quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Sem favorito, Rosângela Bittar, O Estado de S.Paulo


23 de setembro de 2020 | 03h00

A mais prudente, equilibrada e consistente das apostas para a eleição municipal de São Paulo não arrisca um vencedor. Nem um nem dois, admitindo-se como provável o segundo turno. Mesmo com a nitidez da pesquisa Estadão/Ibope, publicada domingo, a demonstrar a força eleitoral de cada um.

São dois grupos, um à frente, na faixa de 6% a 24%, e outro bem atrás, entre 1% e 2% da preferência. O que se apresenta, portanto, é um quadro de amplas possibilidades. Tudo pode acontecer nos próximos 55 dias de campanha. Inclusive, nada. Não será surpresa se prevalecer o instantâneo deste momento.

Candidatos à Prefeitura de São Paulo
Candidatos à Prefeitura de São Paulo nas eleições 2020. Foto: Estadão e Divulgação

Bruno Covas (PSDB) conta com apoio da maioria à sua administração e tem obras e programas sociais como provas de suas promessas de campanha. O eleitorado guarda dele uma imagem de dedicação à cidade, por haver se mantido no comando enquanto se submetia a um duro tratamento de quimioterapia. É seu o maior tempo para propaganda na TV e conseguiu uma coligação que reúne o apoio de dois grandes partidos, MDB e DEM.

Márcio França (PSB) ficou com uma fatia significativa da esquerda, desde o PDT aos sindicatos, e soma os efeitos residuais de sua passagem pelo governo. Ninguém lhe tira a condição de principal candidatura anti-Doria, seu último adversário de campanha, ainda na memória. É este o papel que vai encarnar, com vontade.

Embora na vala comum dos que marcaram 1% nesta largada, o PT deve reagir. A expectativa é de crescimento, depois que as pesquisas sobre a chance da candidatura Lula em 2022 forçaram a união interna e a reacomodação dos grupos.

O candidato Jilmar Tatto, vencedor de uma prévia sangrenta, uniu-se ao adversário Carlos Zarattini, reunindo o PT orgânico num gesto que pode ter estancado a debandada para a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL). Tem a chance, ainda, de representar opção para as esquerdas e a oposição, mesmo que perca para Boulos seus ideólogos da academia e das artes.

O candidato do PSOL terá de disputar a esquerda e a oposição com PSB e PT, mas, ao contrário destes partidos, terá a chance de explorar a impostura da antipolítica, a mais desmoralizada das bandeiras eleitorais brasileiras.

Trunfo que precisará dividir também com Celso Russomanno (Republicanos). O último a aparecer, o novo-antigo, o mais frustrado dos sempre favoritos. Russomanno sofre ambiguidades que transformam sua candidatura numa incógnita. Tem a vantagem e a desvantagem de ter o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Com rejeição profunda, ainda não se sabe a extensão desse efeito, mas tem a mão presidencial a aliança com o PTB, forte em São Paulo.

Estão todos no mesmo barco da baixa credibilidade, do amplo desgaste e do profundo desconhecimento dos efeitos da pandemia sobre o humor do eleitorado. Que pode deixar para decidir na última semana. Neste caso, sempre sobra para o menos rejeitado.

Sem máscara

Os parlamentares se renderam e estão engolindo a seco, empurrada pelo líder Ricardo Barros, a obsessão de Paulo Guedes por recriar um imposto tão injusto quanto de fácil arrecadação: a CPMF.

Justiceiro errático, Bolsonaro cunhou o lema de campanha “não tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, mas com o novo imposto vai tirar de todos: paupérrimos, pobres, remediados, assalariados, bolsistas emergenciais, aposentados e quem mais tiver contas a pagar. Para manter privilégios de empresários, banqueiros, detentores de grandes fortunas e outros mágicos exímios em escapar das garfadas do Fisco.

Como a CPMF, o novo imposto será provisório até poder ser permanente. E se desmembrará da reforma tributária para andar sozinho, trocando a vida difícil pela vida fácil. Quem derrubou a CPMF precisa notar que está prestes a aceitar seu irmão gêmeo univitelino.

