segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Brasil na frente dos carros voadores, Ronaldo Lemos, FSP

 

Há um fenômeno ainda pouco falado que promete revolucionar a vida nas cidades globais e brasileiras. Trata-se da chegada dos chamados "carros voadores". O nome técnico não é esse. O certo é eVTOL, sigla em inglês para veículo elétrico de pouso e decolagem vertical. Um dos países que está liderando essa corrida é justamente o Brasil. Isso acontece por causa da empresa startup brasileira Eve, criada pela Embraer como parte do seu programa de inovação.

Um eVTOL muda totalmente o conceito de mobilidade urbana. Por decolar e pousar verticalmente ele permite conectar muitos pontos da cidade de forma rápida, segura e eficiente. A aeronave tem usualmente dez hélices, oito para mantê-la no ar e duas para a navegação. As aplicações são múltiplas: transporte de pessoas, logística, comércio e segurança.

Outra característica desse tipo de aeronave é no futuro não precisar de piloto. A empresa fornece não só os veículos, mas também todo o sistema de operação deles, controlados a distância. Como a propulsão é por motor elétrico, o nível de ruído é muito baixo quando comparado com helicópteros, por exemplo.

A grande vantagem do eVTOL é justamente não depender da construção de infraestrutura física. Por exemplo, seria possível criar uma linha permanente de transporte do centro do Rio de Janeiro até o aeroporto do Galeão com base em uma infraestrutura mais simples que a tradicional (metrô, trens urbanos e corredores de ônibus). O eVTOL precisa só de um "vertiporto" que se conecta diretamente a outros "vertiportos", com operação permanente das aeronaves entre eles. O custo de infraestrutura é bem menor já que o deslocamento é pelo ar.

Uma série de fatores econômicos e tecnológicos fazem com que esse avanço seja possível já. Desenvolvimento de baterias mais eficientes, inteligência artificial, 5G e comunicação por satélite, além de uma demanda crescente por transporte e logística com zero de emissão de carbono. Além disso, há muito capital entrando nesse setor, o que deve acelerar sua chegada. Por exemplo, a participação da Embraer na Eve está sendo avaliada em US$ 1,2 bilhão. Faz sentido, considerando a trajetória de sucesso da empresa brasileira no desenvolvimento e certificação de aeronaves. Além disso o cenário regulatório brasileiro é favorável, já que a Anac está acompanhando diretamente esse desenvolvimento.

Tanto é que a Eve está lançando um programa de teste-piloto que começa nesta segunda (8) no Rio de Janeiro. Até o dia 8 de dezembro será possível voar do aeroporto do Galeão até a Barra da Tijuca (no Centro Empresarial Mario Henrique Simonsen) e vice-versa por meio de uma linha "circular" ao custo de até R$ 99 por trajeto. A operação ainda não vai ser feita por um eVTOL, mas sim por helicóptero. A ideia da empresa é fazer uma prova de conceito da operação dessa linha e avaliar a demanda por um serviço similar. Além disso, nos pontos de partida vai ser possível visualizar um eVTOL em funcionamento por meio de uma estação de realidade virtual.

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Estamos em um momento em que quando se fala de Brasil um dos últimos atributos que vêm à mente é a ideia de inovação. A Embraer e a Eve são uma nobilíssima exceção.

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Já era Mandar áudios longos de whatsapp

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Brasil tem a pior política de drogas do mundo, aponta ranking inédito, Thiago Amâncio, FSP

 


SÃO PAULO

Com mais foco na repressão do que na saúde pública, o Brasil tem a pior política de drogas do mundo, segundo o Global Drug Policy Index, ranking inédito publicado neste domingo (7) que avalia a maneira como os países lidam com o tema.

Entre as 30 nações analisadas, o Brasil fica atrás de outras bem mais pobres, como Uganda, que tem um dos menores IDHs do mundo; com histórico de forte repressão, como a Indonésia, onde traficantes estão sujeitos a pena de morte; ou em guerra há décadas, caso do Afeganistão.

Policiais do Rio de Janeiro durante operação policial contra supostos traficantes de drogas na favela do Jacarezinho - Mauro Pimentel - 21.abr.21/AFP

Na outra ponta, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e Austrália tiveram as políticas de drogas mais bem avaliadas. O ranking é um projeto do Harm Reduction Consortium (consórcio de redução de danos), que inclui entidades de pesquisa em drogas e redução de danos em todo o mundo, entre elas o IDPC (International Drug Policy Consortium) —que, por sua vez, reúne mais de 190 ONGs e é financiado, entre outros, por Open Society e UNODC (Escritório da ONU para Drogas e Crime).

