segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Voz de Trump, testemunha da ruinosa insurreição no Capitólio, vem ao Brasil, Elio Gaspari - FSP

 ​A repórter Beatriz Bulla revelou que deve chegar ao Brasil no próximo domingo Jason Miller, ex-porta-voz de Donald Trump. Vem divulgar sua rede social Gettr, criada para contornar a expulsão de Trump das grandes plataformas americanas. A Gettr tem 250 mil brasileiros listados. Entre eles estão Jair Bolsonaro e dois de seus filhos.

Miller foi uma testemunha privilegiada da ruinosa insurreição de 6 de janeiro, quando Trump tentou melar o resultado da eleição americana. Para quem viu o desfile do pelotão da fumaça em frente ao Palácio do Planalto na semana passada, o golpe de Trump era muito mais delirante.

À tarde, o vice-presidente Mike Pence presidiria a reunião do Senado que sacramentaria a eleição de Joe Biden.

Às 8h, Trump sabia que tinha milhares de seguidores em Washington e falou com Jason Miller. Esperava que Pence aceitasse as objeções dos republicanos e revertesse o resultado: “Faça isso, Mike. Esta é a hora da coragem”, tuitou.

Pouco depois, Trump ligou para Pence, mas o vice disse que não tinha poderes para tanto. Seu papel seria apenas cerimonial. “Você não tem coragem” respondeu Trump. Ele tinha um plano e foi para um comício perto da Casa Branca.

Por volta de 12h30, enquanto Trump discursava incitando a multidão, Pence soltou uma nota oficial informando que não reverteria o resultado da eleição. Às 12h58 começava a invasão da área do Capitólio.

Às 14h12 a multidão estava nos corredores. Alguns gritavam “Enforquem Pence”. O vice-presidente e os senadores foram retirados do plenário, e o vice foi levado para um lugar seguro. Trump tuitava: “Mike Pence não teve a coragem de fazer o que devia ser feito”.

Estava enganado. Agentes de segurança queriam levar Pence para uma base aérea, mas ele decidiu ficar no prédio. Às 16h, o vice-presidente telefonou para o secretário de Defesa informando que pretendia retomar os trabalhos e queria que o Capitólio estivesse livre dos invasores: “Mande a tropa, mande logo”.

Entre o instante em que Pence deixou o plenário do Senado e as 20h, quando voltou para sua cadeira, a insurreição estava contida. Passaram-se seis horas, durante as quais as instituições democráticas americanas foram postas à prova.

Donald Trump passou a maior parte do tempo grudado nas televisões. Com o tempo vai-se saber quem ligou para quem, dizendo o quê.

Às 21h, quando Pence já havia recomeçado a sessão que confirmaria a vitória de Joe Biden, Jason Miller começou a redigir uma nota na qual Donald Trump aceitava que se procedesse a uma “transição ordeira”.

Reconhecia a necessidade da transição, o que não significava que reconhecesse o resultado da eleição. Fosse qual fosse o plano que Donald Trump tinha na cabeça, estava acabado.

Durante as seis horas de caos em Washington, Bolsonaro pôs suas fichas no cavalo errado.

Ele disse o seguinte: “Eu acompanhei tudo hoje. Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual a minha resposta aqui. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás e a imprensa falou: ‘Sem provas, presidente Bolsonaro falou que foi fraudada as eleições americanas”.

Poucas vezes houve tamanha afinidade entre um presidente brasileiro e seu colega americano. Quando Bolsonaro disse que “sou ligado ao Trump”, apontava para uma conexão que vai além da simpatia.

Trump disse que o vírus foi uma criação chinesa. Bolsonaro também. (Fazendo-se justiça a Trump, ele só saiu com essa patranha depois que os chineses disseram que o vírus havia sido espalhado pelos americanos.)

Por mais delirante que Trump tenha sido em sua conduta durante a pandemia, não há vestígio de picaretas agindo com relativo sucesso na burocracia da saúde pública americana.

Trump encrencou com seu vice. Bolsonaro também.

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Trump quis militarizar o feriado de 4 de julho nos Estados Unidos botando tanques nos jardins da Casa Branca. Bolsonaro desfilou blindados fumacentos diante do Planalto.



Hélio Schwartsman Instituições pirrônicas, FSP

 14.ago.2021 às 14h00

As instituições estão funcionando? A pergunta é difícil de responder, porque tanto a palavra "instituições" como a expressão "estar funcionando" comportam múltiplas interpretações. "Instituições" pode designar tanto as estruturas formais, isto é, criadas por lei, pelas quais uma sociedade se organiza (Congresso, Judiciário), como os padrões de comportamento mais estáveis e valorizados que seus membros reproduzem (casamento, democracia, imprensa).

"Estar funcionando" não é menos polissêmico. Quando conjugado a "instituições" pode refletir diferentes níveis de expectativa. Os mais exigentes dirão que as instituições funcionam quando fazem com que todos os agentes se comportem como lordes ingleses numa partida de críquete. Os mais indulgentes dirão o mesmo quando elas conseguem prevenir rupturas constitucionais e a violência política.

