segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Nenhuma vacina, existente ou em teste, vai bagunçar o seu genoma, Reinaldo José Lopes ,FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA


SÃO CARLOS

Não faz sentido temer, como sugere uma das mais recentes ondas de desinformação, que as vacinas contra a Covid-19 em teste no mundo todo levem a alterações do DNA humano, dizem especialistas.

Mesmo as que incluem material genético viral foram projetadas para minimizar as possibilidades de interação desse material com o genoma das pessoas.

“Mas, antes de mais nada, é preciso desmistificar o que pode significar isso. A questão é que a gente está sujeito a uma chuva de DNA externo o tempo inteiro, e o organismo lida com esse material genético exógeno sempre”, diz o virologista Flávio da Fonseca, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do centro de pesquisas CT-Vacinas.

Bactérias e certos tipos de invasores virais, como os retrovírus, por vezes transferem sua informação genética para o DNA de seus hospedeiros, com efeitos que podem ser negativos, neutros ou mesmo positivos.

Com o passar de milhões de anos, esses trechos de DNA podem até virar “fósseis” incrustados no genoma humano. Estima-se que algo entre 1% e 5% do material genético da espécie humana seja formado pelos chamados retrovírus endógenos, ou seja, informação hereditária viral que passou por esse processo de incorporação a partir de antigos retrovírus.

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A maioria deles não parece ter efeito nenhum no organismo, mas acredita-se que retrovírus endógenos ajudaram na evolução da placenta, a bolsa protetora dos fetos que se forma durante a gestação na maioria dos mamíferos. Nesse caso, a informação genética deles foi “reciclada” e reutilizada pelos ancestrais dos mamíferos atuais.

Todos os vírus que causam doenças hoje dependem da capacidade de induzir as células que invadem a usar os genes virais (os quais podem ser formados por DNA ou por uma molécula aparentada a ele, o RNA) a produzir novas cópias dos próprios vírus. As células humanas infectadas funcionam, grosso modo, como uma fábrica dominada por robôs que passa a produzir mais robôs.

Entretanto a maior parte desses invasores virais (à exceção dos retrovírus, que incluem parasitas como o HIV, causador da Aids) não precisa modificar o genoma das células humanas para conseguir isso.

Portanto as vacinas baseadas no próprio coronavírus inativado (inócuo), como a que está sendo testada por uma empresa chinesa em parceria com o Instituto Butantan (SP), não trazem esse risco —os coronavírus não agem como os retrovírus.

Mais ou menos a mesma coisa vale para vacinas que estão usando vetores virais —ou seja, vírus geneticamente modificados para carregar um pequeno trecho do material genético do coronavírus, feito de RNA. É o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, que também está sendo testada no Brasil, e a vacina russa, Sputnik V.

“Esses vírus em geral são desenhados para serem não replicativos, ou seja, não fecham o ciclo de produção de novas cópias virais”, explica Fonseca.

Por fim, outra abordagem, testada por institutos de pesquisa e empresas nos EUA, envolve o uso do RNA do vírus. Esse tipo de abordagem, embora ainda não tenha chegado a produzir vacinas comerciais, teoricamente seria ainda mais seguro, porque as moléculas de RNA, que são usadas pela célula como “receita” para a produção de proteínas, são facilmente “desmontadas” pelo organismo e não fazem parte do genoma localizado no núcleo da célula.

Para que a presença delas levasse a alterações no genoma, seria preciso um maquinário molecular especializado que fizesse uma versão do RNA em formato de DNA e o inserisse dentro do material genético humano —de novo, algo que simplesmente não ocorre espontaneamente.

“As vacinas nunca são projetadas para isso. Seu papel é induzir imunidade, que é um objetivo completamente diferente”, diz o pesquisador da UFMG. ​

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O mundo não para de mudar, Daniel Martins de Barros*, O Estado de S.Paulo

 Daniel Martins de Barros*, O Estado de S.Paulo

21 de setembro de 2020 | 05h00

Desde o começo da pandemia do novo coronavírus, há uma disputa inconfessa para ver quem acerta mais os vaticínios para nosso mundo pós-pandemia. Uns acham que o vírus veio para ficar e que os apertos de mão estão banidos para sempre. Outros acreditam que o medo é passageiro, mesmo que o vírus não seja. Muitos dizem que o mundo nunca mais será o mesmo, mas há quem defenda que ele nunca mudará.

