Ao emprestar status constitucional ao instituto do Tribunal do Júri, o constituinte conferiu ao Poder Judiciário, no tocante à defesa do direito à vida, o maior de todos os bens jurídicos, uma legitimidade que se confunde com a própria origem da Carta Magna: a legitimidade da vontade popular.
De forma cristalina, a Constituição Federal estabelece, no inciso XXXVIII do seu artigo 5º, que "é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei", assegurando "a soberania dos veredictos".
Foi com base neste princípio que o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os efeitos de decisão liminar concedida em habeas corpus pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A medida do STF restabeleceu, assim, a ordem constitucional ao fazer com que os réus condenados por homicídio e tentativa de homicídio pelas 242 mortes e mais de 600 feridos causados pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), passassem a cumprir pena imediatamente.
A condenação imposta aos réus não pode mais ser reformada em sua essência (culpados ou inocentes), posto que os jurados são soberanos. E não se trata aqui de um exercício de hermenêutica, mas sim da leitura de um trecho claro da Constituição. Caberá oportunamente ao Tribunal de Justiça, pela via recursal própria, apenas manifestar-se sobre os aspectos formais, nunca os materiais, do julgamento.
Neste momento, o ministro Fux não se imiscuiu em qualquer questão do mérito da condenação. Em sua decisão, provocado pelo Ministério Público e verificando risco de grave lesão à ordem jurídica em caso de manutenção da liberdade dos réus, o ministro corretamente limitou-se a derrubar um entendimento contrário à ordem constitucional. Permitir ao Ministério Público utilizar esse instrumento processual no caso concreto é permitir a defesa da sociedade para a garantia da soberania constitucional do Tribunal do Júri, bem como possibilitar a defesa da ordem jurídica e do interesse público, missão constitucional do Ministério Público.
Somente o desconhecimento da jurisprudência do STF pode explicar a injustificada surpresa que parece marcar a reação de alguns operadores do direito. Há inúmeros precedentes que se coadunam com o posicionamento adotado, já que esta não é a primeira vez que a Suprema Corte enfrenta questões de tal natureza.
Em mais de uma ocasião, os ministros do STF proclamaram a tese segundo a qual a "prisão do réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade", como exemplifica o habeas corpus 118.770, julgado em 2017. Essa decisão é inclusive anterior ao chamado "pacote anticrime", de forma a deixar claro que o que se discute aqui não são os dispositivos dessa referida legislação, mas sim a afirmação da soberania do Tribunal do Júri e dos instrumentos necessários para a sua defesa.
Enfim, uma análise desapaixonada do caso redundará, inevitavelmente, na conclusão de que o Supremo Tribunal Federal agiu nos estritos limites do ordenamento constitucional e infraconstitucional, reafirmando um valor expresso de maneira cristalina na Constituição, segundo o qual cabe aos cidadãos julgar aqueles que atentam contra a vida.
Espera-se, assim, que a comunidade jurídica deixe de lado interpretações derivadas de interesses ocasionais e cerre fileiras na firme defesa da Carta que recolocou o nosso país na trilha de democracia. E essa Carta garante a defesa da ordem jurídica e do interesse público, sobretudo assegurando a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri!