quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Juliano Spyer - Bem-aventurados os perseguidos, FSP

 

Quando pensamos em perseguição religiosa, vem à mente a imagem de uma religião reprimindo representantes de outra. Nesta eleição, essa atitude foi superada: líderes e fiéis atacam, humilham e perseguem seus próprios irmãos e irmãs em Cristo.

O motivo da perseguição não é a igreja ter abandonado a posição de neutralidade para fazer política. Nem é o fato de líderes evangélicos terem abraçado a candidatura do presidente Bolsonaro e, por isso, usarem o espaço das igrejas para fazer propaganda eleitoral. O problema está em atacar e demonizar quem pensa diferente.

O pastor Nilson Gomes, da Assembleia de Deus, resumiu a indignação do evangélico que rejeita a bolsonarização das igrejas. Em uma pregação de 2019 que viralizou na internet, ele diz: "Eu sei [que] a Igreja tem sua vocação política. Eu não sou contra… Não quero nem saber em quem você votou. O voto é secreto, é livre e democrático. E você exerceu a sua obrigação e o seu direito de cidadão. Não é disso que eu estou falando, mas eu não posso me calar. E eu não vou me calar com pastores e igrejas que, para apoiar candidato, fazem arminha com a mão."

O pastor Sergio Dusilek, um homem branco, de cabelos brancos, prega em um púlpito.
O pastor Sergio Dusilek em evento de um ato de apoio à campanha de Lula (PT) para a Presidência da República, no Rio de Janeiro - 13.set.2022/Arquivo Pessoal

É tragirônico uma igreja que se diz perseguida perseguir e tornar um inferno a vida de alguns de seus pastores e fiéis. De um lado, pregam o medo da "ameaça comunista" e, do outro, praticam a mesma perseguição ideológica de regimes totalitários.

Repreendido por participar de uma reunião de pastores com Lulao pastor batista Sérgio Dusilek escreveu: "Não contaminei o espaço religioso: o templo. Não profanei o sagrado: o culto. Tampouco violei a consciência de qualquer congregação. Estava em um clube, em um evento político, com cidadãos e cidadãs de variados matizes de fé e ideologias… [Entretanto,] os batistas permitiram acenos ao espectro político mais à direita, tolerando inclusive a fala presidencial em assembleia. Tampouco condenaram o apoio de líderes denominacionais a candidatos."

Neste domingo (25), no culto de posse do pastor batista Deividson Brito, transmitido pela internet, a igreja exibiu mensagem do presidente Bolsonaro. A Convenção Batista se manifestará como fez em relação ao pastor que declarou apoio a Lula?

A maneira como pastores e fiéis vêm sendo repreendidos, perdem seus cargos ou são cancelados e expulsos, a partir de decisões internas, sem prestar contas a suas comunidades, avisa como a dissidência é tratada.

É tragirônico também que essa nova inquisição esteja partindo de igrejas protestantes. Foram elas que lutaram e sofreram perseguições pela defesa da liberdade de culto, de expressão e de consciência. A ideia do estado laico é produto do ativismo protestante, para que estado e igreja existam separadamente e para que todas as formas de crer (e de não crer) tenham espaço.

Quantos fiéis vivem com medo e vergonha em suas igrejas porque não querem votar em Bolsonaro? O que temos de dados é o crescimento do número de desigrejados especialmente entre jovens, e os casos conhecidos de pastores afastados de suas funções. Entre eles, Ed Rene Kivitz, Odja Barros, Sérgio Dusilek, Edson Nunes, Tiago Arraes e Alan Gentil. É a ponta visível desse iceberg.

A pressão nas igrejas aumenta na medida em que metade dos eleitores evangélicos não pretende votar em Bolsonaro no primeiro turno. Sair da igreja é uma decisão cara e dolorosa para o crente comum. Ficar na igreja também pode ser traumático: viver escondido, silenciado, eventualmente perder cargos e ser excluído do convívio social dentro de suas comunidades de fé. Além de ouvir que você será punido por supostamente contrariar a vontade de Deus. Não é pouca coisa para alguém que crê.

Por isso, o ambiente das igrejas dominadas pelo bolsonarismo lembra o de empresas que acobertam atos de assédio sexual. A vítima muitas vezes silencia porque tem medo de sofrer retaliações e de ser estigmatizada.