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Veja a profecia de que as máscaras vieram para ficar. Basta olhar fotos de praias e parques no Brasil e no mundo para duvidar um pouco disso
Veja a profecia de que as máscaras vieram para ficar. Basta olhar fotos de praias e parques no Brasil e no mundo para duvidar um pouco disso. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

É uma discussão meio tola, se pensarmos bem. Na verdade o mundo continuará exatamente como sempre: mudando o tempo todo. Como já dizia Heráclito, é impossível entrar no mesmo rio duas vezes. Na segunda vez em que a pessoa entra no rio as águas foram renovadas; o leito foi remexido; suas próprias expectativas e percepções, modificadas pelo primeiro mergulho. O mundo mudou. Não só na forma como se apresenta, mas no modo que o enxergamos.

Há algumas semanas escrevi em minha coluna para o Na Quarentena que nos últimos meses desenvolvi o hobby de observar pássaros. E adivinhe o que aconteceu? O mundo mudou. Os sons, as cores e os movimentos que me cercam hoje não são os mesmos que antes. Isso acontece diariamente conosco em múltiplos níveis.

A gente aprende a ler e o mundo se transforma. Nos apaixonamos, temos filhos, sofremos um assalto, sobrevivemos a um enfarte, batemos o carro, ganhamos um concurso, perdemos um concurso, e o mundo muda. Dizer que depois da pandemia o mundo nunca mais será o mesmo é, portanto, um truísmo. Ele nunca é o mesmo. 

Ainda assim alguns insistem que a pandemia é diferente, já que trará mudanças coletivas e em escala global. Quando nasce uma criança só a vida da família é afetada, mas na pandemia o mundo de todos é transformado. Mas se de fato o alcance da pandemia é enorme, não se pode dizer com certeza que o impacto no dia a dia das pessoas terá a mesma escala.

Pense no 11 de setembro. O mundo nunca mais foi o mesmo, mas fora do microcosmo de aeroportos pouca coisa na vida prática da maioria das pessoas do planeta mudou. Pense na Aids. O comportamento sexual mudou muito por pouco tempo, mas pouco por muito tempo – jovens de hoje, na maioria, já não usam preservativos nas relações. “Mas deveriam usar”, disse-me um amigo psiquiatra. “O mundo mudou, os jovens é que continuam os mesmos.” 

Mas nem isso é verdade. As pessoas já deveriam usar preservativos muito antes da Aids. A sífilis era um problema muito sério antes da descoberta dos antibióticos. Mas bastou aparecer a penicilina que o sexo seguro saiu de moda. Conforme os tratamentos para o HIV se modernizaram, o mesmo voltou a acontecer. O que mudou então?

Só temos a sensação de que agora, com a covid-19, as coisas são diferentes porque as estamos vivenciando no calor da hora. Assim de perto tudo parece desesperador. Mas espere um pouco e o medo cede. Veja a profecia de que as máscaras vieram para ficar. Basta olhar fotos de praias e parques no Brasil e no mundo para duvidar um pouco disso – a pandemia nem acabou e o povo já está tirando a máscara, imagine após todos serem vacinados. 

Não duvido de que algumas mudanças serão permanentes. Para falar a verdade, até torço por algumas. Sempre tive uma cisma com o ritual de soprar velinhas nas festas de aniversário, imaginando perdigotos se misturando à cobertura de glacê. Se isso for banido, o mundo terá mudado para melhor. 

Quando ouço dizerem que o mundo nunca mais será o mesmo em tom de lamento tenho a sensação de que essas pessoas acreditam que a realidade será necessariamente pior, como se até 2019 vivêssemos um sonho dourado do qual despertamos contra vontade. Bobagem. Há coisas que talvez mudem mesmo, mas para melhor. Se só alguns a mais usarem máscaras no transporte coletivo durante a temporada de gripe, ponto para a humanidade. Ou se lavarmos mais as mãos. Se nos aglomerarmos menos. 

A pandemia é um momento marcante e será lembrado por toda a história. Algumas de suas mudanças serão coletivas e serão para sempre. Mas isso não é motivo para desespero. O mundo muda a cada instante. E só às vezes para pior. 

*É PROFESSOR COLABORADOR DO DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, BACHAREL EM FILOSOFIA E ESCRITOR


Para reduzir lixo do delivery, restaurantes usam estratégias como resgatar embalagens de vidro, FSP

 Marília Miragaia

SÃO PAULO

Além de desafios econômicos, a pandemia trouxe um questionamento extra a empresas que vendem pela internet: o que fazer para reduzir o número de embalagens usadas em entregas?

Os potes de vidro retornáveis usados no delivery do restaurante em São Paulo 
Os potes de vidro retornáveis usados no delivery do restaurante em São Paulo  - Fotos Danilo Verpa/Folhapress


Em junho, o comércio virtual provocou um aumento de 30% na coleta de materiais recicláveis por serviços de limpeza em relação ao mesmo mês do ano passado. O número da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) é um termômetro para o avanço da produção de lixo no país.

