quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Eleição no Corinthians é a mais importante desde 1985, FSP

 No domingo (29), a cidade de São Paulo decide se reelege o santista Bruno Covas ou vira o jogo com o corintiano Guilherme Boulos.

No plano de governo Covas não há uma linha sobre a prática de esportes na cidade; no de Boulos há duas páginas. Claro que é melhor não falar nada do que falar besteiras, mas não se trata disso, porque são ousadas e participativas as propostas do candidato oposicionista.

No Corinthians, o panorama não é tão claro.

A começar pelo fato de que há duas chapas situacionistas, a da continuidade do modelo Andrés Sanchez e a de Augusto Melo, contaminada por empresários de jogadores.

De oposição mesmo é a de Mário Gobbi, presidente entre 2012 e 2014, quando o time de futebol ganhou tudo e o clube passou ao largo das páginas policiais.

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Aliás, é curioso: embora delegado de polícia, e, aleluia!, talvez por isso mesmo, o noticiário sobre jogatina, seja a do bicho ou a do bingo, sonegação fiscal, propinas, envolve exatamente os situacionistas. Gobbi passa ileso.

Ele promete e se compromete com o modelo de gestão profissional sem concessões à velha prática de loteamento de cargos, objetivo imprescindível, embora desafio gigantesco diante dos usos e costumes nos clubes associativos brasileiros. Será ver para crer, e cobrar, caso vitorioso.

Insistir no esquema de Sanchez, dos desmanches a que submeteu o Corinthians, levará inevitavelmente ao processo vivido atualmente pelo Cruzeiro.

E Melo cumpre apenas o papel de tirar votos oposicionistas ao apostar na confusão.

eleição deste sábado é a mais importante em Parque São Jorge desde 1985, quando o reacionarismo e interesses inconfessáveis dos conselheiros derrotaram a Democracia Corinthiana. Então, sem o voto dos sócios, a chapa vitoriosa teve de fugir pelos fundos do clube, tamanha a ira da torcida.

Registre-se que o presidente daquele histórico período, entre 1981 e 1985, Waldemar Pires, apoia Gobbi.

Na última eleição, que redundou em novo período Sanchez, o ganhador teve de se esconder no banheiro feminino.

O resultado é o que está aí para quem quiser ver: situação pré-falimentar e o time na luta contra o rebaixamento, como aconteceu no primeiro mandato de Sanchez, em 2007.

O dramaturgo irlandês Bernard Shaw já ensinou que “O sucesso não consiste em nunca cometer erros, mas em nunca cometer o mesmo erro pela segunda vez”. Pela terceira, então, nem é bom falar.

Ao Corinthians resta não insistir no desastre e trilhar o caminho do saneamento financeiro para buscar, adiante, bem adiante, ser autossustentável, com a clareza de que precisa mudar seu modelo de gestão e ingressar no século 21 ao passar a administrar o futebol como empresa.

Sócios, conselheiros, vitalícios, remidos, quadrienais ou o diabo a quatro, podem e devem votar sobre como administrar a piscina, a quadra de tênis, de bocha, o bar, restaurante, o ginásio poliesportivo. O futebol não é mais tema para amadores decidirem e não pode ser meio de enriquecimento de cartolas, com as exceções de praxe, malsucedidos em suas vidas profissionais.

Os corintianos que votarão para prefeito certamente não terão comportamento unânime entre, felizmente, dois democratas para escolher.

Os que votarão para presidente não têm motivo algum para duvidar sobre como votar e quem eleger.

Desde que o objetivo seja só o bem do Corinthians.

Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

Erramos: o texto foi alterado

A eleição citada pelo colunista ocorreu em 1985, não em 1984, como o texto dizia inicialmente. A informação foi corrigida.

GUSTAVO MAYRINK Amores impressos, FSP

 Gustavo Mayrink

Jornalista, publicitário e editor do site www.geraldomayrink.com.br

Geraldo Mayrink (1942-2009), meu pai, era um notório desastrado funcional. Colocava fita VHS de comprido no Panasonic quatro cabeças, pedia chope no McDonald’s e perguntava se site “tipo internet” pegava lá em casa.

— Pega, pai! Coloca um Bombril em cima do monitor!

Quis o destino, incansável gozador, que ele guardasse em pastas e caixas a maioria dos textos que escreveu ao longo da carreira, o que só pode ter sido uma vingança silenciosa e profética contra tudo o que se anunciava: as mudanças tecnológicas, o estilo “neocon” e a consequente derrocada do modelo clássico de jornalismo. “It’s the end ​of the (Microsoft) Word as we know it”, já alertava um ressabiado Michael Stipe.

Passei os últimos anos catalogando e relendo as preciosidades dessas caixas, cerca de 900 textos escritos entre os anos 1960 e 2000 nas principais Redações do país.

Como ele produzia incansavelmente, era comum que, na infância, eu fosse dormir ao som da máquina de escrever ou acordasse sem que ele tivesse voltado de um fechamento na noite anterior.

Também me lembro da aventura que era, ainda criança, visitar as Redações e percorrer aquela Disneylândia de Gutenberg e seus maravilhosos brinquedos tipográficos. Nessas ocasiões, sempre que precisava de um respiro para finalizar alguma matéria, meu pai me instruía a percorrer as mesas da Redação arrecadando fundos para investir em guloseimas. As operações me rendiam balas, chicletes, chocolates e, certa vez, um cheque de 1 milhão de dólares “assinado” pelo Delfim Netto com o qual tentei, despistadamente, comprar uma bicicleta.

Minha pedalada fiscal fracassou, mas aprendi um pouco sobre o senso de humor entre jornalistas, como no caso da repórter que não sabia empregar as vírgulas e recebeu de meu pai um conselho: “Faça o seguinte, minha querida: nesta página você escreve o texto. Nesta outra você põe as vírgulas. Deixa que eu distribuo”.

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Esse ímpeto sarcástico alcançava sua plenitude nas noites de sexta-feira, quando os colegas trocavam o tique-taque das máquinas de escrever pelo tilintar dos copos de uísque e aportavam em casa para celebrar fechamentos, pautas, furos e outras exclamações. Os encontros geravam discussões eufóricas sobre o que acontecia no Brasil e no mundo nos anos 1980 e 1990, uma espécie de “trending topics” da vida analógica, cujos risos, danças e aplausos minha irmã e eu ouvíamos do quarto com um misto de espanto —“jornalistas são bem loucos, né?”— e acolhimento. Afinal, ladrão nenhum teria coragem de entrar em casa em noites como aquelas. Segue o baile!

O saldo dos folguedos eram eventuais ressacas para os participantes e uma pilha de livros, discos, filmes e revistas deixados pela casa —uma bagunça cultural que soava como abas abertas de um iPad sem senha em um sábado de manhã.

Enquanto os adultos se recuperavam, eu aproveitava para desbravar mais uma rodada de novidades aleatórias, flanando entre filmes do Hitchcock, a Playboy da Isadora Ribeiro e o novo hit de uma banda americana cuja letra, mesmo fazendo Fisk, eu só conseguia acompanhar o refrão, que embala meus maiores devaneios até hoje.

“And I feel fine!”.