A análise estabeleceu nota de 0 a 100 para cada país, de acordo com critérios como a existência ou não de pena de morte, descriminalização e financiamento de políticas de redução de danos. A conclusão do ranking é que "a dominância global de políticas de drogas baseadas em repressão e punição levou a uma pontuação baixa em geral".

A Noruega, país mais bem avaliado, somou 74 pontos; o Brasil, último colocado, 26. A média global foi de 48 pontos.

Quatro critérios foram levados em conta para dar a nota final.

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O primeiro foi a ausência de respostas extremas por parte do Estado, como a pena de morte, para crimes envolvendo drogas. Três dos 30 países analisados usam o expediente: Índia, Tailândia e Indonésia —os dois primeiros, porém, não executaram nenhum preso nos últimos cinco anos, enquanto o governo de Joko Widodo colocou, só no ano passado, 214 pessoas na fila de execução.

A prevalência de assassinatos extrajudiciais por agentes da lei, por outro lado, foi registrada em uma série de países, como no México. Mas só no Brasil o problema foi considerado endêmico. O ranking também apontou como sendo comum a internação compulsória de usuários de drogas, presente, em diferentes graus, em 25 das 30 nações avaliadas.

Ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro e ex-ouvidora da polícia, a socióloga Julita Lemgruber afirma que "a guerra às drogas, no Brasil, tem sido uma desculpa para a polícia matar jovens negros".

"Olhamos para os Estados Unidos e ficamos chocados com o número de pessoas negras mortas pela polícia, como no caso de George Floyd, que atraiu atenção e acendeu um movimento de rua", diz. "Enquanto isso, no Brasil a polícia mata 4.000 pessoas por ano, a maioria pessoas negras e jovens, envolvidas no mercado de drogas."

Em curva ascendente, o número de mortes em intervenções policiais no Brasil chegou a 6.416 em 2020, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O segundo critério do ranking foi a proporcionalidade do sistema de justiça, incluindo abusos cometidos dentro do aparato de justiça criminal em nome do controle das drogas —como violência, tortura e prisões arbitrárias—, possibilidade de penas alternativas à prisão (presente em quase todos os países) ou esforços para a descriminalização.

Oito dos 30 países descriminalizaram o uso e a posse de drogas para consumo próprio, entre eles Costa Rica, Portugal, Jamaica e África do Sul. A Austrália tem legislações do tipo em algumas regiões, assim como a Índia, no estado de Sikkim —que abriga menos de 1% da população do país.

Na África do Sul, a descriminalização do cultivo e do consumo privado da maconha se deu em 2018, após quase um século de proibição. A planta já era popular entre povos tradicionais desde antes da chegada dos primeiros europeus à região, usada na medicina tradicional e em práticas religiosas.

"O plantio era um conhecimento passado de geração em geração, do qual comunidades inteiras dependiam", diz Philasande Mahlakata, ativista que advoga pelos direitos de pequenos produtores em Mpondoland, no leste do país. A proibição, segundo ela, queimou plantações e destruiu terras que não conseguem mais produzir comida como antes, além de ter forçado migrações e provocado aumento da violência.

No âmbito da saúde e da redução de danos, terceiro critério analisado, o estudo identificou que, "positivamente, a maioria das políticas e estratégias dos países explicitamente apoia a redução de danos".

O problema é tirar essas políticas do papel. O financiamento a serviços do tipo foi considerado adequado somente em cinco países: Canadá, Nova Zelândia, Noruega, Portugal e Reino Unido. O índice também aponta a desigualdade de gênero, orientação sexual e etnia no acesso a programas de redução de danos.

Por fim, o último critério analisado no ranking leva em conta o acesso a psicoativos de uso controlado para redução da dor. O levantamento aponta que países mais ricos contam com políticas de distribuição desses medicamentos, enquanto os mais pobres enfrentam falta de acesso a eles.

Ainda que no topo do ranking apareçam algumas das nações mais ricas do mundo, não é direta a associação entre renda e a efetividade das políticas de drogas. O Brasil, que integra o G20 e tem um dos maiores PIBs do mundo, por exemplo, está atrás de Uganda, Nepal e Moçambique.

"Há uma ligação entre renda e políticas de drogas em alguns aspectos, como acesso a medicamentos, mas em algum ponto a capacidade de resposta [às drogas] se desvincula do PIB", diz Matthew Wall, da Universidade de Swansea, no Reino Unido.

Para Marie Nougier, do IDPC (International Drug Policy Consortium), "não é só uma questão de países ricos versus países pobres, mas de como os governos escolhem alocar seus fundos".

ESTADO ALTERADO

Chapa Lula/Alckmin seria boa ideia, talvez boa demais para o Brasil de 2018, Celso Rocha de Barros - FSP

 Na última semana, Mônica Bergamo noticiou que Lula e Geraldo Alckmin discutem a formação de uma chapa para disputar a Presidência da República em 2022.

Sou a favor, mas tenho dúvidas se é possível. Talvez nós, como país, não tenhamos mais o nível de inteligência coletiva, senso de responsabilidade e caráter necessários para fazer algo assim.

É fácil imaginar uma chapa Lula-Alckmin entrando em curto-circuito porque as respectivas militâncias vão repetir os mesmos clichês cansados uns contra os outros, porque algum idiota como Sergio Moro vai entrar em cena dizendo: "Ó lá os políticos profissionais corruptos, não são como o Onyx que me pediu desculpas", ou porque a elite brasileira gosta dessa degeneração pestífera que é o Brasil de Bolsonaro.

O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e o ex-presidente Lula (PT), em inauguração de fábrica em 2014
O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e o ex-presidente Lula (PT), em inauguração de fábrica em 2014 - Zanone Fraissat - 23.jul.2014/Folhapress

De qualquer jeito, ao menos como exercício, vou explicar por que eu acho que a chapa Lula/Alckmin seria uma boa ideia.

Seria uma oportunidade de fazer o que Marina Silva chamou de "integração de legados", uma proposta de retomada do Brasil a partir do que deu certo desde a redemocratização nos diferentes governos.

Não é só juntar o ajuste macroeconômico do PSDB com a redistribuição de renda do PT, seria questão de atualizar cada uma dessas propostas para o momento atual. Seguem alguns exemplos de acordos que um governo Lula/Alckmin poderia costurar.

Como todo mundo menos a mula do Guedes sabe, a melhor proposta de reforma tributária é a de Bernard Appy, um raro ex-membro da equipe de Palocci que já era próximo do PT antes de 2002 e hoje está mais próximo dos liberais.

Appy foi o economista "ortodoxo" mais importante a declarar voto em Haddad no segundo turno de 2018. Sua proposta é especialmente favorável ao setor industrial, que todos concordamos que precisa ser recuperado. Se tivessem vencido 2018, tanto Alckmin quanto Haddad teriam bancado o projeto de Appy.

Nem PT nem PSDB conseguiram tributar os ricos. Hoje o consenso sobre a necessidade de fazê-lo é mais consolidado do que jamais foi. Pode ser feito.

O maior celeiro brasileiro de "terceiras-vias", a centro-esquerda nordestina (Tasso-Ciro-Camilo no Ceará, PSB em Pernambuco, Dino no Maranhão) fez um belo trabalho na área de educação nas últimas décadas. Em um debate recente, a potencial ministra Tábata Amaral propôs o programa "educação básica como a de Sobral, ensino médio como o de Pernambuco". Dá pra fazer.

Bolsonaro e Guedes já mataram o teto do Temer, mas deve dar pra bolar um limite de gastos razoável. É bom lembrar que o primeiro projeto desse tipo foi do petista Nelson Barbosa.

Se a esquerda tem que encarar de frente o problema fiscal, os liberais precisam bolar um projeto para o mundo do trabalho que não seja só desregulamentação.

Não vejo por que não existiriam acordos possíveis com os sindicatos sobre qualificação profissional, recolocação ou a dinamização de setores que geram "bons empregos". No longo prazo, a sindicalização é a melhor maneira de tornar a regulamentação estatal desnecessária.

Um governo Lula/Alckmin não precisaria ser um governo de imobilismo por ser centrista: transformações profundas podem ser negociadas. Mesmo se a chapa não sair, é de uma solução com esse espírito que o Brasil precisa para voltar, não ao que era, mas ao caminho para o que queremos que seja.