Me pergunto, então, em que medida, juridicamente, igrejas – que deveriam oferecer acolhimento - estão sendo cúmplices de perseguição ideológica e religiosa, e de assediar moralmente e provocar problemas de saúde mental em uma parte dos fieis?

Os prismas femininos, Meio Político

 Por Flávia Tavares

A história é caprichosa. Enredou a política brasileira, num espaço de 90 anos, com destinos surpreendentemente conexos. Em 1932, a bióloga Bertha Lutz, filha do “pai da medicina tropical”, Adolfo Lutz, e da enfermeira Amy Fowler, foi uma das principais responsáveis pela inclusão do direito das mulheres de votar e serem votadas no novo Código Eleitoral getulista. Dez anos antes, ao conhecer as sufragistas europeias, Bertha iniciou, no Brasil, um forte movimento para que mulheres tivessem direitos políticos. Bertha era cientista, filha de médico com enfermeira. Era feminista. Nove décadas depois, o governo mais abertamente anticientífico e misógino que o país já teve depende delas. Depende dos votos das mulheres, as mais sensíveis aos efeitos nefastos da pandemia de Covid-19, para sobreviver — ou ganhar uma sobrevida.

As pesquisas de intenção de voto indicam, até aqui, que elas não estão muito dispostas a ajudar o presidente Jair Bolsonaro (PL). Na mais recente do Ipec, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece com 51% da preferência do eleitorado feminino; Bolsonaro tem 26%. No Datafolha, o placar é de 49% a 29%. Com cerca de 80% dos eleitores e eleitoras decididos sobre quem escolher para presidente, sobra pouco voto para conquistar. Mas o Datafolha mostra que entre as mulheres há 19% indecisas — entre os homens, são 9%. Há mais dois fatores que tornam o voto feminino tão relevante em 2022. O primeiro é matemático: mulheres são maioria. Dos 156,5 milhões de cidadãos que podem votar, 82,7 milhões são mulheres (52,6%) e 74 milhões são homens (47,3%). Isso não seria tão determinante não fosse o terceiro ponto. A forma como as mulheres votam vem se diferenciando da forma de os homens votarem. É essa diferença na lógica da escolha que pode, afinal, ser decisiva. O Meio conversou com as cientistas políticas Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, e Lorena Barberia, da Universidade de São Paulo, para examinar em que condições a mulher brasileira vai às urnas no próximo domingo.

No Brasil, a distinção do voto feminino para o masculino não era, historicamente, tão marcada. Fica mais evidente a partir de 2018. Como o voto é secreto, o Tribunal Superior Eleitoral só faz o recorte geográfico do resultado das urnas. Mas naquele ano o Ibope (hoje Ipec) fez uma pesquisa boca de urna e estimou que Bolsonaro bateu Fernando Haddad entre as mulheres, por 52% a 48%. Foi apertado. Dentro da margem de erro. E o presidente recebeu mais votos de mulheres com mais dinheiro. Entre os homens, Bolsonaro ganhou de lavada: 61% a 39%. O que marca essa diferença é que, com Bolsonaro, o tema gênero entrou de forma definitiva na política brasileira. Nem com Dilma Rousseff eleita, em 2010 e 2014, e tendo Marina Silva como concorrente direta, o marcador “mulher” pesou tanto.

Bolsonaro coloca o gênero na pauta pelo pior viés possível. Por condicionar estupro a merecimento, por humilhar a própria filha. E isso considerando somente o plano das palavras.

Ainda assim, com #elenão e tudo, Bolsonaro saiu vencedor entre as mulheres. Como? Desde 2013, o assunto prevalente nas campanhas passou a ser a corrupção. E pesquisas indicam que mulheres não toleram o roubo. A corrupção mancha a cara de um sistema que é um homem branco. Na política, há o estereótipo de que mulheres são mais honestas, mais limpas, não “contaminadas” por terem vivenciado menos o ambiente político. Decorre disso um sexismo duplo: a ideia de que mulheres são ingênuas, não sabem jogar o jogo; e, quando descobertas em casos de corrupção, elas sofrem punições mais pesadas. Dilma saiu preservada da Lava Jato e jamais teve a pecha de corrupta. Mas o forte discurso antipetista e lavajatista posicionou Bolsonaro a usufruir da imagem de antipolítica, anti-sistema e não corrupto.

Eleito, Bolsonaro foi, além de corrupto, Bolsonaro. No ano passado, posicionou-se contra uma lei que promoveria equidade salarial entre homens e mulheres — lei que sancionou semana passada, no desespero de conquistar eleitoras. Na ânsia de evitar turismo LGBTQIA+ no Brasil, deixou claro que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”. Atacou jornalistas. Muitas jornalistas. Sempre que pôde. A opinião pública responde aos estímulos das elites econômicas e sociais. E elas mandaram todos os sinais de que a misoginia de Bolsonaro não tem mais lugar no Brasil. Com isso, a rejeição a Bolsonaro entre as mulheres bateu na casa dos 55%. A inabilidade do presidente com o público feminino é tamanha que ele delegou a tarefa de seduzir esse eleitorado à sua mulher, Michelle — cujo apelo tende a se limitar às mais religiosas. Mas ao colocá-la numa posição de “princesa” ao seu lado no último 7 de Setembro, tornou a própria mulher testemunha de milhares de homens exaltando sua funcionalidade peniana, num coro de “imbrochável”, instantes depois de ter discutido com ela. Isso dá a dimensão do quanto Bolsonaro entende de mulher.

Ideologicamente, a posição das eleitoras tende a caminhar mais à esquerda com o passar do tempo. A literatura da ciência política indica, nos clássicos das décadas de 1950 e 1960, que nos Estados Unidos e na Europa, embora a distinção entre votos de homens e mulheres fosse pequena, elas tendiam mais ao conservadorismo e ao apoio a partidos de centro-direita — inclusive via partidos cristãos. A partir da década de 1980, conforme as mulheres foram lançadas ao mercado de trabalho e tiveram contato com o sindicalismo, com as demandas sociais mais modernas, e com as universidades, essa tendência se inverteu. Isso não quer dizer, de forma alguma, que mulheres sejam necessariamente progressistas, especialmente no Brasil, país profundamente religioso. Mas há algumas pesquisas que mostram uma abertura maior delas a esse tipo de pauta. Uma delas foi feita pelo Datafolha e divulgada em junho deste ano. O levantamento mostrou que 49% dos brasileiros se identificam mais com a esquerda (eram 35% em 2014). E as mulheres se posicionam mais à esquerda do que os homens: 55% a 42%. A pesquisa levou em conta aspectos de valores e econômicos, e os de valores pesaram mais nessa guinada. No congresso mais recente da Associação Brasileira de Ciência Política, também foi apresentado um estudo nesse sentido, que coloca as mulheres um tantinho mais à esquerda, favoráveis aos direitos LGBTQIA+ e mais apegadas à democracia. A antítese do bolsonarismo.

O pior ato de Bolsonaro contra as mulheres brasileiras, no entanto, foi seu próprio governo. A trinca pandemia, fome e bala é devastadora.

As 686 mil mortes por Covid-19 afetam democraticamente a todos que ainda têm senso de humanidade. Mas há muitos sinais de que as mulheres ficaram bem mais vulneráveis aos efeitos da pandemia. Cultural, histórica e emocionalmente ocupando o papel de cuidadoras na sociedade, 50% das mulheres passaram a ser responsáveis pelos cuidados de alguém nesse período. Elas responderam por 72% das vagas assalariadas fechadas no primeiro ano da crise sanitária. Hoje, a taxa de desemprego entre mulheres é 54% maior que a de homens. Imagine aí que há uma estimativa de que são 11 milhões as mães solo que chefiam famílias e que, dessas, quase 60% estão abaixo da linha da pobreza. Agora, visualize aquela imagem de meninas e meninos tendo de dividir um ovo na merenda da escola. E lembre de Bolsonaro dizendo que a Covid-19 matou um “número insignificante” de crianças. Considere, ainda, que a política armamentista do atual governo levou a 1 milhão de armas nas ruas — armas que matam os filhos dessas mulheres, seja nas mãos de bandidos, seja na das polícias em larga medida bolsonaristas. Mesmo as mais conservadoras, que colocam a família como centro das preocupações, podem estar infelizes. Essa é a concretude de uma política misógina.

As mulheres vão analisar, em muitos aspectos, os mesmos pontos que os homens na hora de decidir em quem votar. Mas sob prismas femininos. Eles passam pelo cuidado. Pela ideia de que saúde e educação são tão importantes quanto o preço da gasolina e a economia. Pela noção de que segurança para sua família se dá com menos armas nas ruas. As mulheres estão mais indecisas e demoram mais para decidir porque sempre foram apartadas da política. Veem a política como ambiente hostil. E têm muitas frentes de que cuidar antes de se engajar na política de fato. Por isso, tendem a manifestar seu interesse eleitoral na reta final. Podem estar também intimidadas diante da crescente violência, embora tenham um histórico de maior comparecimento às urnas que os homens. Elas vão fazer, como fazem todos os eleitores, uma espécie de “média” do que é mais importante para elas neste momento. Sob o legado de Bertha Lutz, vão exercer seus direitos plenos e fortalecer a democracia.

