sábado, 25 de dezembro de 2021

Rodrigo Zeidan- Não existe civilização sem feiras livres, FSP

Omelete de caranguejo em Bangkok, echarpe de algodão em Siam Reap, imãs de geladeira em Nova York, lulas fritas em Shanghai ou livros em Roma, dá pra achar muita coisa nos camelôs que estão em muitas das esquinas das principais cidades do mundo.

Não dá para se imaginar Seul ou Buenos Aires sem a presença de ambulantes, legalizados ou não. Em Singapura, comércio de rua é atração turística.

Infelizmente, na mitologia elitista brasileira, camelôs estão associados a crimes, receptação de mercadorias roubadas e ocupação ilegal de espaço público. Mas não é bem assim.

Não existe civilização sem feiras livres. A palavra camelô tem origem no termo árabe khamlat, que se refere a tecidos rústicos comercializados em feiras. O termo foi transportado para a França, onde virou o verbo cameloter, que representa a venda de coisas de pouco valor, até chegar aqui, com som nasal fechado no "o" e tudo.

Rua com camelôs em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

A existência de vendedores ambulantes cumpre importantes funções dentro das cidades modernas, sejam elas ricas ou pobres. Quer vir tentar a sorte na cidade grande? É um refugiado ou imigrante que vai demorar um pouco até aprender a língua do país? Perdeu o emprego e precisa sobreviver? Consegue produzir algo em pequena escala e não tem como abrir uma loja? Não tem nível alto de educação formal, mas sabe o básico de comércio? Nem mesmo nos países mais ricos a rede de segurança social consegue atender a todo mundo.

Comércio informal não gera criminalidade ou causa desordem. A informalidade é consequência do estágio do desenvolvimento econômico e social de um país e não causa de problemas sociais profundos.

A informalidade não é um problema em si mesmo, nem deixa o Brasil para trás. Ela é consequência de leis ruins, crises econômicas, educação de péssima qualidade, aluguéis caros e muitos outros fatores.

À medida que um país enriquece, a dinâmica do comércio informal muda: as cidades que vão ficando mais ricas conseguem organizar espaços públicos, outras oportunidades de trabalho tornam o comércio ambulante pouco vantajoso, e fica difícil comercializar produtos que não sejam legalizados.

Não é para romantizar ou demonizar quem trabalha na informalidade. Há trabalhos interessantíssimos sobre o assunto, como o livro da pesquisadora brasileira Rosana Pinheiro-Machado sobre produção e circulação de mercadorias no circuito China-Paraguai-Brasil. A realidade é que a maioria das pessoas que vendem coisas pelas ruas é de gente honesta, tentando sobreviver em cidades caras e violentas, e se adaptando como pode. É só ver a explosão das opções de máscaras, durante a pandemia.

Achar que camelôs roubam mercado das lojas tradicionais é não entender como funcionam mercados e as relações entre poder público, entidades privadas e a falta de oportunidades de milhões de brasileiros.

Receptação de mercadorias roubadas é crime e deveria ser investigado pela polícia. Mas o que se faz em algumas cidades, do "rapa" passar recolhendo tudo? É uma violência em dos países mais desiguais do mundo. É para não deixar uma bagunça completa? Claro que sim, mas sem destruir o pouco de opções que tem um brasileiro para sobreviver, sem depender de ninguém.

Em mais de um Natal de crise econômica, com a estagflação de Guedes a todo vapor, se puder não deixe de comprar alguma coisa em uma banca de camelô. Afinal, nem todo mundo tem décimo terceiro garantido. Quem sabe um dia?

 

Cerveja em lata, a preferida dos brasileiros, completa 50 anos, FSP

 Daniele Madureira

BRASÍLIA e SÃO PAULO

Era 3 de abril de 1971. Naquele sábado, a sede da Companhia Cervejaria Skol-Caracu estava em polvorosa.

A fabricante de Rio Claro, a 173 quilômetros da capital paulista, se preparava para a cerimônia de lançamento da primeira cerveja em lata do Brasil, a Skol, marca sueca que a cervejaria do interior havia começado a produzir no país em 1967 —antes de ser comprada pela Brahma, que só em 1999 viria a se tornar Ambev.

A expectativa era grande também do lado da Indústrias Reunidas Matarazzo, dona da Metalma, responsável pela produção das primeiras latas de cerveja em folhas de flandres, um material laminado composto por ferro e aço revestido. À época, a empresa dos Matarazzo já fabricava essas latas para abastecer a indústria alimentícia.

De terno, o então prefeito de Rio Claro, Álvaro Perin, conferiu o tom solene ao momento e tomou o primeiro gole da cerveja em lata, sob os olhares curiosos dos diretores da cervejaria, conforme registrou o Diário do Rio Claro na época.

Reprodução de uma fotografia de um jornal de 1971, em preto e branco, traz um homem, numa cervejaria, cercado por outros homens, tomando uma cerveja em lata
Reprodução de reportagem do jornal "Diário do Rio Claro", de abril de 1971, traz o então prefeito da cidade, Álvaro Perin, provando umas das primeiras cervejas em lata produzidas pela Skol. - Reprodução - 7.abr.1971/Diário de Rio Claro

Nestes 50 anos desde aquela primeira degustação, a embalagem individual e prática da latinha conquistou milhões de adeptos, a ponto de ser responsável hoje por 79% de todas as embalagens de cerveja consumidas no país, segundo a consultoria Kantar.

