sexta-feira, 23 de julho de 2021

Ruy Castro O trem que passa por cima, Ruy Castro FSP (divino)

 

Pobre general Luiz Eduardo Ramos! Respeitou o regulamento do Exército que reprova a presença de oficiais da ativa em cargos comissionados e, a um ano e meio da aposentadoria, abriu mão de uma digna reforma para ser ministro do governo Bolsonaro. Ele não sabia que não precisava disso —poderia ter feito como o general Eduardo Pazuello, que foi de farda e tudo para um ministério de bilhões sob vista grossa de seus superiores. E como o general Ramos poderia imaginar que Bolsonaro, tão seu amigo, iria virar-lhe as costas, como já fizera com outros sem os quais não teria chegado à Presidência?

Ramos não precisava ser um estrategista como Napoleão ou Nelson para saber o que o esperava. Bastar-lhe-ia computar as bofetadas verbais que Bolsonaro estalava todos os dias na cara de seu ex-ministro da Justiça Sergio Moro, principal avalista de sua eleição. Ou o chute que Bolsonaro aplicou no ex-senador Magno Malta, cuja oração ao pé do seu leito no hospital o levantara dos mortos depois da facada em Juiz de Fora. Ou em seu cabo eleitoral Gustavo Bebianno, que, ao se ver traído por Bolsonaro, literalmente morreu de desgosto.

Ramos poderia ter observado também o que Bolsonaro reservara a seus camaradas, os generais Rego Barros, Santos Cruz, Azevedo e Silva e Edson Pujol, o almirante Ilques Barbosa e o brigadeiro Antonio Carlos Bermudez. Todos foram despachados por Bolsonaro, talvez por não se provarem golpistas. Pois o fiel Ramos levou o bilhete azul por motivo ainda mais humilhante —porque, em troca de proteção, Bolsonaro teve de entregar seu cargo a um político daqueles que os militares acreditaram que ele iria combater.

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Que pena, nunca mais teremos pela TV a expressão de deslumbramento com que o general Ramos olhava para seu líder Bolsonaro —tão compenetrado que nem viu o trem que, como ele confessou, lhe passaria por cima.

Bem feito.


Hélio Schwartsman - Centrão no poder, FSP

 Ciro Nogueira na Casa Civil. Interessante. Nogueira não é um representante qualquer do centrão. Ele é o tipo ideal mesmo do político sem apego a nenhum ideário e que apoia qualquer governo, desde que receba contrapartidas em cargos e verbas. Quando acha que já extraiu tudo o que poderia extrair, não hesita em abandonar o dirigente ao qual fazia juras de amor eterno.

A Casa Civil tampouco é um ministério qualquer. Ela é a coluna vertebral do governo. Por ela passam todos os atos da administração, para avaliação técnica e política. Quando seu ocupante é habilidoso, torna-se também o lugar de costura dos acordos que sustentam o governo.

Ver Nogueira num ministério nem é tão surpreendente. Ele é um político bem típico daquilo que eleições costumam produzir e é com esses parlamentares que é preciso compor. Mas fica um ruído quando alguém como Nogueira vai para a Casa Civil da gestão de um presidente que prometera enterrar o toma-lá-dá-cá e que pusera seu general de estimação para cantar que todos os membros do centrão eram ladrões.

Para aqueles que, como eu, nunca esperaram nada de bom de Bolsonaro, temos mais uma confirmação de sua pusilanimidade. Mas, para aqueles que levaram a sério a campanha do capitão reformado, o convite a Nogueira deve soar como uma traição.

Momentos como esse podem ser didáticos. O cérebro tolera mal dissonâncias cognitivas, isto é, informações que vão de encontro a nossas expectativas. Quando elas ocorrem, há duas soluções possíveis. Ou o cérebro se pendura num pretexto qualquer para ignorar o dado que provoca a dissonância ou aproveita a ocasião para rever suas crenças, aproximando-as da realidade, num processo que alguns chamam de amadurecimento.

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Digo isso com conhecimento de causa. Foi uma dissonância dessas, 16 anos atrás, que me fez ver que o partido pelo qual eu tinha simpatias não era essencialmente diferente dos outros.


quinta-feira, 22 de julho de 2021

‘Voto impresso seria ótimo para os caciques políticos’, diz ex-presidente do TSE que implantou o voto eletrônico, OESP

 Sonia Racy

22 de julho de 2021 | 00h45

Carlos Velloso. Foto: Dida Sampaio

Presidente do TSE quando da implantação do voto eletrônico, nos anos 90, o agora ex-ministro Carlos Velloso, indagado ontem sobre as críticas ao sistema, ponderou que elas só acontecem “em razão do desconhecimento dos mecanismos de segurança da urna”, pois eles permitem “que ela seja auditada antes, durante e depois das eleições”.
Velloso, que também presidiu o STF (entre 1999 e 2001), tem repetido, em conversas e artigos, o que já era público há duas décadas. Primeiro, que o sistema é plenamente auditável.

Segundo, que hackers não têm como acessá-lo, visto que o processo de votação “não está em rede e não opera online”. Terceiro, que a equipe que criou o protótipo da urna era formada por técnicos experientes – e sete dos nove integrantes eram militares, do INPE, do ITA, do Exército e da Marinha. Quarto, a cada eleição cópias do resultado de cada urna são postos à disposição de fiscais dos partidos políticos e os relatórios são enviados direto ao TSE. Velloso alerta que o voto impresso, este sim, permite o acesso de pessoas às urnas. “O voto impresso seria ótimo para os caciques políticos”.

Como o responsável pela introdução da urna eletrônica, ainda nos anos 90, qual o balanço que faz dos ataques ao sistema?
Os questionamentos ocorrem em razão do desconhecimento dos mecanismos de segurança da urna, que fazem com que ela possa ser auditada antes, durante e depois das eleições. Em artigos recentes expliquei o funcionamento desses mecanismos. O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, também tem exposto, didaticamente, a matéria.

O presidente Bolsonaro agora parece admitir que o voto impresso não passará no Congresso. Acha que as críticas vão parar?
O fato é que muitos parlamentares ainda não conheciam até agora o funcionamento da urna eletrônica. Ela vem sendo utilizada há 25 anos sem nenhum indício de fraude.

O fato de que militares participaram da criação talvez possa reduzir as desconfianças, não?
O que posso dizer é que quando trabalhávamos, em 1995, nese projeto, eu presidia o TSE. Solicitei, então, a colaboração. Dos nove integrantes da comissão quatro eram do INPE, um do ITA, um do Exército e um da Marinha, todos atuando na área informática.

A impressão, em meios políticos, é que o ataque ao voto impresso é destinado simplesmente a desacreditar as instituições. Concorda com a visão?
Tenho me manifestado sobre esse tema com respeito ao princípio constitucional da impessoalidade. Falo de questões técnicas e jurídicas. Mas posso dizer que o voto impresso seria o retorno das fraudes. Ele é que quebraria o sigilo do voto, garantia constitucional de independência do eleitor. Seria ótimo para os caciques políticos deste País. / GABRIEL MANZANO