Para lidar com a situação, uma das estratégias do Purana, restaurante na zona oeste de São Paulo, foi lançar no fim de julho um programa de retornáveis que incentiva o reúso de embalagens de vidro.

Funciona assim: depois do pedido, o cliente limpa e guarda os potes e, ao devolvê-los, recebe pontos que podem ser trocados por itens do menu.

Os recipientes, que passam por esterilização ao serem recebidos no Purana, respondem por 50% das embalagens usadas na entrega da casa —a outra metade é compostável e biodegradável.

Depois da reabertura de restaurantes em São Paulo, houve consumidores que levaram ao estabelecimento sacolas com até 30 potes para serem reaproveitados, diz Thiago de Carvalho, 36, sócio do Purana.

“Quem faz o retorno ajuda o restaurante a investir no projeto. Temos um papel na redução do lixo, mas o consumidor tem o poder de escolha”, diz. Por ora, a taxa de devolução dos vasilhames é de 20%, mas o empresário espera uma melhora à medida que o fluxo de clientes no salão aumente.

A devolução é importante porque ajuda a diminuir gastos, já que a opção de vidro é quase três vezes mais cara do que a não reciclável. Segundo Thiago, o custo com embalagem representa 10% do faturamento da empresa. “A gente tenta a todo momento fazer o consumidor entender nosso propósito”, diz.

O debate sobre a redução de lixo envolve a sensibilização de parte dos clientes para que eles façam escolhas mais sustentáveis, diz Edson Barbero, coordenador do Centro de Empreendedorismo da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado).


Para que deliveries possam reduzir seu impacto, existem custos de matéria-prima, reposição (no caso do vidro), manuseio e logística que precisam ser adicionados à operação. “Se o cliente não estiver aberto a entender essa precificação, em alguns casos a conta não fecha”, diz Barbero.

Para Suenia Sousa, gerente do centro Sebrae de Sustentabilidade, a pandemia criou uma ocasião propícia para que consumidores reconheçam negócios que apoiam uma causa. “É um momento favorável para agir e estabelecer um diálogo”, diz ela.

A procura por saídas para redução de lixo é bem recebida pelos clientes do Mocotó, restaurante na zona norte de São Paulo, conta o chef Rodrigo Oliveira, 40.

Depois do sucesso em uma ação pontual, ele decidiu adotar de forma fixa o uso de vidro para o delivery de algumas receitas (peixada, moqueca e sobremesas).

Nesse caso, o cliente fica com a embalagem entregue com o prato, que é semelhante a outras já usadas em casa para armazenar comida.

Para que o uso dos potes fosse viável, foi preciso negociar com a fábrica dos recipientes e fazer pedidos maiores —a redução obtida fica entre 5% e 10% do valor da compra.

A intenção do chef é também oferecer ao cliente a possibilidade de devolver o item, caso ele queira. O Mocotó já faz isso com o escondidinho, enviado por delivery em uma cumbuca de cerâmica.

Quem devolve o utensílio ganha R$ 5 de desconto na conta. Por enquanto, Rodrigo ainda procura um tipo de vidro resistente e com custo compatível com a operação.

Além do material, também é importante pensar no tamanho da embalagem, diz Suenia Sousa, do Sebrae. Se ela for maior do que o necessário, vai desperdiçar matéria-prima e produzir mais lixo.

O empresário Fernando Martins, 37, da Torteria, com três unidades em São Paulo, começou, durante a pandemia, a revisar o tamanho de suas embalagens de papel kraft. Ao mesmo tempo, está minimizando o uso de plástico para gerar menos lixo.

Receitas do restaurante Mocotó entregues em potes de vidro no delivery
Receitas do restaurante Mocotó entregues em potes de vidro no delivery - Divulgação

Também preocupada com os resíduos gerados na própria cozinha, a marca começou um programa de reciclagem de papelão e vidro, que são separados pela equipe, limpos e coletados semanalmente pela Green Mining, empresa de logística reversa. Para obter o serviço, Fernando afirma que foi preciso apenas fazer um cadastro.

Com a falta de incentivo público, parcerias são formas eficientes de colocar a reciclagem em prática, diz Barbero, da Fecap. Se a empresa for pequena, ela pode se associar a outras para buscar melhores preços na compra de embalagens sustentáveis.

Mas também é possível contratar serviços. Com um sistema de assinatura oferecido a restaurantes, a Re.Pote vai fornecer vasilhas para restaurantes de São Paulo que podem ser usadas pelos clientes ou retiradas e encaminhadas para uma nova entrega. A marca quer testar a ideia até o fim do ano para avaliar o comportamento do consumidor.