas não tem uma equipe econômica fazendo conta com um programa econômico fiscal na cabeça”, avalia o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale.

Segundo ele, o “waiver” é tradicionalmente focado em algo temporário, um perdão para gastar mais num determinado período. No caso da PEC da Transição, porém, os gastos são permanentes, como o Auxílio Brasil de R$ 600 e os R$ 150 por criança com idade de até seis anos. “Gastos permanentes têm de ser tratados com uma solução permanente.”

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As estimativas que circularam nos bastidores do Congresso são de um valor em torno de R$ 160 bilhões. O anúncio do PT de fazer a PEC alimentou especulações de que a aprovação do novo Orçamento poderá ficar só para 2023, no início do próximo governo, depois da escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado.

Prazo maior para emendas

A Comissão Mista de Orçamento (CMO) avalia adiar o prazo para apresentação de emendas, do relatório de receitas e do relatório preliminar de despesas do Orçamento de 2023 – que deveriam ser entregues até o dia 18. O calendário já sofreu duas alterações, e ficará diretamente atrelado à negociação da PEC.

Ao Estadão, o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), descartou a possibilidade de votar o projeto só no ano que vem e disse que o acordo é para fazer a votação até o fim do ano.

A negociação ocorre no mesmo momento em que Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tentam atrair apoio para manter o comando da Câmara e do Senado, respectivamente, em 2023, enquanto Lula busca ampliar sua base no Congresso. “Antes de assumir, o Lula já está precisando de apoio. O Lira está conduzindo essa conversa já, e procurando o que é melhor para o País. São duas coisas comuns que somam para cada interesse particular”, disse o deputado Hélio Leite (União-PA), relator de receitas do Orçamento de 2023 e aliado do presidente da Câmara.

O governo de transição ainda deve fazer uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) para saber se pode pagar o Auxílio Brasil de R$ 600 sem a necessidade de aprovação de uma PEC. O assunto foi discutido em reunião da equipe de Lula com o presidente da Corte, Bruno Dantas, e ministros do Tribunal.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Banho de 2 minutos e varal no lugar de secadora: como a Europa se prepara para o inverno, NYT - FSP

 Liz Alderman

Patricia Cohen
PARIS e LONDRES | THE NEW YORK TIMES

Uma frota de petroleiros transportando gás natural liquefeito está parada em um congestionamento de tráfego marítimo ao largo da costa da Espanha, há alguns dias, esperando para descarregar sua carga e abastecer as redes elétricas da Europa. Depois de uma onda de compras, a região formou uma reserva de gás tão grande que não há mais espaço para armazenar o combustível que chega.

Na Finlândia, onde os banhos de sauna escaldantes são um passatempo nacional, o governo está estimulando amigos e famílias a fazerem saunas juntos, para economizar energia.

Ambos os esforços são emblemáticos das medidas que a Europa está tomando para aumentar o suprimento de energia e economizar combustível, antes de um inverno em que não haverá gás russo.

Uma família finlandesa sai de sua sauna aquecida a lenha em Siikajoki, Finlândia, que pediu às famílias para tomarem banho juntas para economizar energia - Vesa Laitinen/The New York Times

Na Suécia, a diocese de Lund disse que planejava fechar 150 de suas 540 igrejas, parcial ou totalmente, neste inverno, para economizar energia.

A Alemanha e a França publicaram orientações abrangentes, que incluem a redução do aquecimento em todas as casas, empresas e edifícios públicos, do uso de aparelhos domésticos fora de horários de pico, e a desconexão de dispositivos eletrônicos quando não estiverem em uso.

Outros países adotaram medidas ainda mais drásticas: a Dinamarca quer que os domicílios abandonem o uso de secadoras e usem varais de roupa. A Eslováquia está pedindo aos cidadãos que usem fornos de microondas em vez de fogões, e que escovem seus dentes usando só um copo de água.

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O governo finlandês lançou uma campanha intitulada "um grau a menos", para conseguir que mais de 95% dos domicílios do país economizem energia. A campanha promove o uso das escadas em lugar de elevadores, e o da bicicleta ou transporte público para ir ao trabalho.

Os governos, eles mesmos enormes usuários de energia, estão reduzindo o aquecimento, restringindo o uso da iluminação de rua e fechando piscinas municipais. Na França, onde o estado opera um terço de todos os edifícios, o governo planeja reduzir o uso de energia em dois terawatts-hora, a quantidade de energia utilizada por uma cidade de médio porte.

Após as campanhas de conscientização, o uso de energia, de fato, caiu em vários países em setembro, embora seja difícil saber ao certo se a causa foi o clima ameno, os preços altos ou os esforços voluntários de economia inspirados por um senso de dever cívico. Mas há sinais de que empresas, organizações e o público estão respondendo.

Determinar se esses esforços terão sucesso, porém, é difícil, disse Daniel Gros, diretor do Centro Europeu de Estudo de Políticas Públicas, uma organização de pesquisa de Bruxelas. Como as recomendações são voluntárias, pode haver pouco incentivo para que as pessoas as adotem –especialmente se o governo pretende subsidiar as contas de energia.

INDEPENDÊNCIA DA RÚSSIA

A tática do presidente russo Vladimir Putin de usar a energia como arma contra países que apoiam a Ucrânia causou uma transformação surpreendente na forma como a Europa gera e economiza energia. Os países estão se unindo para comprar, tomar de empréstimo e construir fontes adicionais, e estão correndo para implementar grandes programas de economia que lembram a resposta à crise do petróleo da década de 1970.