De acordo com outra consultoria, a Euromonitor, o consumo em 2020 foi de 19,6 bilhões de latas de cerveja, um salto de 16% sobre o ano anterior, puxado pela pandemia –foram tomadas mais latinhas em casa do que long necks ou litros nos bares e restaurantes.

"A mudança dos padrões de consumo durante a pandemia ressaltou ainda mais as vantagens das bebidas em latas de alumínio, como o baixo impacto ambiental, a facilidade para o consumo individual e a segurança", diz Cátilo Candido, presidente da Abralatas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio).

A partir da instalação da Latasa, a primeira fábrica de latas de alumínio do Brasil, em 1989, em Pouso Alegre (MG), as latas em folhas de flandres foram sendo substituídas pelas de embalagem que permite a conservação da cerveja gelada por muito mais tempo.

Mas, à época do lançamento, as latinhas produzidas pelos Matarazzo foram um sucesso. O ex-chefe de vendas da Skol-Caracu, Arnaldo Pecini, hoje com 88 anos, relatou ao Diário do Rio Claro que a demanda era tão alta que filas de caminhões se formavam ao redor da fábrica, esperando carregamento.

A linha de envase produzia 500 latas por minuto, ou 30 mil por hora. Como operação era de três turnos de seis horas, a capacidade produtiva somava 540 mil latas por dia. O feito se deu 12 anos depois que a americana Coors lançou a primeira cerveja em lata.

Hoje, a produção brasileira alcança 32 bilhões de latas no ano, segundo a Abralatas. Em 2020, houve um aumento de 7,3% no volume produzido sobre o ano anterior e, em 2021, a demanda sinaliza para uma nova alta de um dígito.

"Nos últimos cinco anos, mesmo com a pandemia e a crise financeira, a média foi de mais de 8% de crescimento anual", diz Candido.

As fabricantes de latas de alumínio faturam R$ 14 bilhões ao ano no Brasil e vêm acelerando investimentos. Entre 2021 e 2023, estão sendo aplicados no país US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões), com a inauguração de quatro novas fábricas, informa a Abralatas.

A multinacional americana Ball deu início à fabricação em uma unidade em Frutal (MG) este ano e, em 2022, deve começar a produção em Benevides (PA). Já a brasileira Crown Embalagens vai inaugurar a sua sétima fábrica em Uberaba (MG) no ano que vem. A multinacional europeia Ardagh, por sua vez, anunciou uma nova planta para 2022, mas ainda não divulgou o local.

A cervejaria Ambev, que concentra dois terços da venda da bebida no Brasil, inaugurou no ano passado a sua Fábrica de Latas, com investimentos de mais de R$ 700 milhões e capacidade de produção de 1,5 bilhão de unidades por ano. Localizada em Sete Lagoas (MG), a planta abastece operações em Minas Gerais e em partes da região Sudeste.

A Ambev não é autossuficiente em embalagens e continua comprando latas de outras fabricantes. A cervejaria não integra os números da Abralatas.

"A lata de alumínio é a principal embalagem para cerveja no Brasil, e o setor tem uma participação crescente no envasamento da bebida", afirma Candido, destacando o número de novas cervejarias no país entre 2015 e 2020, principalmente artesanais. "Foram mais de mil no período, segundo o Ministério da Agricultura", diz.

De acordo com a entidade, a cerveja respondia por 55% das bebidas em lata em 2019, fatia que saltou para 70% no ano passado. Hoje o Brasil produz 13 tipos de latas de 220 ml a 710 ml, onde são envasadas, além de cerveja, refrigerantes, sucos, energéticos, chás e, mais recentemente, água, vinho e coquetéis.

"A latinha pequena é uma grande aposta entre as cervejas premium", diz Hudson Romano, gerente sênior de consumo fora do lar da consultoria Kantar. "Mas quando as contas apertam, o consumidor migra para os formatos mais tradicionais de embalagens, como é o caso da lata de 350 ml", afirma.

Segundo o executivo, nos 12 meses entre outubro de 2020 e setembro de 2021 (na comparação com o mesmo intervalo do ano anterior), houve um aumento de preço de 8,3% nas cervejas em lata para consumo dentro de casa e uma queda de 1,9% para o consumo fora de casa —justamente no período em que os bares e restaurantes ficaram muito tempo operando com restrições.

"Agora vemos o consumo dentro de casa diminuindo, com a reabertura do comércio", diz. "Porém, o desafio dos bares vai ser aumentar a frequência de consumo, diante deste cenário de inflação".

O grupo Petrópolis, dono da cerveja Itaipava, avalia a demanda de embalagem de acordo com a região do país. "No Rio de Janeiro, por exemplo, o latão de 550 ml é bem-vindo, assim como em Pernambuco, onde é bastante consumido", diz Eliana Cassandre, diretora de marketing do grupo Petrópolis.

"Já na Bahia, a latinha de 269 ml tem boa aceitação", diz ela, ressaltando que o latão é a embalagem de melhor custo-benefício. "É o formato mais indicado para compartilhar. Não chega a ser uma garrafa de 600 ml, mas é para dividir".

Vale lembrar que, com tanta lata, o Brasil é um dos maiores recicladores da embalagem no mundo. O país recicla 97% do que produz, o equivalente a 400 mil toneladas ao ano. Segundo a Abralatas —que apresentou os dados no pavilhão Brasil-Glasgow na COP26—, a atividade envolve 800 mil catadores. ​