*REPÓRTER E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS DO ‘ESTADÃO’


AGU promove em um só dia 606 procuradores ao topo da carreira, com salário de R$ 27,3 mil, OESP

 Adriana Fernandes e Breno Pires, O Estado de S.Paulo

23 de setembro de 2020 | 16h34

BRASÍLIA - A Advocacia-Geral da União (AGU) promoveu de uma tacada só 607 procuradores federais. A maioria deles - 606 procuradores - foi promovida para o topo da carreira. Agora, dos 3.783 procuradores federais, 3.489 (92%) estão na chamada categoria especial, com salário de R$ 27,3 mil. 

As promoções se antecipam à reforma administrativa, que pode atingir as carreiras dos atuais servidores e acontece depois do movimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, para conter o aumento da folha de pessoal por meio da lei 173, que congelou os salários até 2021, além da concessão de bônus.

O problema é que na lei não há nenhum dispositivo que vede a concessão de progressões funcionais. Técnicos do governo confirmam que a redação desse artigo deixou essa possibilidade aberta. 

A lista inclui ao todo 607 promoções (304 por merecimento e 303 por antiguidade no cargo). Exceto um procurador da lista, todos os outros subirão para o topo da carreira. As mudanças ocorrem sem que haja, necessariamente, uma alteração na função. A promoção foi autorizada na sexta-feira da semana passada - a informação foi revelada pelo site Poder360.

AGU
Prédio da Advocacia-Geral da União (AGU) em Brasília. Foto: Sérgio Moraes/AscomAGU

Depois do envio da reforma administrativa ao Congresso, aumentou a pressão entre os servidores e membros dos Poderes para garantir as promoções nas carreiras. 

Apesar de a proposta não alcançar os servidores atuais nem os membros de Poder, como juízes, procuradores e promotores, o temor é que os parlamentares acabem promovendo mudanças no texto para incluir esses grupos e também a forma de promoção nas suas carreiras. 

Muitos parlamentares já avisaram que podem fazer essas alterações diante do movimento para que a reforma alcance o chamado “andar de cima” da elite do funcionalismo, que acabou sendo blindada. Com a covid-19, 67,2 milhões de brasileiros passaram a receber o auxílio emergencial e outros 11 milhões tiveram o salário cortado ou o contrato suspenso por causa da pandemia.

A AGU é composta por quatro carreiras - procurador federal, procurador da Fazenda, procurador do Banco Central e advogado da União. Para todas elas, há um sistema de promoção a cada seis meses. 

No passado, uma regra previa que os integrantes estariam divididos, proporcionalmente, entre as categorias. No entanto, graças a mudanças nas regras internas entre 2012 e 2014, as promoções passaram acontecer de maneira desproporcional. Pela regra atual, a cada cinco anos que um procurador federal está no cargo, abre-se uma vaga para a sua promoção à categoria acima. Com as novas promoções, apenas 8% dos integrantes da Procuradoria-Geral Federal restam na base da categoria, com remuneração de R$ 21 mil - R$ 6,1 mil a menos que a categoria especial. Segundo a Procuradoria-Geral Federal da AGU, se considerados os cargos não preenchidos, o porcentuald os funcionários que está no topo da carreira é de 79%.

Além dos salários, advogados públicos federais recebem também honorários advocatícios. Em 2019, pelo menos R$ 590 milhões foram repassados a advogados públicos federais, referentes a honorários de sucumbência (pagos pela parte derrotada em um processo judicial). A Procuradoria-Geral da República questionou o benefício no Supremo. Em junho, o tribunal pleno decidiu que esses honorários não podem ultrapassar o teto constitucional, que hoje é de R$ 39,2 mil.

Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral Federal da AGU diz que todos os atos relacionados a seus servidores são praticados em estrita observância às disposições legais e regulamentares. Segundo PGF, nos seis primeiros meses do ano de 2020, apenas por meio de cobranças judiciais e acordos, recuperou R$ 2,39 bilhões de reais aos cofres públicos, um aumento de 11% referente ao mesmo período do ano passado.

“Não houve nenhuma  criação de vaga excepcional. É um procedimento padrão”, disse o presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), Marcelino Rodrigues. Ele negou que a promoção em grande número esteja ligada à preocupação com os desdobramentos da reforma.

Segundo Rodrigues, em todos os semestres há concursos de promoção, quanto é feita a promoção alternada por merecimento e antiguidade. Ele diz que uma parte das vagas é vinculada à antiguidade, utilizando  como parâmetro a data de ingresso na carreira. A promoção por mérito é feita com base na  produção científica, titulação, participação em grupos de trabalho na instituição e ocupação de cargos de chefia, por exemplo.

NOTÍCIAS RELACIONADAS

A luta do Tietê, editorial OESP

 Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

23 de setembro de 2020 | 03h00

Tiveram impactos traumáticos para a economia as mudanças de consumo e produção forçadas pelo vírus. Mas elas foram muitas vezes benéficas para o meio ambiente e permitem entrever os efeitos salutares que a implementação gradual e equilibrada de padrões sustentáveis pode ter sobre a vida natural e o bem-estar humano. O Rio Tietê é um exemplo. O último monitoramento anual Observando o Tietê da SOS Mata Atlântica mostra que pela primeira vez desde 2010 não foram registrados trechos de água de péssima qualidade e em 94 km atingiu-se a condição boa, o que não era obtido há décadas.

Se, por um lado, o reforço nos hábitos de higiene aumentou a pressão pelo uso da água e de detergentes e demais produtos de limpeza, por outro lado, o isolamento social reduziu a poluição difusa, amainando a agressão do lixo, fuligem de veículos e defensivos agrícolas aos rios.

Assim, 5 dos 67 pontos de coleta saíram da condição péssima e ruim para regular e boa. Por outro lado, houve impacto negativo decorrente de eventos climáticos extremos. Em outros cinco pontos a condição caiu de regular para ruim por causa das toneladas de lixo e poluentes arrastadas para as águas após chuvas intensas seguidas pela seca.

A melhora, portanto, é relativa. A intensidade da poluição diminuiu, mas não a sua extensão. Na verdade – em razão de fatores como a transferência de lodo e poluentes após operações de barragens para o controle das cheias – ela aumentou. No ano passado, a mancha de água inadequada para usos e para a vida aquática atingiu 163 km dos 576 km monitorados. Neste ano, estima-se que tenha atingido 194 km.

De resto, se o isolamento social trouxe um alívio momentâneo, a crise socioeconômica deve aumentar a pressão por ocupações nas áreas de manancial e no cinturão verde do Alto Tietê, acarretando riscos duradouros à segurança hídrica de São Paulo.

“Tudo isso exige que se olhe mais para o longo prazo”, observou Malu Ribeiro, gerente da SOS Mata Atlântica. “Tanto esses episódios extremos de clima como a pandemia mostram que não adianta apenas aumentar os esforços por coleta e tratamento de esgoto, mas será preciso adotar outras soluções adequadas para que condições anormais e esporádicas que impactam a qualidade da água e a saúde pública sejam controladas. É preciso aumentar áreas verdes, proteção dos pequenos córregos urbanos, desassorear represas e aproveitar o período de seca para fazer limpeza.”

O momento de eleições municipais é oportuno para ressaltar a importância da pauta ambiental. Os 3.492 municípios da Mata Atlântica abrigam 7 em cada 10 brasileiros. Pensando neles, a SOS Mata Atlântica lançou o manifesto Desenvolvimento para Sempre, com destaque para a urgência na proteção e recuperação dos rios, córregos e nascentes; a integração dos municípios ao Comitê de Bacias Hidrográficas, com garantia de representação da sociedade civil; e a criação de áreas de proteção de mananciais e conservação hídrica.

Uma das medidas estratégicas advogadas pela SOS Mata Atlântica é o aperfeiçoamento da legislação que trata do enquadramento dos corpos d’água. A legislação ainda prevê a possibilidade de que certos rios sejam utilizados apenas para a diluição de esgoto, o que na prática significa tolerar a existência de “rios mortos”. Isso é incompatível com os princípios da Lei das Águas do Brasil, que preconiza usos múltiplos.

Os futuros gestores têm a missão de implementar em seus respectivos municípios uma importante ferramenta para promover coordenadamente as ações de revitalização da Mata Atlântica e de suas águas: o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, que, em complemento aos Planos Diretores Municipais, reúne e normatiza os elementos necessários à proteção, conservação, recuperação e uso sustentável da Mata.

A pandemia expôs dramaticamente a relação visceral entre a saúde do mundo natural e a do mundo humano. Como lembra a SOS Mata Atlântica, os rios são espelhos da saúde das populações e dos ecossistemas. Já passou da hora de o Tietê refletir uma imagem mais límpida.