segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Dinheiro privado nas eleições supera R$ 1 bilhão, puxado por senador e fundadores de Localiza e Cosan, FSP

 


BRASÍLIA

O dinheiro privado nas eleições de 2020 já chegou a R$ 1,2 bilhão, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, superando o patamar de 2018, que ficou de R$ 1,1 bilhão, em valores já corrigidos. Na lista dos maiores financiadores da campanha, destacam-se os irmãos Mattar, da Localiza, Rubens Ometto, da Cosan, e o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

Apesar da proibição de que empresas banquem os candidatos, decisão tomada há cinco anos, o poderio empresarial continua influente já que donos e executivos das empresas podem fazer doações, limitadas a 10% de seus rendimentos.

Se até 2015 o mapa do financiamento eleitoral dos políticos era formado por grandes bancos, empreiteiras e outras gigantes nacionais, agora figuram no topo da lista fundadores e dirigentes de empresas de grande e médio porte, além de expoentes do meio agropecuário.

De acordo com o TSE, doações de pessoas físicas —aí incluídos os empresários, pessoas comuns e vaquinhas virtuais— somam R$ 830 milhões, já descontados dessa conta erros de declaração de candidatos do interior que, ao digitarem erroneamente zeros a mais, acabam aparecendo vez ou outra como líderes dos rankings de doadores.

Já os candidatos que se autofinanciaram são responsáveis pela aplicação de R$ 370 milhões, também já descontados dessa conta os erros de declaração mais evidentes.

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No topo do ranking das doações, com R$ 3,5 milhões, estão os irmãos José Salim Mattar Jr. —fundador da empresa de aluguel de veículos Localiza e secretário de Desestatização do governo Jair Bolsonaro até agosto— e Eugenio Pacelli Mattar, diretor-presidente da empresa.

Apesar de terem feitos doações para políticos de vários partidos, em especial de centro e de direita, os principais nomes apoiados pelos irmãos naufragaram nas urnas.

Mendonça Filho (DEM), ex-ministro da Educação, ficou em terceiro e acabou de fora do segundo turno da disputa pela Prefeitura do Recife.

O candidato do governador Romeu Zema (Novo) à Prefeitura de Belo Horizonte, Rodrigo Paiva (Novo), teve um desempenho bem pior, ficando na quinta colocação com apenas 3,63% dos votos válidos.

O fundador da Localiza e ex-auxiliar do governo de Jair Bolsonaro, José Salim Mattar Jr. - Amanda Perobelli/Reuters

Há quatro anos, Salim Mattar fez doações no total de R$ 370 mil. Em 2018, ano de eleições gerais, saltou para R$ 2,9 milhões, com destaque para Zema, que recebeu R$ 700 mil. Maior empresa de locação de veículos do país, a Localiza é sediada em Belo Horizonte.

Em nota encaminhada por sua assessoria, Eugênio Mattar afirmou que "o voto e o envolvimento na política são importantes vias de mudança de realidade e crescimento de um povo", que a democracia se pauta pela atuação cidadã das pessoas e que seu apoio individual a candidatos é uma forma de participação legítima no desenvolvimento de uma sociedade democrática e plural.

"Representa o apoio cidadão a causas consideradas relevantes e que devem ser debatidas pela sociedade. E isso independe do resultado das eleições", disse, ressaltando que seu maior investimento para a transformação da realidade brasileira é destinado à filantropia", que classifica como sua maior paixão.

"Esse investimento tem gerado benefícios na educação e no fomento ao empreendedorismo de muitas comunidades. O investimento na política é uma ação complementar, por meio da qual podemos impactar a vida de milhões de pessoas de forma mais abrangente e estruturante." Salim Mattar não se manifestou.

O segundo no ranking dos maiores doadoras é o empresário Rubens Ometto Silveira Mello, presidente do conselho de administração da Cosan, uma das maiores empresas do país, que atua no setor de energia e combustíveis, entre outros.

Ele doou R$ 2,3 milhões, também a vários candidatos, em especial a Bruno Covas (PSDB), que foi para o segundo turno em São Paulo, ao Cidadania de São Paulo, que está na coligação de Covas, e a Mendonça Filho (DEM).

O atual prefeito de São Paulo tem até o momento a campanha mais cara do país, com R$ 18,4 milhões de receita, 82% dela de origem pública e 18%, privada. Entre seus doadores, uma lista de empresários, entre eles Jorge Mitre, fundador do Hospital de Olhos, com R$ 230 mil, e Ometto, com R$ 200 mil.

