quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Ruy Castro - Governo a coices, FSP

 "Coice. S. m. Pancada que certos quadrúpedes, especialmente os equinos, desferem com os cascos traseiros firmando as patas dianteiras no chão." Com poucas alterações, é como os dicionários Aurélio e Houaiss definem uma prática dos cavalos, jumentos, mulas e outros equídeos. A diferença é que esses infelizes —a espécie animal mais brutalizada pelo homem na história— fazem isso como autodefesa. Mas as futuras edições dos dicionários terão de acrescentar uma nova acepção ao verbete: "Sistema de governo a patadas inaugurado por Jair Bolsonaro (2019-22) para intimidar os adversários, destruir as instituições democráticas e tentar se eternizar no poder no Brasil."

Desde sua posse na Presidência, há quase três anos, não se passou um dia em que Bolsonaro não escoiceasse contra algo ou alguém. É como ele se comunica com o mundo —falando através de uma ferradura. Mas será um erro compará-lo aos irracionais em que se inspira. Cada golpe de seus cascos é pensado antes de desferido e programado de modo a que o alvo o receba pelas costas.

Bolsonaro já espezinhou e aviltou, com sucesso, os órgãos de controle da Justiça, da comunidade de informações, da segurança, da diplomacia, do ensino, da economia, do orçamento, da ciência e tecnologia, da estatística, do meio ambiente, do patrimônio histórico, dos direitos humanos, do acesso a armas, de várias estatais e, principalmente, da saúde. Nesta, seus coices são letais: mais de 600 mil mortes pela pandemia até agora e, há dias, uma cavalhada sobre a Anvisa, para infectar quantas crianças puder neste fim de ano.

Bolsonaro não se furta a pisotear o próprio Exército, na figura de generais que inventa e depois chuta pela janela. É da sua natureza, tratar a pontapés até os aliados.

Gosto de dicionários porque eles pensam em tudo. Veja, por exemplo, mais este significado para coice: "Recuo violento de arma de fogo quando detona".

Igor Gielow - O valor do chuchu, FSP

 Grande novidade desta etapa embrionária da corrida de 2022, ao lado da entrada de Sergio Moro no páreo, o balé entre Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin para que o ex-tucano vire o vice do petista engrenou.

Desde o ponto em que era um balão de ensaio, observadores se perguntam o que cada lado tinha a ganhar, dado que Alckmin parecia sair de uma posição algo confortável para disputar o governo paulista.

O ex-governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Lula se reencontram em jantar promovido pelo grupo Prerrogativas
O ex-governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Lula se reencontram em jantar promovido pelo grupo Prerrogativas neste domingo (19), em São Paulo - Ricardo Stuckert

Após o jantar em que ele cruzou o Rubicão com Lula no domingo (19), a única certeza é a de que os grandes favorecidos com essa novela estão no chamado campo vermelho.

Fernando Haddad (PT) e Márcio França (PSB) devem se digladiar para saber quem irá enfrentar Rodrigo Garcia (PSDB), o vice-governador que estará na cadeira na eleição e só não disputa o segundo turno sob anomalia imprevista —esqueça seus 5%, o que vale é seu desconhecimento pelo eleitor e a máquina.

Já o ex-governador embarca em uma canoa mais segura do que a de uma disputa estadual incerta.

Na pior das hipóteses, se manterá em evidência; na menos pior, acaba a carreira segurando vela para um adversário histórico. Na melhor, vira vice-presidente, o que no Brasil tem um peso e tanto.
Mas a questão que fica é: o que ganha Lula com Alckmin como vice além da imagem de que, vejam!, agora ele voltou a ser moderado?

O ex-tucano não tem voto (menos de 5% em 2018), não tem partido (o PSDB o chutou antes de ele sair), não tem apoio no Congresso (tinha poucos amigos por lá), não é querido na elite paulistana (que diz que sua visão não passa da Mantiqueira), não agrega no mercado (que só não o vê mais estatista do que Lula) e não tem mais amigos no empresariado do que o próprio petista.

Como diz um dos articuladores do ex-presidente, é nesse conjunto de negativas que reside a vantagem de ter Alckmin na improvável chapa. Sem nada a o amarrar a compromissos, o ex-governador cumpre sua sina de "picolé de chuchu": sem gosto, mas a custo baixíssimo.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Quem é o juiz que cuidará das provas nos votos de André Mendonça, FSP

 O juiz Gabriel Pires de Campos Sormani, assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, vai atuar como instrutor no gabinete do ministro André Mendonça, no STF (Supremo Tribunal Federal). Caberá ao magistrado conduzir investigações, realizar interrogatórios e outros atos por determinação do ex-ministro da Justiça.

Sormani foi juiz assessor da Corregedoria-Geral de Justiça na gestão do então corregedor Manoel de Queiroz Pereira Calças, ex-presidente do TJ-SP.

No tribunal paulista, vinha atuando como membro dos comitês de Gestão Estratégica e de Gestão de Pessoas, e da Coordenadoria da Infância e Juventude na administração de Geraldo Pinheiro Franco.

Sormani é mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2018) e bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (2002).

O juiz federal substituto Fernando Braz Ximenes, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, será juiz auxiliar no gabinete de Mendonça. Sormani e Ximenes foram designados pelo ministro Luiz Fux, presidente do STF, no último dia 16.