Apagão de memória e concentração difícil: o que é ‘névoa cerebral’ e como tratar, OESP

 Apagão de memória e dificuldade de concentração são fenômenos ligados também a noites sem dormir e medicamentos; exame de sangue permite diagnóstico e tratamento

Continua após a publicidade

O apagão na sua cabeça, quando aparece, pode ser confuso. Por que parece que seu cérebro de repente está 30 anos mais velho do que você? Se você está sentindo a cabeça lenta e esquecida, se fica se desconcentrando toda hora ou tem dificuldade de fazer até mesmo as tarefas mais mundanas, você pode estar enfrentando um fenômeno comum, conhecido como névoa cerebral.

Embora não seja um diagnóstico clínico oficial, a névoa cerebral pode surgir após várias noites sem dormir, por causa de certos medicamentos, como anti-histamínicos, ou como resultado de jet lag - entre muitos outros cenários. Algumas pessoas experimentam uma forma de névoa cerebral após uma grande refeição, durante períodos estressantes da vida ou quando passam por grandes mudanças hormonais, como durante a gravidez ou a menopausa.

Névoa cerebral pode ser frustrante e preocupante, não importa quando ou como você a contrai.
Névoa cerebral pode ser frustrante e preocupante, não importa quando ou como você a contrai. Foto: Reuters/Eric Gaillard

A névoa cerebral também pode ser um sintoma: pode ocorrer com a Doença de Lyme, lúpus e esclerose múltipla, após tratamento de câncer ou de um resfriado forte. Nos últimos anos, o termo também se tornou associado ao comprometimento cognitivo que muitas pessoas experimentam durante ou após um caso de covid-19.

Cerca de 20% a 30% dos pacientes com covid-19 têm algum nível de névoa cerebral que persiste ou se desenvolve durante os três meses após a infecção inicial, e mais de 65% dos pacientes com covid longa relatam sintomas neurológicos. “Está virando uma crise de saúde neurológica”, disse Michelle Monje, neurologista da Universidade de Stanford que estudou o comprometimento cognitivo relacionado à quimioterapia e ao coronavírus.

Consulta

A névoa cerebral pode ser frustrante e preocupante, não importa quando ou como você a contrai. Os problemas cognitivos podem aumentar e diminuir na névoa cerebral relacionada à covid-19, bem como em outros tipos, disse Jacqueline Becker, neuropsicóloga clínica do Hospital Mount Sinai, em Nova York. Mas se os sintomas persistirem por várias semanas ou deixarem a vida dolorosamente difícil, você deve procurar uma avaliação médica.

Continua após a publicidade

“Algumas pessoas conseguem continuar com o trabalho e a vida normal, mas precisam fazer pausas mais frequentes entre as tarefas”, disse Becker. “E outras pessoas ficam completamente incapacitadas”, ressaltou.

Diagnóstico

Embora a névoa cerebral pareça vaga e temporária, como o mau tempo que desaparece depois de uns dias, a pesquisa está começando a mostrar que ela pode afetar algumas pessoas por meses e tomar muitos aspectos da vida, em comparação com a lentidão ou o esquecimento comuns. A névoa cerebral tende a afetar a função executiva - um conjunto de habilidades essenciais para planejar, organizar informações, seguir instruções e fazer várias tarefas ao mesmo tempo. “Quando a função executiva é prejudicada, muitas vezes afeta vários domínios da capacidade cognitiva”, disse Becker.

Muitos médicos preferem usar o termo “deficiência cognitiva” para dar mais legitimidade médica ao que os pacientes relatam e iniciam o processo de diagnóstico com exames cognitivos usados para medir a função executiva em doenças graves, como a demência, acrescentou Becker. Exames de sangue também pode apontar algumas causas de comprometimento cognitivo, como apneia do sono, deficiência de vitamina B ou problemas hormonais e da tireoide, disse Joanna Hellmuth, neurologista da Universidade da Califórnia. Tradução de Renato Prelorentzou