Omelete de caranguejo em Bangkok, echarpe de algodão em Siam Reap, imãs de geladeira em Nova York, lulas fritas em Shanghai ou livros em Roma, dá pra achar muita coisa nos camelôs que estão em muitas das esquinas das principais cidades do mundo.
Não dá para se imaginar Seul ou Buenos Aires sem a presença de ambulantes, legalizados ou não. Em Singapura, comércio de rua é atração turística.
Infelizmente, na mitologia elitista brasileira, camelôs estão associados a crimes, receptação de mercadorias roubadas e ocupação ilegal de espaço público. Mas não é bem assim.
Não existe civilização sem feiras livres. A palavra camelô tem origem no termo árabe khamlat, que se refere a tecidos rústicos comercializados em feiras. O termo foi transportado para a França, onde virou o verbo cameloter, que representa a venda de coisas de pouco valor, até chegar aqui, com som nasal fechado no "o" e tudo.
A existência de vendedores ambulantes cumpre importantes funções dentro das cidades modernas, sejam elas ricas ou pobres. Quer vir tentar a sorte na cidade grande? É um refugiado ou imigrante que vai demorar um pouco até aprender a língua do país? Perdeu o emprego e precisa sobreviver? Consegue produzir algo em pequena escala e não tem como abrir uma loja? Não tem nível alto de educação formal, mas sabe o básico de comércio? Nem mesmo nos países mais ricos a rede de segurança social consegue atender a todo mundo.
Comércio informal não gera criminalidade ou causa desordem. A informalidade é consequência do estágio do desenvolvimento econômico e social de um país e não causa de problemas sociais profundos.
A informalidade não é um problema em si mesmo, nem deixa o Brasil para trás. Ela é consequência de leis ruins, crises econômicas, educação de péssima qualidade, aluguéis caros e muitos outros fatores.
À medida que um país enriquece, a dinâmica do comércio informal muda: as cidades que vão ficando mais ricas conseguem organizar espaços públicos, outras oportunidades de trabalho tornam o comércio ambulante pouco vantajoso, e fica difícil comercializar produtos que não sejam legalizados.
Não é para romantizar ou demonizar quem trabalha na informalidade. Há trabalhos interessantíssimos sobre o assunto, como o livro da pesquisadora brasileira Rosana Pinheiro-Machado sobre produção e circulação de mercadorias no circuito China-Paraguai-Brasil. A realidade é que a maioria das pessoas que vendem coisas pelas ruas é de gente honesta, tentando sobreviver em cidades caras e violentas, e se adaptando como pode. É só ver a explosão das opções de máscaras, durante a pandemia.
Achar que camelôs roubam mercado das lojas tradicionais é não entender como funcionam mercados e as relações entre poder público, entidades privadas e a falta de oportunidades de milhões de brasileiros.
Receptação de mercadorias roubadas é crime e deveria ser investigado pela polícia. Mas o que se faz em algumas cidades, do "rapa" passar recolhendo tudo? É uma violência em dos países mais desiguais do mundo. É para não deixar uma bagunça completa? Claro que sim, mas sem destruir o pouco de opções que tem um brasileiro para sobreviver, sem depender de ninguém.
Em mais de um Natal de crise econômica, com a estagflação de Guedes a todo vapor, se puder não deixe de comprar alguma coisa em uma banca de camelô. Afinal, nem todo mundo tem décimo terceiro garantido. Quem sabe um dia?