Os locais de armazenagem subterrânea espalhados pelo continente têm estoques completos de gás natural de emergência. As usinas de energia nuclear que deveriam ser fechadas na Alemanha permanecerão abertas. Da França à Suécia, os termostatos estão sendo reduzidos para uma temperatura de apenas 19º C. A Eslováquia está realizando uma campanha para convencer seus cidadãos a limitarem seus banhos a dois minutos.

Com a chegada do mês de novembro, o esforço generalizado da Europa faz com que alguns analistas encarem com mais esperança do que o faziam há alguns meses a possibilidade de a região chegar à primavera sem racionamento ou apagões, enquanto trabalha para acelerar sua independência energética.

As medidas que os países europeus vêm tomando "são notáveis e é provável que realmente transformem o cenário energético", disse Simone Tagliapietra, pesquisador sênior do instituto Bruegel, uma organização de pesquisa sediada em Bruxelas.

"A Europa conseguirá se dissociar completamente da Rússia, algo que antes era visto como impossível".

Ainda assim, a virada tem um custo alto, e a segurança energética poderá ser afetada nos próximos meses.

Uma usina a carvão em Megalopolis, na região de Arcadia, no sul da Grécia, está aumentando a produção do combustível fóssil - Eirini Vourloumis/The New York Times

Embora a Europa tenha se ajustado aos severos cortes nas exportações de gás da Rússia –que agora fornece menos de 10% do gás natural, ante 45% do suprimento europeu antes da guerra–, os preços do combustível permanecem historicamente elevados, forçando paralisações em operações que requerem uso intensivo de energia, incluindo a produção de aço, produtos químicos e vidro.

Se o pequeno fluxo de gás russo que a região ainda recebe for cortado, vários países enfrentarão uma situação difícil.

Empresas estão demitindo trabalhadores. Governos estão emitindo mais títulos de dívida para proteger as famílias e as empresas. Há cada vez mais projeções de que a crise energética levará a Europa a uma recessão no próximo ano.

Alguns europeus podem decidir que, no final das contas, não estão assim tão dispostos a fazer sacrifícios pela Ucrânia, já que as contas de energia estão disparando. Protestos de rua contra o aumento do custo de vida irromperam em Paris, Praga e em outros lugares, abalando a frente unida que a Europa vinha mantendo quanto às sanções contra a Rússia.

AUMENTANDO O SUPRIMENTO

O trabalho que está sendo feito para aumentar o suprimento de energia –garantindo contratos de gás natural liquefeito, prolongando o uso de reatores nucleares e reativando as usinas a carvão– é um passo importante para garantir que as redes elétricas da Europa continuem ligadas.

A independência repentina da Rússia inclui acordos para construir gasodutos, prospectar gás natural em território europeu e construir mais plataformas para receber remessas de gás natural de fontes longínquas.

Embora a participação das fontes de energia renováveis, como turbinas eólicas e painéis solares, esteja crescendo na região, o gás natural ainda alimenta a maioria das casas e empresas, e portanto um fornecimento estável é vital.

Em Paris, França, cidadãos andam de bicicleta para economizar energia - Nathalie Mohadjer/The New York Times

Um esforço coordenado, desde o segundo trimestre, ajudou os países europeus a completar suas reservas de gás –em volume o suficiente para fornecer cerca de três meses de energia–, apesar da diminuição dos fluxos russos. O clima anormalmente quente na Europa está postergando a necessidade de aquecimento, de modo que o estoque pode durar mais do que o esperado.

O grupo de consultoria Rystad Energy calculou que a Europa tem gás suficiente armazenado para sobreviver a este inverno, a menos que faça muito frio, e os preços do gás natural caíram para seus níveis mais baixos desde junho.

"O risco de apagões ou grande escassez de gás é, por enquanto, uma perspectiva muito remota", acrescentou Tagliapietra.

Mas outros problemas podem surgir. A Europa pode enfrentar um inverno ainda mais rigoroso no ano que vem, à medida que os estoques de gás natural forem consumidos e que os novos suprimentos contratados para substituir o gás russo, que incluem o aumento dos embarques vindos dos Estados Unidos ou do Catar, demorem para chegar, anunciou a AIE (Agência Internacional de Energia) no boletim anual World Energy Outlook, publicado na semana passada.

Família finlandesa sai de sua sauna aquecida a lenha em Siikajoki, Finlândia; países de toda a Europa tomaram medidas extraordinárias para diminuir o uso de energia e aumentar o fornecimento - Vesa Laitinen/The New York Times

A atividade da Europa parece estar acelerando a transição global para tecnologias mais limpas, acrescentou a AIE, já que países estão respondendo à invasão da Ucrânia pela Rússia por meio da adoção de combustíveis de hidrogênio, veículos elétricos, bombas de calor e outras formas de energia verde.

Mas, no curto prazo, a região vai ter de queimar mais combustíveis fósseis em resposta à escassez de gás natural.

Países como Dinamarca, Reino Unido e Hungria também estão procurando mais gás natural em seus territórios, apesar da oposição de grupos ambientalistas. A Holanda decidiu adiar o fechamento de seus enormes campos de gás em Groningen, que estavam para ser encerrados devido aos terremotos provocados pela extração do combustível.

Onze países, entre os quais Alemanha, Finlândia e Estônia, estão agora construindo ou expandindo um total de 18 terminais offshore para processar gás liquefeito embarcado de outros países. Outros projetos estão sendo considerados, na Letônia e na Lituânia.

energia nuclear está ganhando apoio renovado em países que anteriormente haviam decidido abandoná-la, entre os quais a Alemanha e a Bélgica. A Finlândia está planejando estender a vida útil de um reator, enquanto a Polônia e a Romênia planejam construir novas usinas de energia nuclear.

Tradução de Paulo Migliacci