quarta-feira, 16 de setembro de 2020

PAULO WERNECK Taxa do livro é pedra no caminho do desenvolvimento, FSP

 

Paulo Werneck

Editor da revista Quatro Cinco Um

Tantas vezes brilhante em sua coluna, Marcos Lisboa escorrega ao defender, nesta Folha, a taxação ao livro proposta por Paulo Guedes ("Livros", 12.set.2020). É triste ver a sua adesão a uma iniciativa que faz parte do ataque geral à cultura, às artes, à educação e à ciência. Não há como dissociar a ideia bibliofóbica de Guedes de todo o obscurantismo que o cerca em Brasília.

Lisboa adere a dois pontos da argumentação do ministro: o suposto elitismo do consumo de livros, o que daria à isenção ares de "privilégio", e a defesa do imposto como meio para criar políticas públicas para o livro e a leitura.

Paulo Werneck, editor da revista Quatro Cinco Um
Paulo Werneck, editor da revista Quatro Cinco Um - Marcus Leoni - 29.jul.17/Folhapress

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura 2020, a classe A foi a que mais deixou de ler de 2015 para cá, enquanto as classes C e D vêm sustentando o nosso mercado de livros. A pesquisa mostra que o fim de boas políticas públicas foi decisivo para a erosão da leitura no país (há outras causas, como a concorrência das plataformas digitais). E assim vamos perdendo a janela demográfica para nos tornarmos um país de leitores (ela se fecha antes de 2040).

Quanto às bibliotecas, seria ingênuo acreditar que justo agora nasceria uma política pública decente para o livro. Nada aponta nessa direção. Conhecido por vender terrenos na Lua ao mercado, Paulo Guedes agora fala em distribuir livros de graça ao cidadão selenita.

Ao tratar o livro como mera opção de lazer, Lisboa desconsidera o problema econômico representado pela deficiência na leitura e na escrita, habilidades essenciais para qualquer atividade, inclusive tratar um câncer ou fazer música sertaneja (exemplos citados no artigo).

A leitura e a escrita atravessam e impulsionam todos os setores econômicos. A taxa do livro é uma pedra no caminho de futuros advogados, médicos, engenheiros, professores. Poderíamos criar um índice de desenvolvimento humano e econômico associado à circulação de livros. Vamos aproveitar o debate e fazer isso com o Insper, Marcos?

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Saber ler e escrever é como saber fazer contas, ou como ter certeza de que a terra é redonda. É o mínimo, é o básico, é para todo mundo. E ainda não se inventou um meio mais poderoso (nem mais barato) que o livro para ensinar a ler e a escrever.

A ideia de Guedes ameaça um pilar do liberalismo —a circulação de livros— e por isso deveria ser rechaçada pelos liberais de boa cepa. O livro é a liberdade de expressão encadernada. Os livros precisam circular com a mais absoluta fluidez, pois transformam indivíduos e a sociedade. Por isso eles são os primeiros a ser proibidos (ou ameaçados com taxação) quando o autoritarismo começa a mostrar as garras.

Marcos Lisboa é um quadro importante para que o Brasil supere todo este pesadelo: precisamos de sua sensibilidade e de seus olhos abertos. Repense sua posição nesse debate, Marcos.

Senão, seria preciso acrescentar um item à máxima —nada livresca— de Tim Maia, segundo a qual o Brasil é o único país em que o traficante é viciado, a prostituta goza, o cafetão sente ciúme e o pobre é de direita. Aqui, saudoso síndico, os liberais de boa cepa, como Lisboa e Bernard Appy, defendem, isso mesmo, a criação de novos impostos. E sobre o livro.


Ruy Castro Cordial, blasé e decorativo, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Você o vê de vez em quando na televisão —não tanto que dê para saturar, nem tão pouco que não o reconheça. É um homem em trânsito permanente. Quando um repórter o laça para uma pergunta, ele está sempre saindo de um carro ou entrando em outro, subindo ou descendo rampas, cercado de aspones e a caminho de algum lugar. Dir-se-ia ocupadíssimo, mas, como sabe ser de sua obrigação, não deixa de conceder um ou dois minutos para um papo com os rapazes e moças. E, ao fazer isso, exibe toda a sua cordialidade, fleuma e bonomia. É o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República.

Não importa a pergunta. Se o jornalista falar da tragédia ambiental, do fogo na mata, dos animais carbonizados, do desmatamento criminoso, do ataque às nascentes, da destruição da terra ou da expulsão dos indígenas, ele responderá a tudo com seu ar blasé e bonachão. Não pode desmentir as acusações filmadas e documentadas, mas também não vê nada demais nelas. Vamos resolver, sorri. E não o altera que, a cada sorriso benigno que oferece às câmeras, uma ararinha azul ou onça-pintada vire torresmo pela ação ou inação de seus subordinados.

É o seu estilo, a naturalidade com que recebe as gafes, impropriedades e mentiras do governo. Não é tão grave assim, não fomos nós que fizemos, não foi bem isso que ele quis dizer —são alguns de seus mantras para defender os homens que estão demolindo a saúde, a educação, o trabalho e o caráter do país.

Ou talvez nada seja com ele. Mourão deve sentir-se reconfortado por ser apenas o vice-presidente dessa miséria —confiante de que, por sua função subalterna, não será cobrado por ela.

Mas é aí que se engana. Ele faz parte do governo. Ao ser tão "compreensivo" diante do que vê e que sabe, está pondo seu jamegão no que acontece lá dentro. A não ser que não veja nem saiba nada, e seja mesmo só decorativo —como se julga.