O executivo da Cosan foi o principal financiador privado da campanha de 2018, com R$ 7,5 milhões.

Em resposta às perguntas enviadas, Ometto afirmou apenas, em nota, que "as doações eleitorais foram realizadas em caráter pessoal e seguem as regras estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral e demais normas aplicáveis".

O terceiro da lista dos grandes doadores é o senador e empresário Eduardo Girão (Podemos-CE), com R$ 1,7 milhões, que injetou recursos principalmente na campanha de Capitão Wagner (PROS) a prefeito de Fortaleza —o candidato disputa o segundo turno— e na campanha de Emilia Pessoa (PSDB), que chegou em terceiro e está fora da disputa pela Prefeitura de Caucaia (CE).

Também em nota, o senador afimou que fez doações por acreditar que a política é um dos principais caminhos para a transformação social com justiça, paz e progresso, e que segue o limite de doação de até 10% da renda bruta anual.

"Escolhi doar para candidatos que convergem nas causas que acredito e abraço há tempos, bandeiras que também motivaram a minha entrada na vida pública, como, por exemplo, a defesa da vida desde a concepção, contra o aborto, por uma vida saudável, contra a liberação das drogas, contra a liberação dos jogos de azar, pela defesa da prisão em segunda instância e da Operação Lava Jato", afirmou

Até as eleições de 2014, bancos, empreiteiras e outros pesos-pesados do PIB nacional respondiam pela maior parte do financiamento empresarial.

Naquela eleição, o gasto declarado pelos candidatos ficou em torno de R$ 5 bilhões (valor da época), com cerca de 60% saídos dos cofres de empresas como JBS, Odebrecht e Bradesco.

As duas primeiras se tornaram pivôs dos principais escândalos de corrupção no Brasil, nos últimos anos, sob suspeita de repassar propina a políticos em troca de benesses na máquina pública.

Em 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu o financiamento empresarial das campanhas sob o argumento de que a prática desequilibrava a disputa e representava a captura da política pelo poderio econômico.

"A influência do poder econômico culmina em transformar o processo eleitoral em jogo político de cartas marcadas e o processo eleitoral em odiosa pantomima, que faz do eleitor um fantoche", afirmou a ministra Rosa Weber, durante o julgamento.

Além de o limite de 10% dos rendimentos do doador permitir que cidadãos com altos ganhos direcionarem volumes consideráveis para as campanhas, não há impedimento para executivos de uma mesma empresa façam doações em conjunto, prática verificada em 2016, 2018 e também neste ano.

Após a proibição do STF, em 2016 os gastos eleitorais no país ainda foram predominantemente privados, mas em menor volume —R$ 1,13 bilhão de autofinanciamento e R$ 1,35 bilhão de doações de pessoas físicas, em especial empresários.

Naquela disputa municipal, os doadores campeões foram os irmãos Alexandre e Pedro Grendene, com R$ 6,6 milhões, em valores da época, para vários partidos e candidatos.

Eles também fizeram expressivas doações em 2018 (R$ 2,1 milhões) e, na atual disputa municipal, já fizeram repasses que somam R$ 1,2 milhão.

Em 2018, nas eleições para presidente, congressistas, governadores e deputados estaduais, o dinheiro privado deixou, pela primeira vez, de ser a principal fonte dos candidatos, já que o Congresso criou o Fundo eleitoral, que, ao lado do Fundo Partidário, se tornou a principal fonte de receita. Os dois fundos somam, atualmente, cerca de R$ 3 bilhões de orçamento.

Moisés Naím - Os 74 milhões que votaram em Trump , OESP


Temos quatro anos para entender por que metade dos americanos ainda apoia o presidente republicano

Moisés Naím*, O Estado de S.Paulo

23 de novembro de 2020 | 05h00

Na recente eleição dos Estados Unidos, votou o maior número de pessoas em 120 anos. Quase 80 milhões votaram em Joe Biden e mais de 74 milhões, em Donald Trump. Eles se tornaram os dois políticos mais votados em toda a história do país. Imaginava-se que a pandemia e a campanha de Trump, prognosticando fraudes eleitorais, aumentariam a abstenção. Não foi o que ocorreu. Sessenta e sete por cento dos registrados votaram pessoalmente ou pelo correio.