Jair Bolsonaro está mais para ferrabrás sarraceno do que para lorde inglês, de modo que, pelo critério mais rigoroso, as instituições fracassaram miseravelmente. Mas foram capazes, até aqui, de evitar um golpe de Estado na acepção clássica.

O governo, por seus próprios deméritos, se enfraquece a cada dia, e a saída que Bolsonaro encontrou para não ser destituído foi entregar-se por inteiro ao centrão. E o centrão, como se sabe, faz muita coisa errada, mas destruir voluntariamente a democracia não é uma delas. Pelo critério mais flexível, as instituições estão, portanto, resistindo.

É claro que isso tem um preço. A democracia não foi formalmente rompida, mas se deteriorou bastante nestes dois anos e meio de Bolsonaro. E não foram só as instituições democráticas, formais e informais, que sofreram. O prejuízo foi enorme em várias outras áreas, com destaque para ambiente, educação e direitos humanos.

Se dá para falar em vitória das instituições, é uma vitória de Pirro: outra como essa e estamos perdidos.


LENIO LUIZ STRECK O Supremo deveria pôr fim às transmissões ao vivo dos julgamentos da corte? NÃO

  mais de década que a TV Justiça transmite as sessões do Supremo Tribunal Federal. Não tenho dúvidas de que esse procedimento trouxe benefícios. A Justiça se popularizou. Transmissões com audiência equiparável à TV aberta. Julgamentos célebres tiveram seus resultados universalizados.

Há críticas ao modelo. Entendo-as. Diz-se que os longos votos, na sua maioria lidos, além de, por vezes, enfadonhos, estendem o julgamento para além do tempo razoável.

O jurista e professor de direito Lenio Luiz Streck - Marcus Leoni - 5.mai.2019/Folhapress

As críticas são pertinentes. Não se mostra razoável assistir a votos, às vezes por mais de três horas. Pior: depois de sustentações orais em que advogados se esfalfam para mostrar as especificidades do caso, na grande maioria das vezes o relator simplesmente começa a ler o (longo) voto, ignorando o que foi dito na tribuna, fazendo transparecer um certo simulacro.

Isso tem de ser dito. Também, por vezes, longas citações apresentam apenas platitudes, que, tiradas fora, em nada alterariam o fundamento da posição do ministro.

Todavia, as ressalvas perdem na balança para os benefícios. E não se pode jogar fora a água suja com a criança junto. O modelo de transmissão permite acompanhamento pelos interessados. E a própria TV Justiça, por seus comentaristas diversos, busca urbanizar a árida “província do juridiquês”.

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Solução? Simples. Como qualquer programa de rádio ou TV, há de ter metodologia. Ninguém vai para um programa de TV contando com tempo livre para falar. O uso do tempo deve ser regrado.

A TV Justiça é pública. Não é dos ministros. Logo, parece evidente que, para a (boa) continuidade das transmissões, tenhamos um modelo previamente fixado, com tempo máximo —razoável— para uso da palavra. Pode até haver variações de tempo, desde que se saiba de antemão. E se o tempo dos ministros for estendido face à complexidade da causa, que o seja também o dos causídicos. Veja-se que há advogados que têm de ir ao STF várias semanas seguidas porque os longos votos triplica(ra)m os tempos das pautas, transformando-as em “pautas sine die”.

Alguém poderá fazer comparações do Brasil com outros países. Divirjo. Não se deve comparar ovos com caixa de ovos, como dizia Bobbio. Assim com não é bom comparar o modelo de presunção de inocência da Alemanha —ou dos EUA— com o do Brasil, também não tem sentido dizer que nos EUA nem se pensaria nesse tipo de transparência de julgamentos e que na Alemanha a Corte Constitucional se reúne a portas fechadas etc.

O modelo de TV do STF, denominado de TV Justiça, é um case de sucesso. Rádio e TV são hoje indispensáveis para a veiculação das notícias da corte, até para fazer frente “ao estado de natureza informacional das redes sociais”. Redes são importantes; porém, como qualquer remédio, podem causar danos. Afinal, linguagem é como um “pharmakon”, dizia Platão.

Janela do comitê de imprensa do Supremo Tribunal Federal (STF) mostra reflexo da transmissão da TV Justiça durante julgamento do mensalão - André Borges - 20.ago.12/Folhapress

Assim como a linguagem escrita é o remédio contra o fracasso da memória, a imagem transmitida pela TV é importante remédio para a preservação da memória institucional da Justiça e do aprimoramento da democracia. A TV Justiça contribui para o debate e a formação de uma esfera pública democrática.

Transparência nunca é demais. Quando fui promotor, os júris eram transmitidos pelo rádio. Isso ajudou as pessoas a entenderem, pelo menos um pouco, o que é a Justiça. E este é o caso da TV Justiça!