domingo, 20 de setembro de 2020

Mais um round de intimidações ao Ministério Público?, FSP

 Carlos Aguiar

Procurador regional da República, é integrante do Núcleo Anticorrupção do Ministério Público Federal na 2ª Região (RJ-ES)

Em seu dever constitucional de combater a corrupção, o Ministério Público propõe ações como a do mensalão, que apontou sofisticado esquema e teve dezenas de condenações no Supremo. Casos assim deveriam fortalecer o órgão, mas, ao contrário, têm gerado reações para enfraquecê-lo, sobretudo sua atuação anticorrupção —vide a PEC 37, que quis tirar do MP a legitimidade de fazer investigações criminais.

Proposta em junho de 2011, no exato momento em que o Ministério Público Federal deveria dizer se insistia com as condenações do mensalão, tinha claro objetivo de intimidar o órgão, mas não evitou as punições. Com as manifestações populares de 2013, a PEC não resistiu e a aprovação, tida como certa até então, sucumbiu ao apelo das ruas.

O efeito foi positivo e, em 2014, teve início a Operação Lava Jato, incisiva reação ao crime organizado que responsabilizou políticos e empresários influentes e recuperou altas cifras para os cofres públicos.

Novas retaliações vieram, dessa vez mirando procuradores, juízes, policiais e outros agentes que atuam contra a corrupção. Um exemplo é a Lei de Abuso de Autoridade.

Representações em corregedorias, notificações pessoais, notícias falsas e difamatórias são parte das intimidações, que se complementam às tentativas de esvaziamento de suas atribuições, como se vê agora nos acordos de leniência.

Tudo isso em detrimento de providências mais urgentes, aptas a alterar o burocrático sistema processual, vocacionado a causar impunidades por infindáveis recursos protelatórios e a insegurança jurídica, por tantas reinterpretações da Constituição e das leis.

Desta vez, as reações surgem de diversos flancos, gerando uma imensa crise neste MP revitalizado após a ditadura. Instituição alguma pode furtar-se a críticas e aperfeiçoamento. É natural e faz bem a seu avanço e profissionalização, sobretudo em trabalhos complexos, como é a Lava Jato. Nada justifica, porém, esse movimento sincronizado que se assemelha à ação do boxeador que joga o rival às cordas e desfere golpes baixos para minar a capacidade de resistência.

Os resultados da Lava Jato confirmam o êxito desse modelo que une habilidades e conhecimentos em prol do combate à macrocriminalidade e consequente responsabilização de quem alimenta uma cultura da corrupção. Isso leva à conclusão de que atos recentes pautam-se menos pela necessidade de corrigir erros; visam, de fato, aplacar efeitos positivos da atuação de membros do Ministério Público, juízes, policiais, auditores fiscais e outros agentes públicos comprometidos com o combate à corrupção.

O reequilíbrio de forças é urgente, e a atenção da população volta a ser imprescindível, tanto para barrar projetos similares à PEC 37 como para apoiar iniciativas de desestimulo à impunidade, como a execução da pena em 2ª instância. Resta ao MP seguir trabalhando de maneira firme e intransigente, ciente do seu dever constitucional e da indisponibilidade dos bens jurídicos que lhe cabe proteger.

Ruy Castro Samba na maca, FSP

 Foi na semana passada, numa clínica da Zona Sul. A grande cantora se submeteria a uma cirurgia que vinha adiando e de que agora não queria passar. A anestesista aplicou-lhe a peridural e um calmante, e, ainda alerta, ela foi levada para a sala. A cirurgiã, que a conhecia, apresentou-a à assistente: "Sabe quem é? Doris Monteiro!". E a outra: "Isso é problema dela". Insolência? Não. Doris riu —porque a assistente logo emendou cantando: "Preparei uma roda de samba só pra ela/ Mas se ela não sambar/ Isso é problema dela...".

Tratava-se de "É Isso Aí", o samba de Sidney Miller que Doris consagrou em 1971. A instrumentadora pegou a deixa e atacou: "Mudando de conversa/ Onde foi que ficou/ Aquela velha amizade/ Aquele papo furado/ Todo fim de noite/ Num bar do Leblon..." —"Mudando de Conversa", de Mauricio Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho, outro sucesso de Doris, em 1968. E uma das enfermeiras mandou: "Eu sou feliz/ Tendo você sempre ao meu lado/ E sonho sempre/ Com você mesmo acordado..." —"Dó-ré-mi", claro, o supersamba-canção de Fernando Cesar, arraso de Doris em 1955.

A sala de cirurgia parecia uma roda de samba. Outra enfermeira arriscou: "Mocinho bonito/ Perfeito improviso de falso grã-fino/ No corpo é atleta, no crânio é menino/ Que, além do á-bê-cê, nada mais aprendeu..." —"Mocinho Bonito", que Billy Blanco fez para Doris em 1957.

E uma terceira enfermeira rendeu-lhe a homenagem suprema: pediu a Doris que cantasse, ali mesmo, na maca. E Doris começou: "Cara de palhaço/ Pinta de palhaço/ Roupa de palhaço/ Foi este o meu amargo fim...". Mas não chegou ao fim de "Palhaçada", de Haroldo Barbosa e Luiz Reis, estouro de 1961. O calmante começou a fazer efeito e, dali a pouco, ela estava dormindo.

No dia seguinte, feliz e em casa, Doris continuava emocionada. Nem nos seus tempos de Rainha do Rádio tivera um fã-clube como esse.