segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Acabar com dinheiro pode reduzir ataques, Ronaldo Lemos, FSP

 Nos últimos dias os habitantes das capitais do país acompanharam estarrecidos ao ataque à cidade de Criciúma em Santa Catarina, que gerou uma madrugada inteira de violência na cidade e mostrou a capacidade de planejamento, coordenação e força do crime organizado.

Para quem vive no interior do Brasil, esse tipo de ataque não é novidade nenhuma. Há mais de 6 anos há registro de ações similares que ganharam até apelidos regionalizados. Na região centro-oeste, por exemplo, os ataques coordenados a cidades do interior ficaram conhecidos como “novo cangaço” e vitimaram muitas cidades pequenas e médias da região, com violência similar à de Criciúma.

Várias sugestões surgiram sobre a forma de combater e prevenir esse tipo de crime. Dentre elas a ideia de que o caminho seria armar a população para responder. É difícil imaginar um exército de "gente de bem" armada fazendo frente a bandidos equipados com fuzis táticos, explosivos e estratégia de guerra.

Como muito bem disse Silvio Meira, professor emérito de ciência da computação da Universidade Federal de Pernambuco, todas essas ações têm um elemento em comum: elas são articuladas para roubar papel. Em outras palavras, esse tipo de ação só continua a existir porque o país ainda está longe de promover uma digitalização dos meios de pagamento e a redução de papel moeda como outros países vêm fazendo.

Em resumo, para acabar de vez com ações violentas como essa que se tornaram epidêmicas no Brasil é preciso reduzir a dependência de dinheiro físico. Para isso não é preciso acabar totalmente com o dinheiro em papel. Bastaria fazer com que os custos de uma ação como essa se tornassem proibitivos. Por exemplo, eliminando as cédulas de valor mais elevado, como as de R$ 100 e R$ 200.

Cédulas de alto valor são raríssimas nas mãos da maioria absoluta da população do país. Ao contrário, são muito comuns e úteis nas mãos de integrantes do crime organizado, sonegadores de impostos e políticos corruptos.

Ou seja, uma política pública eficiente seria planejar e implementar o ocaso do papel como meio de pagamento no país e sua substituição crescente por meios de pagamento digitais.

O lançamento do Pix foi um passo importante para isso. O lançamento do aplicativo Caixa Tem também teve efeito muito positivo nesse sentido. A questão é que falta ainda uma decisão clara de política pública nesse sentido. Faz muito mais sentido que o dinheiro que circula no dia a dia seja composto por cédulas menores usadas em transações pequenas e as transações de maior valor se convertam todas em transações digitais.

Estão caminhando nesse sentido países tão diversos como o bloco Suécia, Noruega, Dinamarca, a Índia e e a China e também a Inglaterra. Por exemplo, hoje na Suécia apenas 15% dos pagamentos envolviam dinheiro em papel. O plano é reduzir continuar a reduzir esse percentual ano a ano. Em outras palavras, crimes digitais existem e podem causar prejuízos financeiros enormes. Mas uma coisa é certa: ninguém investe em fuzis, explosivos e captura de cidades inteiras para cometê-los.

Já era – economia totalmente baseada em papel

Já é – digitalização da economia e dos meios de pagamento

Já vem – integração crescente das criptomoedas e do chamado DeFi (Descentralized Finance) à economia

Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Sempre tem um 'se' ou um 'mas' ocultos, Marcia Dessen, FSP

 Todos os dias me deparo com propagandas que tentam atrair a nossa atenção contando apenas um lado da história, o positivo. Informações que não ajudam ou atrapalham as vendas são simplesmente omitidas. Vejamos alguns exemplos.

“A vantagem dos planos de previdência em relação aos fundos de investimento é a inexistência do come-cotas”, mecanismo que cobra o Imposto de Renda antecipadamente. Mas o anúncio omite aspectos desfavoráveis, como a carência de 60 dias entre um resgate e outro.

As plataformas de investimento procuram atrair investidores sugerindo “aplicação em renda fixa sem custo”. É verdade que os depósitos bancários, como CDB, LCI e LCA, não cobram corretagem nem taxa de administração. Mas, a instituição ganha um spread quando compra o título do esmissor a 120% do CDI, por exemplo, e o vende a 110% do CDI, ficando com a diferença. Um custo disfarçado.

“Você não paga para abrir e manter sua conta, investe em Tesouro Direto, renda fixa e FIIs com taxa zero.” As letras pequenas explicam os asteriscos e lá está a informação completa: “A corretagem zero é válida apenas para ordens executadas pelo próprio cliente nas nossas plataformas digitais. Consulte as taxas operacionais variáveis cobradas para ordens executadas pelos canais de atendimento”.

A tabela revela os valores fixos cobrados, adicionados de um percentual sobre o volume investido, além de informar o valor mínimo de taxa operacional. Para pequenos investidores, um custo inviável que pode reduzir ou anular eventuais ganhos.

Com a alta dos últimos meses, o “investidor já recuperou as perdas na Bolsa”. Isso se aproxima da verdade se o investidor aproveitou a queda para comprar mais e recompor o percentual que tinha em ações quando a desvalorização ocorreu.

Quem aplicou R$ 10.000 em fevereiro, por exemplo, “perdeu” 45% do capital investido em março. Se o investidor não fez nada, mantendo a posição de R$ 5.500 esperando recuperar a perda, só voltará ao ponto de partida quando o Ibovespa subir 80% em relação ao piso de março.

“Poupança perde para a inflação”; quem limita o comentário crítico à poupança se esquece de listar as diversas aplicações que não entregaram rentabilidade real e também perderam para a inflação, como alguns fundos e planos de previdência que cobram taxa de administração elevada e depósitos bancários, sem falar da rentabilidade negativa dos produtos de renda variável, mas só a poupança leva a pecha de produto ruim.

“Compre seu carro ou sua casa sem pagar juros” é a chamada dos anúncios que vendem consórcio. É verdade que não pagamos juros como em um financiamento tradicional. Mas pagamos taxa de administração sobre o valor total da carta de crédito, independentemente do valor depositado. Dizer que consórcio é investimento, ah, nesse caso não é omissão, é mentira.

Para fechar com chave de ouro, título de capitalização. Dois exemplos, o primeiro, em texto conceitualmente correto, diz: “Você guarda dinheiro para realizar os seus sonhos, concorre a prêmios e ainda recebe seu dinheiro de volta no final”.

Outro, menos correto, informa que, “ao final do plano, recebe todo o seu dinheiro de volta corrigido monetariamente”. Mas deixa de esclarecer que o rendimento incide apenas sobre parte do valor acumulado, resultando em rentabilidade nula. Aliás, venda proibida para menores de 16 anos indica que o produto não é inofensivo.

Marcia Dessen

Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.