A outra surpresa foram os 74 milhões de pessoas que votaram em Trump – 10 milhões a mais do que em 2016. Surpreenderam por causa daquilo pelo qual eles não importaram, e também por aquilo que importou. Por exemplo, eles não se importaram em votar em um presidente que mente de maneira constante e facilmente verificável. Mentir de modo compulsivo e comprovado não deveria ser suficiente para derrotá-lo nas urnas? Setenta e quatro milhões de americanos acham que não. Eles não acreditam que Trump seja um mentiroso, ou não se importam com isto, ou têm necessidade e esperanças mais importantes para eles do que a honestidade.

O fato de 26 mulheres terem se atrevido a se identificar publicamente e denunciar Trump por violência sexual, e que algumas o acusem de tê-las estuprado, não deveria ter feito com que ele perdesse o voto feminino? Não basta o vídeo do programa Access Hollywood, no qual Trump diz ao apresentador Billy Bush que “ser famoso permite que você faça o que quiser com as mulheres, inclusive agarrar sua genitália”? Não. Cerca da metade das mulheres brancas votou em Trump.

Donald Trump - apoiadores
Apoiadores de Donald Trump em manifestação em Washington   Foto: Jacquelyn Martin/AP

Mas e se os 74 milhões não se importam com as múltiplas denúncias de assédio sexual contra o presidente, não deveriam importar-se com a saúde do planeta? Parece que não. Trump denunciou a luta contra o aquecimento global como uma armadilha da China para debilitar a economia americana. 

As decisões do presidente foram devastadoras para o meio ambiente. E muito lucrativas para as empresas mais poluidoras e para os lobistas que as representam. Importa aos eleitores de Trump que ele tenha nomeado para os principais cargos que deveriam regular as indústrias poluidoras os lobistas que representam essas mesmas indústrias? Obviamente, não.

Importa que o governo Trump seja caótico e inepto e tenha administrado mal a pandemia? Não parece. Os 74 milhões também não se importam com o fato de dois importantes documentos continuarem sigilosos: a declaração de renda de Trump e sua política sanitária. O que há na declaração para o presidente fazer tantos esforços para mantê-la fora do escrutínio público? Os eleitores não deveriam saber quais são os compromissos financeiros do presidente e com quem? Não deveriam saber se o presidente é um sonegador de impostos?

O outro documento que não aparece é o plano de Trump para a saúde. O presidente se dedicou a desmontar a política sanitária de Barack Obama, e prometeu reiteradamente que a substituiria por “algo muito melhor”. Os operadores políticos do presidente ofereceram uma montanha de documentos confusos, mas até agora não revelaram os detalhes do que seria este “melhor”. 

O que está claro é que eliminar a reforma sanitária de Obama sem ter com o que substituí-la será muito prejudicial para os cidadãos. Inclusive, evidentemente, para os 74 milhões que votaram nele. Ou eles não sabem disso, ou não acreditam nisso ou não se importam.

A lista de razões pelas quais não se devia votar em Trump é grande. Sua recusa em denunciar com firmeza os odiosos supremacistas brancos. Sua falta de interesse em enfrentar o racismo institucionalizado. Seus minguados sucessos na política exterior e o fato de ter cedido espaços de poder à China e à Rússia. Seus extensos conflitos de interesse. O seu autoritarismo e a maneira como minou a democracia americana. Nada disso parece importar aos 74 milhões.

Mas então, o que importa para eles? O que os leva a apoiar Trump de maneira tão incondicional? Muitas coisas. Desde o concreto (“Não subam os meus impostos”) até o espiritual (“Trump entende o que eu sinto”). Do positivo (“Vamos fazer a América grande outra vez”) ao negativo (“Se Biden ganhar, os negros invadirão os bairros da classe média”). Da defesa dos direitos (o porte de armas) à defesa de valores (“sou contra o aborto”). Desde o repúdio da imigração ilegal (“viva o muro com o México”), à oposição à globalização econômica (“quero fábricas e empregos aqui, não na China”).

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A demografia dos 74 milhões é variada e confusa. Inclui significativas porcentagens de hispanos, da população rural, de homens brancos sem formação universitária. De grupos evangélicos, empresários, operários e muitas outras categorias. 

Os condados em que Biden ganhou, por exemplo, geram 70% da atividade econômica dos EUA, enquanto os que votaram majoritariamente em Trump geram apenas 30%. O fato de os institutos de pesquisa não terem antecipado o comportamento dos 74 milhões confirma que não sabemos o que, na realidade, determina seu apoio incondicional a Donald Trump. Teremos quatro anos para averiguar. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

*É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT

 

O ovo da serpente, Luiz Carlos Trabuco Cappi, O Estado de S. Paulo

 Luiz Carlos Trabuco Cappi, O Estado de S. Paulo

23 de novembro de 2020 | 05h00

Bem mais precioso que uma sociedade pode legar aos seus cidadãos, a educação é uma das maiores vítimas dos efeitos destrutivos da pandemia de coronavírus. O fechamento compulsório de escolas, o isolamento de estudantes e as incertezas sobre a retomada de atividades presenciais restringiram, ao longo deste ano, o acesso ao ensino. Nessa medida, a desigualdade educacional se agravou.

É uma evidência que alunos com melhor acesso à tecnologia e suas ferramentas, da conexão firme e veloz à internet ao uso de iPads de última geração, têm melhores meios de mitigar os danos causados pela abrupta interrupção do ano letivo e a rápida introdução do ensino a distância.

Global, o fenômeno ganha relevância em países nos quais as diferenças sociais são mais acentuadas, como é o caso do Brasil. Esse desequilíbrio aumenta o déficit educacional. O preço a pagar projeta danos irreversíveis. Uma sociedade deficiente em educação não avança e, pior, aponta para o atraso. Forma cidadãos sem conteúdo para compartilhar conhecimento, construir sonhos e forjar oportunidades econômicas. Cria uma geração sem esperança. 

É o ovo que gera a serpente da desinformação, da proliferação das fake news e da polarização política perigosa. Engessa o progresso, divide a cidadania, anula a solidariedade e radicaliza o individualismo. A deseducação é o que põe em risco a democracia.

A contraface dessa moeda é paz e prosperidade. Enfrentar com prioridade a questão da educação envolvendo soluções que unam governo, iniciativa privada e setores que acumulam massa crítica sobre o tema trará ganhos a todos.

O ensino abre portas para o desenvolvimento inclusivo, meio mais eficaz de combater as desigualdades. Aprimora e reforça os valores civilizatórios. Barra humilhações à Nação e seu povo.

A educação impulsiona política social de base ampla – abarca da criança ao jovem adulto, proporcionando desde o acesso à merenda, nos primeiros anos, ao emprego e renda, no curso da formação. O filósofo Immanuel Kant definiu o ensino como “o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade”.

Os indicadores atuais mostram a dimensão do desafio. Em 2019, somente 27% da população com 25 anos ou mais exibiam o ensino médio completo, enquanto 32% nessa faixa etária não tinham concluído o ensino fundamental. A evasão no ensino médio atingiu 18% entre jovens de 19 anos. Apenas 21% dos brasileiros de 24 a 35 anos têm ensino superior, segundo a OCDE, ante 70% na Coreia do Sul. As instituições privadas de ensino superior calculam que 400 mil dos seus 6,5 milhões de alunos deixaram de estudar este ano por conta da pandemia, maior evasão já registrada.

A inversão dessas tendências é tanto mais complexa pela delicada situação fiscal que o País atravessa. Não conseguimos hoje sequer sonhar com uma situação como a da Alemanha, cujo governo anunciou um aporte de € 160 bilhões, no período de 2021 a 2030, para universidades e centros de pesquisa.

O Brasil precisa de criatividade e sentido de urgência para encontrar os caminhos de um sistema educacional moderno e inclusivo em todos os níveis. A educação a distância, que os especialistas dizem ter vindo para ficar, é nossa aliada nessa corrida, mas é preciso equalizar os acessos à tecnologia a todas as camadas da sociedade, e isso demanda investimento. A qualificação de professores é outra condição para que o País saia do risco de apagão no setor que ilumina o futuro. 

Os investimentos em educação têm maturação de longo prazo. Muitas vezes, os governantes preferem se ocupar de outras áreas, em busca de um reconhecimento mais rápido, do que tratar desse setor basal. Considerar, porém, a educação como uma rubrica de gastos incômodos leva à perpetuação do atraso.

Para nossa sorte, o nonagenário educador americano e ex-presidente de Harvard Derek Bok já esclareceu esse dilema: “Se você acha a educação cara, experimente verificar os custos da ignorância.”

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS