domingo, 12 de julho de 2020

SILVIO DULINSKY Não se trata de começar do zero, mas começar melhor, FSP

Pandemia trouxe um jogo completamente novo

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Silvio Dulinsky

Membro do comitê executivo do Fórum Econômico Mundial e formado em administração de empresas (USP, Iese e Universidade Stanford)

Esta crise é muito diferente das anteriores, e não apenas pela sua origem, seus efeitos e sua gravidade, mas também pela resposta dos governos e por seu impacto social. Há várias crises combinadas: de saúde, economia, fiscal, setorial e, em muitos casos, política.

Talvez o maior desafio que temos seja uma profunda recessão de confiança. Não apenas nas instituições, que já vinham sofrendo há bastante tempo, mas agora também entre as pessoas, no comércio do bairro, no restaurante preferido e na economia local. Esse é um grande desafio para a retomada da economia, que gerará cicatrizes difíceis de eliminar.

Silvio Dulinsky - Membro do comitê executivo do Fórum Econômico Mundial e formado em administração de empresas (USP, Iese e Universidade Stanford)
Silvio Dulinsky, membro do comitê executivo do Fórum Econômico Mundial e formado em administração de empresas (USP, Iese e Universidade Stanford) - Divulgação

O mundo já presenciava focos de tensão antes da pandemia, e a atual crise está acentuando aquelas tendências. A crise financeira da década passada deixou muitos decepcionados com o sistema capitalista-liberal —que concluíram que a globalização funcionava somente para alguns, deixando a maioria para trás. Isso culminou no Brexit e na eleição de líderes populistas em vários países.

A eleição de um presidente dos Estados Unidos com uma nova visão de mundo mudou o país em favor do protecionismo e enfraqueceu o sistema multilateral. Ao mesmo tempo, a China está se tornando um poder mais consciente de sua influência global, está mais assertiva e mais determinada a exercer esse poder.

Mas a Covid-19 mudou as cartas de todos os jogadores. É um jogo completamente novo.

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Estamos no meio da recessão mais profunda da história de nossos países em tempos de paz. Os estudos do FMI, do Banco Mundial e da OCDE mostram um impacto devastador em todo o mundo. No entanto, o efeito não foi o mesmo para todos os países ou setores da economia.

Como será o mundo depois da pandemia? Em geral, há pouca visibilidade e muita especulação. Mas algumas coisas sabemos com certeza, e outras parecem razoavelmente possíveis: aceleração da digitalização, aumento de dívida pública e privada, mudanças nas cadeias de valor e nos padrões de consumo e maior polarização política.

Diante de déficits muito maiores para evitar uma espiral negativa da economia, a sociedade terá dificuldade em aceitar políticas de austeridade. É possível que haja aumentos de impostos, principalmente para maiores rendas e para empresas.

Os governos estão procurando maneiras de aumentar a resiliência da sociedade e da economia contra crises futuras. Muitos defendem incentivos para a produção e o consumo local, o que pode levar a medidas protecionistas.

A política também será mais polarizada. O conflito, que vem de antes, entre uma direita mais nacionalista e uma esquerda mais progressista, parece ter se exacerbado em muitos países. Esses grupos vão lutar para definir que papel deve ter um Estado mais assertivo.

No plano geopolítico, acentua-se a rivalidade em campos onde tradicionalmente havia colaboração. Mesmo no tempo da Guerra Fria os blocos encontraram pontos de convergência nas áreas de saúde, tecnologia e meio ambiente. Atualmente essas três áreas enfrentam desafios devido a uma maior disputa entre países.

Em outras áreas somos muito mais ignorantes. Será possível controlar completamente a doença? Não sabemos se uma vacina colocará a pandemia sob controle total. Não sabemos como será o caminho para a recuperação econômica. Os Estados Unidos e a China continuarão a aumentar suas hostilidades? Na reunião de Davos no início deste ano, um palestrante asiático disse que, no passado, raramente uma potência política e econômica aceitou perder a sua liderança sem passar por um conflito militar.

Recentemente, o Fórum Econômico Mundial lançou uma série de diálogos com líderes globais sobre o tema da nossa próxima reunião em Davos, “The Great Reset”.

É essencial ter o sentido de urgência para reconstruir um modelo econômico mais inclusivo e sustentável. Se não enfrentarmos esses desafios acentuados pela pandemia, a crise social se intensificará, levando a uma maior polarização e a novos confrontos ainda mais intensos. Cabe a todos nós que a tragédia humana e econômica não seja o único legado desta crise. Não se trata de começar do zero, mas de começar melhor.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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Ruy Castro Filmes certos, papéis nem tanto, FSP

Morreu o ator Leonardo Vilar e, pelos obituários, descobre-se que o grande papel de sua carreira quase lhe escapou: o do pungente camponês Zé do Burro, que tenta entrar numa igreja com uma cruz, no filme "O Pagador de Promessas" (1962). O produtor preferia Mazzaroppi, famosíssimo. Mas o diretor Anselmo Duarte ficou firme em Leonardo Vilar e, com ele, venceu o Festival de Cannes. O cômico jeca Mazzaroppi arrastaria aquela cruz pelas ruas da Bahia sem nos fazer rir?

