sábado, 10 de julho de 2021

No 1º mês de uso das câmeras 'grava-tudo', PM de SP atinge menor letalidade em 8 anos, FSP


SÃO PAULO

No primeiro mês de ampliação do programa de câmeras portáteis da Polícia Militar, que registram intervenções policiais em áudio e vídeo por meio de equipamentos acoplados ao uniforme, o estado de São Paulo atingiu o menor índice de letalidade policial em oito anos.

De acordo com dados inéditos obtidos pela Folha, caiu para 22 o número de mortes decorrentes a intervenção policial no mês de junho, menor índice da PM desde maio de 2013, quando ocorreram 17 registros. Essa marca alcançada no mês passado é, ainda, bem inferior à média de 50 óbitos dos primeiros cinco meses de 2021 —que já estavam em queda (veja quadro).

Parte dessa redução se deve ao resultado obtido nos 18 batalhões integrantes do programa Olho Vivo, que zeraram as mortes em confrontos. Nenhuma morte foi registrada nessas unidades. Quinze deles passaram a usar as câmeras no mês passado, incluindo os batalhões da Rota e Baeps (Batalhão de Ações Especiais de Polícia), com histórico de alto índice de letalidade —só a Rota tem 386 mortes acumuladas em confrontos desde 2016.

Também não houve, nesse período, nenhuma lesão corporal contra suspeitos provocada por disparos de arma de fogo. As seis que aconteceram se deram por outros motivos, como luta corporal.

Os equipamentos utilizados nesses 15 batalhões adicionados agora ao programa possuem uma tecnologia inédita no mundo que grava o turno de serviço em sua totalidade (grava tudo), não sendo necessário o acionamento manual por parte do PM.

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Um dos problemas do sistema anterior, que se repete em várias instituições policiais do mundo, é quando o agente deixa de ligar o equipamento em momentos cruciais e, assim, perde prova importante da ocorrência. No sistema atual não ocorre mais perdas acidentais.

Por ser apenas o primeiro mês de ampliação do programa de câmeras e, também, por existir outras medidas de redução de letalidade em andamento na corporação (como uso de armas menos letais, como as de choque), o comando da PM não atribui essa redução exclusivamente ao uso das câmeras no uniforme.

Até porque, por exemplo, não é a primeira vez que a Rota passa um mês sem um confronto letal, como aconteceu em novembro de 2018, quando esteve empregada no interior do estado para evitar o resgate de presos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital). Por outro lado, em abril de 2019, o batalhão registrou 19 mortes em confrontos —11 delas foram na operação de Guararema contra uma quadrilha de furtadores de caixas eletrônicos.

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Policiais militares mostram câmeras instaladas nos uniformes, em São Paulo, sistema transmite imagens em tempo real ao Copom - Rubens Cavallari/Folhapress

Ainda segundo a PM, o reflexo das câmeras no policiamento está sendo estudado por um grupo de acadêmicos da USP (Universidade de São Paulo) e da FGV (Fundação Getulio Vargas) para entender as movimentações dos números, incluindo de produtividade.

“É muito injusto dizer: ‘Olha, a polícia passou a usar câmera, diminuiu o uso da força, porque o policial é mau policial’. Não. Todos os policiais são maus policiais? Como ficaria se a gente analisasse esses 18 batalhões, com uma queda significativa de uso da força, e a gente pensasse que esses 6.000 policiais são maus profissionais? Não é isso. As pessoas precisam entender esse fenômeno [de queda]”, diz o coronel Robson Cabanas Duque, gerente do programa Olho Vivo e um dos principais especialistas do país em câmeras corporais.

Ainda segundo o coronel da PM, que estuda o uso de câmeras pelas polícias do mundo desde 2010, as análises apontam que não só o policial muda seu comportamento nas abordagens quando sabe que está sendo filmado, mas, também, a própria população.

“As pessoas tendem a se comportar de uma maneira mais pacífica. O uso da força pela polícia só ocorre quando há uma desobediência. O policial dá uma ordem, e a pessoa desobedece. Ele conversa, a pessoa desobedece, até um momento que ele precisa usar a força”, diz.

Essa mudança de comportamento, segundo Cabanas, não se refere apenas a policiais que comentem abusos, mas, também, a agentes que não seguem as normas internas e acabam se colocando em situação de confronto desnecessariamente, como na prisão de criminoso armado.

“Porque existem muitas coisas que o policial faz que não são criminosas, estão dentro das excludentes de antijuridicidade, mas tecnicamente é inaceitável.”

Até agora, de acordo com a PM, a tropa tem aceitado os equipamentos de maneira positiva. O único problema verificado foi o preenchimento impreciso de alguns dados nos arquivos de vídeo, mas nada que prejudique o programa, segundo a corporação.

Outra questão que será trabalhada com os agentes é a divulgação de falsas informações acerca do sistema, como supostas falhas de segurança no armazenamento de imagens (que são invioláveis) e que o programa também serviria para fiscalização disciplinar, como verificar uso do uniforme.

“O objetivo do sistema é proteger o policial, garantir a transparência para a população, fazer com que o comportamento do policial se torne cada vez mais profissional, respeitando as nossas normas, e fortalecer as provas judiciais”, diz o coronel.

De acordo com a PM, até agora foram implantadas 3.000 câmeras nessas 18 unidades. Há ainda uma licitação em andamento para a aquisição de outros 7.000 equipamentos, a serem usados por policiais da capital e Grande São Paulo até o começo do 2022.

“Para o mau policial, é um inferno na vida dele. Acabou. Essa pessoa vai pedir baixa [demissão]”, afirma Cabanas.

As câmeras custam R$ 1,2 milhão ao mês para o estado. O orçamento anual da PM de São Paulo gira em torno de R$ 16 bilhões. “É caro, se você falar em investimento em segurança pública,. Mas, para mim, vale cada centavo. Eu acho que é um dinheiro que o povo de São Paulo está colocando em algo extremamente valioso para uma sociedade democrática”, disse o PM.

Para o ouvidor da Polícia, Elizeu Soares Lopes, a implantação das câmeras corporais no serviço de policiamento só tem pontos positivos pois “possibilita dirimir qualquer controvérsia que eventualmente possa existir sobre alguma abordagem policial.”

“O bom policial, e a maioria é boa, não teme a câmera, pelo contrário. Isso é instrumento importante. E a população fica protegida porque vai exigir que o policial tenha um comportamento condigno, conforme os padrões os protocolos da própria polícia”, afirma o ouvidor.

Ainda segundo Lopes, as câmeras também poderão registrar ataques injustos feitos contra os policiais por parte, inclusive, de autoridades que não respeitam o trabalho do PM.

“Lembra daquele caso dos guardas municipais de Santos que foram humilhados pelo desembargador, hostilizados pelo desembargador? Imagine se aquelas cenas não tivessem vindo à tona, será que aqueles guardas ainda estariam empregados?”, questiona.

Lopes se refere ao episódio envolvendo o desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, que ao ser repreendido e multado por andar sem máscara, chamou o agente de fiscalização de analfabeto, rasgou a multa e ainda reclamou da punição comunicando ao secretário de Segurança da cidade, Sérgio Del Bel Júnior.

De acordo com a PM, o programa de câmeras é algo que não tem volta.

 

A crise está contratada, editorial, OESP

 Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

10 de julho de 2021 | 03h00

Considerado um “mau militar”, Jair Bolsonaro saiu do Exército em desonra para entrar na política de forma explosiva. Sua longa e desenxabida carreira no Poder Legislativo ficou notabilizada pela politicagem miúda, pela vulgaridade e pelo desrespeito aos princípios mais comezinhos da democracia. Ao longo dos últimos 33 anos, sempre que Bolsonaro chamou a atenção para sua figura foi por razões que envergonhariam os grandes nomes que ajudaram a escrever a história do Parlamento brasileiro.

Ora, se entrou na política estimulando a baderna, construiu sua bem-sucedida (do ponto de vista pessoal) carreira parlamentar lamentando o fato de no Brasil viger plena democracia e chegou à Presidência da República como um líder sectário, por que cargas d’água Bolsonaro haveria de sair dela como um estadista?

Semana sim e outra também, o presidente tem lançado suspeitas sobre a higidez do sistema eleitoral eletrônico, que, segundo ele, seria suscetível a fraudes. Isto não é outra coisa se não pretexto para criar mais confusão no País caso não seja reeleito. E Bolsonaro tem razões para ficar preocupado com esta possibilidade. Pesquisas de intenção de voto realizadas por diferentes institutos têm indicado que não é mais remota a possibilidade de Bolsonaro sequer chegar ao segundo turno da eleição de 2022. Evidentemente, ainda falta tempo para o pleito e tudo pode mudar. Fato é que a rejeição sofrida pelo incumbente, pesquisa após pesquisa, tem caminhado mais para o ponto de irreversibilidade do que de inflexão.

