quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Hélio Schwartsman A guerra das vacinas, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

A "vacina inglesa do Bolsonaro" (Oxford/AstraZeneca) não é nenhuma maravilha. Registrou só 70% de eficácia na melhor interpretação dos dados do estudo de fase 3. Já os resultados da "vacina chinesa do Doria" (Coronavac) devem ser divulgados nos próximos dias.

Por não ter chutado um pênalti para fora, João Doria está na frente de Jair Bolsonaro na disputa, mas não há nenhuma certeza de que sua vacina será certeira. O padrão-ouro em imunização contra a Covid-19 é, por ora, o das vacinas da Pfizer e da Moderna, que conferiram em torno de 95% de proteção nos ensaios clínicos.

O governo federal, que apostara todas as fichas no imunizante da Oxford, não adquiriu nenhuma dose do produto da Moderna e tenta agora um acordo de última hora com a Pfizer, mas dificilmente conseguiremos um lote para logo. Outros países foram mais rápidos. O Canadá, por exemplo, fez tantos acordos que já computa dez doses de imunizantes para cada habitante.

O Brasil também deixou de fazer a lição de casa num item muito mais básico, que é a compra de seringas, agulhas etc., coisas que sabíamos serem necessárias qualquer que fosse o imunizante a utilizar, mas que o ministro da Saúde especializado em logística preferiu ignorar.

E esse é o ponto a que eu queria chegar. O Brasil, que até há pouco era um país conhecido pela excelência de seu programa de imunizações, corre o risco de ficar sem vacinas e sem insumos para aplicá-las.
Um dos principais motivos para a decadência é Jair Bolsonaro. Além da ignorância militante da qual parece orgulhar-se, o presidente trabalhou incansavelmente para minar a estrutura de órgãos como o Ministério da Saúde, que agora faz falta.

O problema é que Bolsonaro só consegue ver o mundo sob a chave "no que isso beneficia a mim e à minha família?" e, por esse critério, é mais urgente atrapalhar o governador paulista do que imunizar a população brasileira.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Governo põe até R$ 2,2 bi na Ferrogrão para reduzir risco, O Globo

 Na tentativa de superar a desconfiança do mercado e tirar do papel a Ferrogrão, projeto com 933 quilômetros de extensão entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), o governo desenhou um mecanismo inédito nas concessões de ferrovias. A ideia, formulada pelo Ministério da Infraestrutura, é colocar à disposição da futura concessionária até R$ 2,2 bilhões em recursos da União para bancar os chamados "riscos não gerenciáveis" do empreendimento.

Com isso, a equipe do ministro Tarcísio Freitas espera dar mais segurança a potenciais investidores na Ferrogrão e viabilizar o projeto, que busca impulsionar o Arco Norte como rota de escoamento para a produção agrícola.

Esses recursos devem ficar à margem do Orçamento Geral da União, numa conta vinculada, a partir da outorga que será paga pela mineradora Vale na renovação antecipada de duas concessões ferroviárias: a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM). Ambas já tiveram suas prorrogações, por 30 anos, autorizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e os novos contratos devem ser firmados nas próximas semanas.

Dentro da sistemática de extensões contratuais antecipadas em troca de contrapartidas, o governo exigiu da Vale um investimento cruzado na expansão da malha ferroviária nacional. Ela terá que construir, por sua conta e risco, um trecho Integração do Centro-Oeste (Fico).

Mesmo com essa obra, segundo a modelagem aprovada, vão sobrar R$ 2,2 bilhões em outorga livre que deverão ser pagos pela mineradora de forma parcelada ao governo. Em julho, quando o plenário TCU fez a análise das prorrogações de Carajás e da Vitória-Minas, houve uma recomendação inesperada. Os ministros sugeriram ao governo usar o dinheiro na construção de um novo ramal ferroviário da EFC, no Maranhão, entre Balsas e Estreito.

As recomendações do órgão de controle, no entanto, são diferentes das determinações e podem não ser acatadas pelo Poder Executivo. Foi o que ocorreu. Na semana passada, o Ministério da Infraestrutura respondeu ao tribunal que esse novo trecho não faz parte das suas prioridades imediatas e comunicou a intenção de utilizar os R$ 2,2 bilhões da outorga livre de outra forma.

Esses recursos, conforme a proposta de Tarcísio e sua equipe, vão diretamente para uma conta vinculada ao projeto da Ferrogrão. Serão desembolsados pelo governo à concessionária caso ela encontre percalços no meio do caminho. Podem entrar na lista compensações ambientais que extrapolem as estimativas originais, aumento de custo com as desapropriações necessárias, um risco de demanda totalmente fora do padrão. Nesse último exemplo, pensa-se em uma eventual quebra de safra agrícola por razões climáticas, que comprometa decisivamente as receitas projetadas da concessionária.

A secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa, explicou ao Valor que as características da Ferrogrão limitam o escopo de reequilíbrios econômicos-financeiros que estendam a vigência da concessão.

A nova ferrovia requer um investimento inicial estimado em R$ 8,4 bilhões e o contrato já dura 69 anos. Com esse perfil, se houver alguma necessidade futura de reequilíbrio, não adianta ampliar a concessão. A operadora, segundo Natália, precisaria mesmo de algo que recomponha seu fluxo de caixa no curto prazo - principalmente nos primeiros anos do contrato.

Essas dúvidas, afirmou a secretária, apareceram fortemente no "road show" que o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) fez com potenciais interessados na Ferrogrão. "Isso [o novo mecanismo] diminui bastante a percepção de risco e nos parece que atende bem tanto investidores quanto financiadores do projeto."

No início de agosto, o "road show" - organizado em meio virtual por causa da pandemia - teve participação de 11 grupos com perfil de operador, controlador da concessão ou executor das obras. Entre eles, estavam gigantes como a japonesa Sumitomo, as chinesas CCCC e Crec 10, as espanholas Acciona e Sacyr, a italiana Impregilo, as brasileiras CCR e Ecorodovias, o Pátria Investimentos e a Hidrovias do Brasil.

No resumo executivo feito pelo PPI após as conversas, algumas dúvidas apontadas pelas empresas abordam exatamente esses pontos. Houve menção, por exemplo, aos riscos de "custos exorbitantes impostos no processo de licenciamento ambiental, achados espeleológicos [formação de grutas e cavernas], arqueológicos". Também surgiram questões fundiárias: "Apesar do custo baixo estimado de desapropriação, há riscos causados pela incerteza quanto ao tempo para liberação das áreas, sobreposição de matrículas, proprietários efetivos, limites das propriedades e regularização fundiária".

Os estudos de viabilidade e a minuta de edital da Ferrogrão, que já foram debatidos em audiência pública da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), estão agora no TCU. A expectativa do governo é leiloar o projeto e assinar o contrato de concessão ainda em 2021.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/12/08/gover...

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Fora das sombras, Cecilia Machado, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

A mais recente divulgação dos dados sobre o mercado de trabalho revelou alguma recuperação, mas não em magnitude suficiente para compensar as enormes perdas que se deram desde o início do ano.

No líquido, o mercado de trabalho está menor e mais desigual. Pela Pnad Contínua, são 11,3 milhões de empregos a menos, comparado a igual trimestre em 2019, quando tínhamos 93 milhões de pessoas ocupadas, com perdas que se concentram nos jovens, nas mulheres e nos menos escolarizados.

Carregamos para 2021 o desafio de recompor os muitos empregos perdidos durante a pandemia. O auxílio emergencial certamente ajudou na reposição da renda e na sustentação da economia nos últimos meses, mas não trará os empregos de volta. Afinal, a informalidade, a alta rotatividade do emprego, a precariedade das relações trabalhistas e a baixa produtividade da economia têm raízes muito mais profundas. Não chegaram com a pandemia, nem vão embora com ela.

Na coluna anterior, argumentei que o auxílio emergencial, como política assistencial aos informais, veio acompanhado de diversas ineficiências. A concessão do benefício foi baseada em regras pouco verificáveis, como vínculos familiares e rendas recebidas, o que resultou em erros de inclusão e em um orçamento muito maior do que havia sido previsto para o programa.

O Ministério da Cidadania divulgou recentemente que cerca de 2,6 milhões de CPFs receberam o auxílio de forma indevida. O número verdadeiro promete ser muito maior que esse, já que a economia informal continua passando longe dos olhos do governo.

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Mas há mais. Outro aspecto pouco desejável do auxílio emergencial é o prejuízo que traz à formalização dos vínculos trabalhistas. Intuitivamente, um programa de transferência de renda que direciona recursos aos informais estimula a subdeclaração de rendas, diminuindo os benefícios da carteira assinada. Acaba por reforçar ainda mais a informalidade, em vez de combatê-la.

Critérios de acesso a benefícios que são baseados na segmentação do mercado de trabalho —formal versus informal— ou que punem de forma abrupta aqueles que recebem renda do trabalho aumentam ainda mais os incentivos à informalidade, atuando na direção oposta ao que é eventualmente pretendido.
A dualidade formal-informal que persiste no nosso mercado de trabalho é herança de um sistema com regras antigas, complexas e severamente detalhadas para as relações trabalhistas.

A Constituição de 1988, por exemplo, incorporou uma série de garantias aos trabalhadores, mas continuou deixando de fora todos aqueles sem a sorte da carteira assinada. À margem da lei, abriu-se espaço para a exposição excessiva desses trabalhadores aos ciclos econômicos, sem nenhuma proteção ou seguro
quando perdem seus empregos.

O auxílio emergencial, nos moldes atuais, remedia essa injustiça, mas o faz ampliando ainda mais a distinção entre esses dois tipos de trabalhador, ao mesmo tempo que aproxima os informais da rede de assistência dos pobres, o Bolsa Família.

Alternativamente —e melhor—, também é possível deixá-los mais perto dos trabalhadores amparados pela seguridade social em reformulação distinta ao auxílio, que incentiva —e não penaliza—
a economia formal.

É importante lembrar que os informais são trabalhadores com capacidade de geração de renda. Ainda que
estejam sujeitos à maior volatilidade de rendimentos, estão longe de constituir população que fica permanentemente sem emprego, em situação de pobreza ou dependente de assistências sociais.
A natureza da informalidade é bastante distinta da situação de pobreza, e, como tal, demanda ações e
soluções diferentes.

A prorrogação do auxílio emergencial não é inevitável, e existem algumas outras boas propostas na mesa, como o Programa de Responsabilidade Social, desenhado pelo Centro de Debates de Política Públicas e posto agora em discussão no Senado, que contemplam a natureza dos vínculos e seguros relacionados ao emprego de forma adequada.

Dar visibilidade aos informais não significa torná-los visíveis em cadastros assistenciais ou relegados ao
subemprego. Envolve, ao contrário, tirá-los das sombras, visíveis à seguridade social e a todos os benefícios da carteira assinada.

Cecilia Machado

Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV.