quarta-feira, 11 de agosto de 2021

ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO (KAKAY) E JULIANO BREDA - Os crimes de Bolsonaro, FSP

 Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Juliano Breda

Advogados criminais

Após os deliberados ataques à cultura, aos direitos humanos, ao meio ambiente e à democracia, o desmonte das universidades e dos sistemas de proteção das minorias, Jair Bolsonaro decidiu executar um programa necrófilo diante do mais duro teste civilizatório do nosso tempo. Enquanto assistíamos a altos esforços dos líderes mundiais no combate às causas e efeitos trágicos da pandemia de Covid-19, passamos a empilhar mais de 560 mil cadáveres e viver um sofrimento coletivo causado por um insano negacionismo.

A linha do tempo genocida é notória. Primeiro ignorou a seriedade da epidemia, minimizando com irresponsabilidade suas consistentes projeções internacionais. Passou ao curandeirismo oficial, com o estímulo de falsos tratamentos. Suprimindo a autonomia de ministros técnicos, o presidente avocou responsabilidades e optou pela ignorância em detrimento da ciência. O estímulo a aglomerações, o desrespeito às vítimas e a repulsa a sentimentos solidários aos familiares revelavam um execrável desprezo à vida.

Negligenciou a compra de vacinas, levantando suspeitas sobre sua comprovada eficácia. Vetou a obrigatoriedade de máscaras, permitiu o funcionamento de atividades econômicas não essenciais, desestimulou o isolamento social; condenou ações públicas imprescindíveis de contenção da pandemia, manipulou dados e promoveu desinformação, distorcendo estudos acadêmicos. Sob seu comando, a União falhou no contingenciamento de insumos médicos, causando a morte de cidadãos do Amazonas ao negar os esforços possíveis para o fornecimento urgente de oxigênio.

Seu governo, marcado por ódio, conspiração, racismo e corrupção, é uma vergonha para a imagem do Brasil no exterior.

Como se todo esse mosaico já não fosse insuportável, Bolsonaro passou a promover criminosas agressões à honra dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de ​Moraes, juristas e homens públicos de biografias exemplares. Não estamos diante apenas de calúnias pessoais, mas de um assalto à independência de um dos Poderes da República.

Esse método autoritário é antigo, desde a completa desestruturação pelo nazismo do Judiciário alemão, mediante o banimento dos juízes sociais-democratas, comunistas e judeus, passando pelo afastamento de membros de cortes supremas nas ditaduras latino-americanas —inclusive no Brasil, com a aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal Evandro Lins e Silva, Vitor Nunes Leal e Hermes Lima, decretada pela ditadura militar após a edição do AI-5.

Por esses episódios nefastos da história, a Assembleia Geral da ONU, em 1985, declarou que a independência da magistratura será garantida pelo Estado e consagrada na Constituição e que os juízes devem decidir todos os casos sem aliciamentos, pressões, ameaças ou intromissões indevidas.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem o dever de admitir o processo de impeachment, e a Procuradoria-Geral da República precisa cumprir sua obrigação constitucional e denunciar o presidente em razão dos diversos crimes que vem praticando ao longo dos últimos meses, responsabilizando Bolsonaro pelas mortes que causou e pelos graves atentados ao funcionamento do Poder Judiciário.

Antonio Delfim Netto - A era da pedra lascada, FSP

 Precatórios são dívidas de um ente público, reconhecidas pela Justiça e transitadas em julgado. Uma vez reconhecidas, a Constituição determina que constem do Orçamento federal para o pagamento no ano subsequente.

A dinâmica dos precatórios preocupa e deveria receber melhor atenção. O valor anual médio saiu de R$ 26 bilhões em 2009-14 para R$ 42 bi em 2010-20. Atingiu R$ 56 bi neste ano e projeta-se R$ 89 bi para 2022.
Como são despesas que fazem parte dos gastos obrigatórios sob o teto de gastos, que já opera com pouca margem, e como as despesas discricionárias, em torno de R$ 120 bi, já estão próximas ao limite inferior que permite o funcionamento da máquina pública, há pouco espaço de manobra. Mas seu aumento não é um "meteoro", dada a dinâmica recente e a maneira com que esses processos são acompanhados.

A questão de fundo, entretanto, é que não há como acomodar tal crescimento conjuntamente às demais demandas do Executivo e do Legislativo, meritórias ou não, como a expansão do Bolsa Família, o reajuste dos servidores, as vultosas emendas parlamentares, sem que se desrespeite nosso arcabouço fiscal.

É questionável se uma despesa da natureza dos precatórios, que não é passível de gestão e tem uma dimensão de imprevisibilidade, deveria estar dentro do teto de gastos. Mas assim consta da Constituição, e a gestão orçamentária deveria respeitar as regras. Se algo deve ser feito com relação a essa despesa em 2022, o que é discutível, excetuá-la do teto e recalculá-lo retroativamente poderia ser uma alternativa menos pior em termos de transparência e defensabilidade. Seria certamente superior à marotagem do parcelamento aliado à criação de um fundo extra orçamentário —uma operação de caráter duvidoso e odor ainda mais eleitoreiro.

A opção pelo parcelamento nada mais é do que a decisão unilateral de utilizar recursos de terceiros para pagar elevação de despesas sem que Executivo e Legislativo tenham que decidir prioridades, elevando ainda mais a insegurança jurídica.

No fundo, voltamos ao problema original que nos acompanha há décadas: o caráter "geológico" do Orçamento. A condição suficiente para um programa estar no Orçamento deste ano é que tenha estado no do ano anterior, e assim sucessivamente, cristalizando-se em camadas. Por indução regressiva, programas —sem nenhuma avaliação de eficácia— permanecem no Orçamento desde o instante em que um criador heroico fincou a sua bandeira na idade da pedra lascada.

O resultado desse processo orçamentário, cada vez menos transparente, é o inexorável desrespeito às regras fiscais.