Em entrevista à Rádio Guaíba na quarta-feira passada, Bolsonaro tornou a dizer mentiras sobre nosso sistema eleitoral e a ameaçar a Nação. “Sem o voto impresso, algum lado pode não aceitar o resultado (da eleição). Esse lado, obviamente, é o nosso lado”, disse o presidente.

É muitíssimo grave que o presidente da República diga com 1 ano e 4 meses de antecedência que a eleição de 2022 só será limpa se ele sair vitorioso. Como se não bastasse, Bolsonaro acusou o Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de fazer parte de um conluio para permitir a volta do petista Lula da Silva à Presidência.

“Não podem botar em votação (o voto impresso) porque vão perder por causa da interferência do ministro Barroso, um péssimo ministro”, disse Bolsonaro à Rádio Guaíba. “Quando Barroso vai negociar com lideranças partidárias para que não tenha voto impresso, o que ele quer com isso? Fraude nas eleições”, afirmou o presidente. Bolsonaro encerrou a entrevista com nova ameaça: “Sem voto auditável, haverá problemas”. Que problemas seriam estes? Até quando a Nação aceitará este tipo de chantagem vindo da mais alta autoridade da República?

O ministro Barroso não respondeu. Coube ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, dar a devida resposta institucional ao ataque proferido por Bolsonaro. “O Supremo Tribunal Federal ressalta que a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição a qualquer brasileiro, deve conviver com o respeito às instituições e à honra de seus integrantes, como decorrência imediata da harmonia e da independência entre os Poderes”, disse Fux por meio de nota. “O STF rejeita posicionamentos que extrapolam a crítica construtiva e questionam indevidamente a idoneidade das juízas e dos juízes da Corte Suprema”, concluiu o ministro.

A despeito de seu comportamento reprovável, por vezes repulsivo, Bolsonaro obteve sucessivos êxitos eleitorais. E não apenas para si, mas também para sua prole masculina, que não trai sua origem. É lícito inferir, portanto, que no entender do presidente o estímulo à confusão e a agressividade são ativos importantes para a construção de uma carreira política de sucesso. Afinal, Bolsonaro foi eleito mandatário supremo do País sendo exatamente quem sempre foi.

Fiel à sua natureza, Bolsonaro segue estimulando a balbúrdia e já contratou a crise do próximo ano. Se será uma grave crise institucional ou choramingo de um eventual mau perdedor, as forças vivas da Nação vão dizer.

Presidentes de partidos reagem a ataques de Bolsonaro às eleições; Lira critica ‘oportunismo’, OESP

 Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

10 de julho de 2021 | 11h27
Atualizado 10 de julho de 2021 | 13h34

BRASÍLIA – Um dia após declarações do presidente da República Jair Bolsonaro suscitar nova ameaça à democracia e desencadear fortes reações no Congresso e Judiciário, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, fez declarações sobre a força das instituições, oportunismo e responsabilidade dos membros de poderes nas redes sociais. Sobre as eleições de 2022, o deputado afirmou ainda que o eleitor é quem dará o veredito. Além de Lira, um grupo de oito dirigentes partidários divulgou uma nota em defesa da democracia e dizem que nenhuma forma de ameaça a ela "pode ou deve ser tolerada".

“Nossas instituições são fortalezas que não se abalarão com declarações públicas e OPORTUNISMO. Enfrentamos o pior desafio da história com milhares de mortes, milhões de desempregados e muito trabalho a ser feito. Em uma hora tão dura como a que vivemos hoje, saibamos todos que o Brasil sempre será maior do que qualquer disputa política. Tenhamos todos, como membros dos poderes republicanos, responsabilidade e serenidade para não causar mais dor e sofrimento aos brasileiros”, escreveu Lira no Twitter, neste sábado, 10.

O tom das declarações de Lira é mais ameno do que o repúdio demonstrado pelos seus demais colegas às falas do chefe do Executivo, depois que, na sexta-feira, 9, Bolsonaro subiu o tom e chamou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)Luís Roberto Barroso, de “imbecil” e “idiota”. Integrantes da cúpula dos Poderes fizeram questão de condenar publicamente a atitude, considerada golpista, e só aventada por quem é “inimigo da Nação”.

Alvo dos xingamentos, Barroso divulgou uma nota na qual destaca que a tentativa de impedir as eleições configura “crime de responsabilidade”, primeiro passo para a abertura de um processo de impeachment contra o chefe do Executivo. Ao Estadão, o presidente do TSE afirmou que pode assegurar a disputa de 2022. “Eu não paro para bater boca. Cumpro o meu papel pelo bem do Brasil. Mas eleição vai haver, eu garanto”, afirmou Barroso, que também integra o Supremo Tribunal Federal (STF).

Arthur Lira
Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

Eleito presidente do Senado com o aval do Palácio do Planalto, assim como Lira, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) se distanciou afirmou que não aceitará retrocessos ao estado democrático de direito. Foi também uma resposta às últimas manifestações das Forças Armadas.

“Todo aquele que pretender algum retrocesso ao Estado democrático de direito, esteja certo, será apontado pelo povo brasileiro e pela história como inimigo da Nação”, afirmou Pacheco. “As eleições são inegociáveis”, afirmou Pacheco. 

As declarações de Bolsonaro na sexta-feira vieram na esteira da iminência da mudança constitucional para a adoção do voto impresso ser derrotada na Câmara. Ainda no Twitter, Lira falou sobre o papel da Casa presidida por ele ser um espaço para diálogo.

“A Câmara avançará nas reformas, continuará a ser o poder mais democrático e plural do país e não se deixará levar por uma disputa que aprofunda ainda mais a nossa crise. A Câmara será sempre a voz de um povo livre e democrata e sempre estará pronta para ajudar o Brasil a continuar a crescer e se encontrar com seu destino de país desenvolvido e socialmente justo”, disse.

O presidente da Câmara também citou as eleições. “Deixemos que o eleitor tenha emprego e vacina, que deixe o seu veredito em outubro de 2022 quando encontrará com a urna; essa sim, a grande e única juíza de qualquer disputa política. O nosso compromisso é e continuará sendo trabalhar pelo crescimento e a estabilidade do país”, escreveu.

Dirigentes partidários

Presidentes de oito partidos da chamada terceira via também divulgaram uma nota em defesa da democracia e do direito do voto após as declarações do presidente Bolsonaro. Na nota, os dirigentes, incluído o do ex-partido de Bolsonaro, o PSL, ameaçam fazer oposição ao governo.

“Quem se colocar contra esse direito (eleições) de livre escolha do cidadão terá a nossa mais firme oposição”, dizem os presidentes de partidos ACM Neto (DEM), Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PSDB), Eduardo Ribeiro (Novo), José Luiz Penna (PV), Luciano Bivar (PSL), Paulinho da Força (Solidariedade) e Roberto Freire (Cidadania).

Na nota, os presidentes de partidos falam também sobre a democracia. “A Democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista inegociável.  Nenhuma forma de ameaça à Democracia pode ou deve ser tolerada. E não será. Nas últimas três décadas, assistimos a muitos embates políticos, tivemos a sempre salutar alternância de Poder, soubemos conviver com as diferenças e exercer com civilidade e responsabilidade o sagrado direito do voto”, escrevem.

Seis desses mesmos dirigentes compõem o grupo de 11 signatários de uma carta contra a adoção do voto impresso, proposta em discussão na Câmara. Na nota deste sábado, 10, eles reafirmaram a confiança no sistema atual de votação.

“Temos total confiança no sistema eleitoral brasileiro, que é moderno, célere, seguro e auditável. São as eleições que garantem a cada cidadão brasileiro o direito de escolher livremente seus representantes e gestores.  Sempre vamos defender de forma intransigente esse direito, materializado no voto.”

Assinam o documento:

  • ACM Neto (Democratas);
  • Baleia Rossi (MDB);
  • Bruno Araújo (PSDB);
  • Eduardo Ribeiro (Novo);
  • José Luiz Penna (PV);
  • Luciano Bivar (PSL);
  • Paulinho da Força (Solidariedade);
  • e Roberto Freire (Cidadania).

Leia abaixo a íntegra da nota.

"A Democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista  inegociável. 

Nenhuma forma de ameaça à Democracia pode ou deve ser tolerada. E não será. 

Nas últimas três décadas, assistimos a muitos embates políticos, tivemos a sempre salutar alternância de Poder, soubemos conviver com as diferenças e exercer com civilidade e responsabilidade o sagrado direito do voto. 

Temos total confiança no sistema eleitoral brasileiro, que é moderno, célere, seguro e auditável. 

São as eleições que garantem a cada cidadão brasileiro o direito de escolher livremente seus  representantes e gestores. 

Sempre vamos defender de forma intransigente esse direito, materializado no voto. 

Quem se colocar contra esse direito de livre escolha do cidadão terá a nossa mais firme oposição."