Gabriel Sormani e André Mendonça
Juiz de direito Gabriel Sormani, que será instrutor no gabinete do ministro André Mendonça - TJ-SP e Marcos Oliveira/Agência Senado

SOLIDARIEDADE A MORO

Em julho de 2019, Sormani assinou manifesto de "irrestrito apoio" à Operação Lava Jato e a Sergio Moro, primeiro ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, substituído por André Mendonça.

O abaixo-assinado foi distribuído pelo grupo "Palavra de Juiz", formado por mais de 2.000 magistrados.

O manifesto afirmava que Moro "virou alvo de virulento ataque pelos detentores do poder do dinheiro desviado da nação e por criminosos através de invasões ilegais de seu sigilo telemático e, talvez, até falsificações de dados, bem como por divulgação de tudo isso, com fim indisfarçável".

Os subscritores diziam que não podiam compactuar "com quem quer que seja, mesmo que sejam também juízes, felizmente uma minoria, que ataque publicamente o ex-colega que teve inédito sucesso, mesmo se considerado o trabalho em termos mundiais, levando poderosos à cadeia para pagar por seus crimes".

O manifesto foi coordenado pelo juiz Paulo César Ribeiro Meireles, do Tribunal de Justiça de São Paulo, primeiro magistrado a assinar o documento.

INDEPENDENTES E BOLSONARISTAS

Em 2016, Meireles foi um dos membros da chapa "Magistrados Independentes", liderada pelo juiz Michel Curi e Silva, de Minas Gerais, que concorreu à presidência da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), quando foi eleito para dirigir a maior associação de juízes o paulista Jayme Martins de Oliveira Neto.

Junto com Meireles, eram candidatos a vice-presidente, entre outros, os juízes bolsonaristas Eduardo Luiz Rocha Cubas, de Goiás, e Ludmila Lins Grilo, de Minas Gerais.

Em 2018, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o juiz federal Eduardo Cubas filmaram um vídeo, em frente ao Tribunal Superior Eleitoral, questionando a segurança e a credibilidade das urnas eletrônicas. O magistrado foi acusado de pretender tumultuar as eleições.

Em junho de 2020, Cubas apoiou a indicação do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub para um cargo no Banco Mundial.

A juíza Ludmila Grilo foi acusada de estimular em vídeos, fotos e em redes sociais as aglomerações e o descumprimento do uso de máscaras anti-Covid, violando a Loman e o Código de Ética da Magistratura.

O QUE PENSA O INSTRUTOR

Em 2018, Sormani apresentou dissertação de mestrado na Faculdade de Direito da USP sobre o tema "A necessidade de publicidade na apuração de crimes envolvendo agentes públicos". A orientadora foi a professora Janaína Paschoal, do Departamento de Direito Penal, e deputada filiada ao PSL (Partido Social Liberal).

Na dissertação, Sormani comenta a Operação Castelo de Areia, o mensalão e a Operação Lava Jato, para "demonstrar que a ampla publicidade realmente tem um impacto no sentido de garantir o avanço da marcha processual".

Ele entende que "a melhor forma de se garantir a imparcialidade do Judiciário não é por meio de limitações à publicidade processual ou restrições à atuação dos meios de comunicação, mas fortalecendo a independência dos magistrados e suas prerrogativas, qualidades que, paradoxalmente, ao contrário do que no curtíssimo prazo possa parecer, são minadas, no longo prazo, pelo chamado ativismo judicial, o qual, a despeito de envaidecer alguns juízes ou de ser simplesmente negado por outros, precisa ser combatido".

"A verdadeira independência funcional não pode ser desvirtualizada e utilizada como justificativa para veiculação de idiossincrasias ou ideologias, por mais que se pretendam nobres", escreveu Sormani.

O magistrado conclui o texto afirmando que "os resultados da Ação Penal 470 (mensalão) e da Operação Lava Jato sinalizam tempos de mudança positiva, dentro de uma cultura de transparência crescente que, a nosso ver, longe dos exageros quanto às supostas consequências nocivas do 'populismo penal midiático', abre, na verdade, ensejo para um maior respeito à coisa pública e para uma aplicação menos seletiva do Direito Penal, com efetividade independentemente de quem seja o réu".

PROFECIA DESMENTIDA

Quando o novo ministro do STF tomou posse como titular da Pasta da Justiça, este Blog afirmou: "Interessado em agradar o capitão, pois aspira uma vaga no STF, o ministro da Justiça, André Mendonça, age como chefe de polícia e continua a usar a Lei de Segurança Nacional. Um entulho da ditadura, a lei tem embasado pedidos de investigação contra jornalistas e críticos do governo Bolsonaro."

O sucessor de Sergio Moro, a quem Sormani vai auxiliar, afirmou na posse como ministro da Justiça que o presidente Bolsonaro "tem sido, há 30 anos, um profeta no combate à criminalidade".

Bolsonaro não foi o profeta criado pela imaginação de Mendonça, assim como as previsões de Sormani não se realizaram. Moro e a Lava Jato foram esvaziados pelo presidente da República, com o auxílio do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Após ser empossado no STF, Mendonça prometeu defender a democracia, a Constituição e a liberdade de imprensa.

Resta conferir se ele continuará subserviente ou seguirá uma das recomendações dissertadas pelo seu juiz instrutor: "Tudo que se relaciona com o Poder deve ser público".