quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Jardim das delícias tributário, Hélio Schwartsman, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Depois da pejotização, a religiosização. Se a bancada da Bíblia e o presidente Jair Bolsonaro, agora atuando como um quinta-coluna contra o Ministério da Economia, tiverem êxito em seu intento de prover ainda mais vantagens tributárias a igrejas, poderemos assistir a um movimento de transformação de empresas em organizações religiosas, parecido com aquele que levou celetistas a se tornarem empresários.

Criar uma religião é um procedimento cartorial simples e barato. Como confessei aqui ainda outro dia, eu próprio já montei a minha, consubstanciada na Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, com a qual tive acesso ao jardim das delícias tributário.

Dado que meu intuito era apenas mostrar quão fácil é a religiosização, limitei-me a fazer uma aplicação financeira de valor simbólico sem pagar impostos. Mas, se desse o salto de fé completo, poderia ter me livrado de IRPJ, ISS, IPVA, IPTU e, em alguns estados, até do ICMS embutido nas contas de luz, telefone e TV a cabo.

A única coisa de que não dava para escapar eram contribuições sociais, como CSLL e Cofins, e previdenciárias. É isso que está prestes a mudar, nem que seja via PEC. Ao que tudo indica, junto virá o perdão das dívidas passadas.

Até acho que imunidade tributária conferida a cultos fez sentido no passado. Era um jeito de evitar que o Estado criasse embaraços às religiões não oficiais impondo-lhes impostos especiais. Não penso, porém, que essa lógica ainda subsista. O poder público não tem mais condições de criar taxas que atinjam só minorias religiosas.

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Nos dias de hoje, o que me parece difícil justificar é que a fé seja imune a impostos enquanto setores muito mais essenciais à vida, como alimentação e saúde, são às vezes pesadamente onerados. Já passa da hora de fazer prevalecer o princípio da solidariedade tributária, pelo qual todos pagam para que os impostos sejam menores para todos.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Destino do Minhocão, Opinião FSP

 

A proposta de desativar o elevado João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão, felizmente vem deixando o campo abstrato dos debates para adentrar o terreno concreto das leis.

A preservação da via, cuja importância para o caótico trânsito de São Paulo é contestada por estudos da Companhia de Engenharia de Tráfego, tornou-se indefensável diante das consequências perversas da desvalorização econômica, arquitetônica e humana que sua presença impõe, faz décadas, a uma tradicional área da cidade.

Consagrou-se no Plano Diretor da capital de 2014 a ideia de inativar a estrutura até 2029. Desde então foi ganhando corpo o intento de fazer dela um parque suspenso. Uma lei nesse sentido foi promulgada em 2018 e, no ano passado, o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou o início das obras num trecho de 900 metros do elevado.

Opositores dessa solução, contudo, forçaram um novo caminho. Na semana passada, os vereadores aprovaram a convocação de um plebiscito para que os paulistanos decidam que fim dar ao Minhocão —se demolição total, parcial ou construção de um parque.

Por importante que seja a participação popular nesse processo, soa desarrazoada, todavia, a ideia de ouvir a capital toda acerca de uma questão que, na realidade, afeta apenas parte diminuta dela.

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No limite, numa cidade gigantesca como São Paulo, o assunto seria decidido não pelas centenas de milhares de paulistanos diretamente impactados pelo destino do elevado, mas pelos milhões que, vivendo distantes dali, talvez pouco ou nunca usufruam da escolha feita.

Assim, seria melhor que a consulta se restringisse, por exemplo, aos habitantes dos distritos do entorno do Minhocão, ou da subprefeitura onde a via se localiza.

Dentre as opções futuras do elevado, esta Folha inclina-se pela da transformação do espaço em parque. É notório, afinal, que a metrópole carece de áreas verdes voltadas ao lazer e à prática de esportes. Conta ainda a favor dessa preferência o fato de que o paulistano já acolheu o local, que, nos últimos anos, tem sido aberto com sucesso à população nos fins de semana.

Seja qual for o destino escolhido, porém, é crucial que ele venha acompanhado de um plano que promova a revitalização da área. E que seja capaz de preservar a presença dos atuais moradores e de atrair novos, numa transformação que o entorno há muito necessita.

editoriais@grupofolha.com.br

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Aloysio Faria era o último dos grandes fundadores de bancos do Brasil, FSP

 15.set.2020 às 19h42

SÃO PAULO

Aloysio de Andrade Faria (1920-2020) era o último dos grandes fundadores da banca moderna no Brasil, instituições que foram criadas ou ganharam corpo nos anos 1940 e que resistiram à onda de quebradeiras decorrente também do fim da superinflação, a partir de 1994. Era do grupo que incluiu um Amador Aguiar (do Bradesco, fundado em 1947), um Walther Moreira Salles (do Unibanco, de 1942) ou de um Olavo Setúbal (do Itaú, de 1943).

O empresário morreu nesta terça-feira (15), aos 99 anos.

Faria foi dono do Real, banco que assumiu com a morte do pai, em 1948, então ainda chamado Banco da Lavoura de Minas Gerais, que havia sido criado como uma cooperativa de crédito agrícola, em 1925. Sob Faria, o banco cresceu, foi pioneiro e ativo em negócios internacionais e mudou de nome no começo dos anos 1970 (para Real), durante uma disputa com o irmão, Gilberto Faria (1922-2008), também banqueiro (Banco Bandeirantes), político e que foi padrasto do ora deputado federal Aécio Neves.

O banqueiro Aloysio de Andrade Faria, fundador do Banco Real
O banqueiro Aloysio de Andrade Faria, fundador do Banco Real - Paulo Giandalia/Folhapress

Em 1998, o Real foi vendido para o holandês ABN Amro por US$ 2,1 bilhões, o equivalente hoje a US$ 3,34 bilhões (cerca de R$ 17,7 bilhões) –o ABN seria comprado em 2007 pelo Santander. Em 1998, era o quarto maior banco privado do país, tido então por analistas do ramo como dos mais eficientes. Faria reteve alguns negócios do Real, que se tornaram parte do conglomerado Alfa, hoje entre as 50 maiores instituições financeiras do Brasil. O grupo tem empreendimentos como os hotéis Transamérica, as lojas C&C Casa e Construção, fazendas e indústria de óleo de palma, a Águas Prata, a rádio e TV Transamérica e o Teatro Alfa, em São Paulo.

Faria era neto do coronel Pacífico Soares de Faria, pecuarista do Vale do Jequitinhonha, e filho de Clemente Faria, fundador do banco, deputado federal e figura de peso na elite mineira nos anos 1940. Ele mesmo, porém, ficou conhecido pela discrição, chamado de “banqueiro invisível”.

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É difícil encontrar registros de seu envolvimento com políticos. Quase não aparece em memórias de gente com poder na economia e na política do século 20. Aparece de modo curioso e de passagem nos “Diários da Presidência” de Fernando Henrique Cardoso. Lá, FHC diz que parte da banca privada brasileira estava entre irritada e assustada com a concorrência estrangeira, que Faria estava contente com venda do banco e que o Real na verdade havia sido oferecido a compradores de fora pelo Banco Central.

Em 2015, Faria apareceu na lista de milionários brasileiros que usavam contas do HSBC na Suíça para movimentar recursos por paraísos fiscais. Em 2003, fora investigado pela CPI Mista do Banestado, pois um banco de Faria era objeto de um inquérito sobre lavagem de dinheiro nos EUA.

Faria formou-se em medicina no que é hoje a Universidade Federal de Minas Gerais, em 1945, e mestre em ciência (fisiologia) pela Universidade Northwestern (EUA), em 1947. Era gastroenterologista em Belo Horizonte quando o pai morreu de pneumonia. Depois de seis meses entre o trabalho em um hospital, pela manhã, e no banco, de tarde, acabou por preferir a finança.

Em 2000, em uma entrevista rara, à revista IstoÉ Dinheiro, disse que, tivesse sido médico por cinco anos, não teria largado a profissão. Foi também em torno do ano 2000 que se afastou do dia-a-dia de seus negócios, que não deixou de acompanhar até o final da vida, no entanto. Dizia que seu “hobby número um” era ler biografias, história e romances, Guimarães Rosa em particular, sentado na varanda de sua casa, diante do lago da sua fazenda em Jaguariúna (SP). Foi da direção do Museu de Arte Moderna de Belo Horizonte e do Museu de Arte de São Paulo (Masp), que recebeu algumas doações caras do banqueiro.

Conta nessa entrevista à IstoÉ que de fato criou a sorveteria La Basque, em São Paulo, porque, segundo ele, não haveria bons sorvetes no Brasil e ele adorava o doce. Além de finanças, arte, “Grande Sertão: Veredas” e sorvete, Faria gostava de criar gado e cavalos árabes e da raça pampa. Um contemporâneo ainda vivo diz que Faria não gostava de “confusão, política, notoriedade, que eram uma chateação”; gostava de mandar, sendo centralizador nos negócios, e “de viajar para a Inglaterra”. Nas palavras desse conhecido, seria um conservador, que não gostava de qualquer espécie de confusão, um conservador estrito, mas ilustrado. Teve cinco filhas, nenhuma das quais se interessou pela atividade do pai. Era casado com Clea Dalva Faria. Seria em 2020 a 55ª pessoa mais rica do Brasil, com R$ 8,3 bilhões de patrimônio, segundo a revista Forbes.​