Muitos filmes escaparam por pouco de ter o ator, digamos, menos indicado. O Rick inicialmente escalado para "Casablanca" (1942) não era Humphrey Bogart, mas Ronald Reagan. Por Billy Wilder, a estrela decadente de "Crepúsculo dos Deuses" (1950) teria sido Mae West. Mas Mae não se interessou, e ele chamou Gloria Swanson. E o papel duplo feminino de "Um Corpo que Cai" (1958) foi escrito para a competente Vera Miles. Só que ela engravidou e Hitchcock, contrariado, substituiu-a por Kim Novak. O mundo agradeceu.

Em 1959, Jean-Luc Godard já namorava Anna Karina e a queria para o papel de Patricia em "Acossado". Mas Patricia teria de ficar nua numa cena, mesmo que de costas. A jovem Karina não aceitou. Godard então convidou a americana Jean Seberg e, por isso, fez de Patrícia a garota que vende o Herald Tribune no Champs-Élysées. Foi melhor assim.

O primeiro James Bond, desde "O Satânico Dr. No" (1962), já era para ter sido Roger Moore. Mas ele não estava disponível e, por isso, Sean Connery se tornou —para sempre— 007. Moore, como se sabe, depois assumiria o papel. E, ao estrear como diretor, com "Um Assaltante Bem Trapalhão" (1969), Woody Allen sonhava com Jerry Lewis no protagonista. Como Lewis nem respondeu ao convite, Woody escalou a si próprio --o resto é história.

E como teria sido "O Poderoso Chefão" (1972) com Laurence Olivier no lugar de Marlon Brando? Pois quase foi.

Mazzaropi, caracterizado como Jeca, e Leonardo Vilar em "O Pagador de Promessas" - Divulgação
Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

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Elio Gaspari Sai Weintraub, entra Mendonça, FSP

Com a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação, o doutor André Mendonça atropelou por fora e ultrapassou Ricardo Salles, tomando a dianteira para a condição de ministro com a maior carga folclórica.

Depois de avançar sobre o chargista Aroeira e o repórter Ricardo Noblat, o ministro da Justiça requisitou à Polícia Federal a abertura de um inquérito contra o colunista Hélio Schwartsman por ter escrito o artigo “Por que torço para que Bolsonaro morra”.

O ministro da Justiça, André Mendonça, ao lado do presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira - 29.abr.2020/Folhapress

Mendonça invoca o artigo 26 da Lei de Segurança Nacional, que prevê a reclusão de um a quatro anos para quem “caluniar ou difamar o presidente da República”.

Desejar a morte de alguém não é calúnia nem difamação. Se fosse, o deputado Jair Bolsonaro deveria ter sido enquadrado em 2015, quando desejou que Dilma Rousseff terminasse seu mandato “infartada ou com câncer, de qualquer maneira”.

Além disso, Bolsonaro tem uma relação amigável com a morte dos outros. Como ele mesmo já disse, “lamento, todo mundo morre”.

Em nome da segurança nacional encarceraram-se milhares de pessoas, entre elas o historiador Caio Prado Júnior e o escritor Graciliano Ramos. As iniciativas de Mendonça podem ter agradado a Bolsonaro, seu “profeta”, mas estão condenadas a se transformar em vexames jurídicos. Darão uma linda oportunidade profissional aos advogados que tomarem a defesa de Aroeira, Noblat e Schwartsman.


CADÊ, GUEDES?

O ex-deputado Bruno Araújo pegou leve ao cobrar do ministro Paulo Guedes o futuro e as reformas que oferecia: “Cadê o Brasil novo que o atual ministro tanto promete e nunca entrega?”.

Faltou perguntar a Guedes onde foi parar aquele seu amigo inglês que em abril ofereceu-lhe 40 milhões de testes para Covid por mês.

ESTATAIS IMORTAIS

Desde 2008 a Viúva sustenta o Centro Nacional de Tecnologia Avançada (Ceitec). Entre outras atribuições, ela seria uma estatal fabricante de chips. A repórter Luísa Martins informa que fracassou a tentativa do ministro Paulo Guedes de liquidá-la.

A primeira fábrica de circuitos integrados brasileira surgiu em 1978, com o óbvio amparo da Boa Senhora. De lá para cá a Apple virou a Apple, Bill Gates tornou-se um bilionário com a Microsoft e os chineses da Lenovo compraram a operação da IBM no país, mas os chips nacionais nunca emplacaram.

As estatais, como o Fantasma da Selva, são imortais. A Valec, que deveria operar o trem-bala ligando o Rio a São Paulo em três horas, vai bem, obrigado. O governo dizia que o trem estaria rodando na Copa de 2014, mas o seu projeto foi transferido para outra estatal, a EPL. A ideia do trem-bala sumiu, mas a estatal continua lá.