quarta-feira, 1 de julho de 2020

JBS doa à Faculdade de Direito da USP e abre polêmica sobre conflito de interesses, FSP

Faculdade nega conflito de interesses e JBS diz que doação atendeu a ofício e foi aprovada pelo comitê de ética

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SÃO PAULO

A gigante do setor de carnes JBS vai doar R$ 16 milhões à USP para a construção de um prédio que abrigará a nova biblioteca da Faculdade de Direito da universidade. A operação, no entanto, tem sido questionada no meio acadêmico.

Alunos e especialistas ouvidos pela reportagem criticaram o fato de a doação ter sido realizada em meio à pandemia (quando não há atividades presenciais na universidade) e o eventual conflito de interesses. Professores da instituição também atuam na JBS.

O termo de doação foi aprovado pelo Conselho Técnico Administrativo da faculdade em abril em uma reunião virtual e por unanimidade. Fazem parte do órgão, além de professores, dois representantes dos alunos.

Sob a condição de anonimato, alunos e ex-alunos da faculdade contestaram a falta de discussão sobre a doação e o elo de docentes com a companhia.

Facha da Faculdade de Direito da USP no largo São Francisco, região central de São Paulo - Danilo Verpa - 8.ago.2020/Folhapress

É o caso, por exemplo, de José Marcelo Martins Proença, professor de direito comercial da USP e diretor global de compliance da JBS. Ele afirma que a doação não foi negociada pelo setor que chefia na companhia e que não interveio nas tratativas.

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“Não teve a minha interferência, até porque eu teria conflito de interesses para atuar nesse sentido. Quando chegou a proposta de doação, obrigatoriamente passou pelo compliance. Eu, como diretor, levei a questão para um comitê de ética interno da JBS e me dei por suspeito. Portanto, não pude votar. Os demais companheiros do comitê de ética aprovaram essa doação”, diz.

Segundo Proença, as tratativas foram iniciadas antes da pandemia. “Como professor, acho que a doação é tudo o que professores e alunos atuais e futuros da faculdade precisamos. Teremos uma biblioteca muito mais organizada. Vejo como super regular e nobre a doação, tanto de quem recebeu como de quem doou.”

O diretor da faculdade, Floriano Marques Neto, afirma que o pedido partiu dele, que tem feito solicitações do tipo a grandes empresas.

“Nesse caso, eu fiz o processo de doação sozinho, pessoalmente fiz a solicitação em fevereiro. Em outros casos eu peço ajuda de outros professores, mas não neste. Eu me propus a buscar dinheiro para a faculdade”, afirma Marques Neto.

Ele diz que Proença só soube que das tratativas com a JBS quando a negociação estava em estágio avançado.

Na ata da reunião do Conselho Técnico Administrativo, no entanto, constam elogios de Marques Neto à atuação de Proença nas tratativas.

“Fui conversar com a empresa e tive a minha vida facilitada porque o diretor de compliance da empresa é professor da casa, Prof. José Marcelo Proença, que gentilmente me abriu as portas da empresa e me levou aos escalões de decisões [...] nessa conversa que terminou no meio da pandemia, uma das poucas ocasiões em que eu sai da minha casa, resultou numa oferta de doação no valor perto de R$ 16 milhões”, teria dito Marques Neto, de acordo com o documento.

Inicialmente, a ideia era de que a doação fosse feita no âmbito do acordo de leniência da JBS com o Ministério Público Federal. Floriano Marques Neto diz ter obtido um aval de membros Procuradoria sobre o assunto, mas que a JBS não quis incluir a doação no acordo.

Para Roberto Romano, professor de ética da Unicamp, o recomendável nesse caso seria suspender a doação até a volta das aulas presenciais na faculdade.

“Dizer agora, sem esse tipo de providência, se algo comprometedor, é imprudente. O melhor é suspender a doação e esperar que as instituições universitárias funcionem normalmente, com funcionários, alunos e professores discutindo. Que se faça a partir de então uma comissão para ver quantos professores e profissionais da USP já defenderam a JBS e até que ponto essa doação poderia comprometer a estrutura da faculdade”, afirma.

“Todas as grandes empresas do Brasil tem algum professor da faculdade que em algum momento advoga para elas. Eu peço para os meus clientes do escritório recursos para a faculdade. Eu sou diretor até 2022 e estou cumprindo o meu papel, não vejo conflito de interesses. Nenhuma das duas doações têm contrapartidas da faculdade e todas foram devidamente aprovadas”, diz o diretor da faculdade.

Letícia Chagas, presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, diz que a doação da JBS foi uma surpresa e que a entidade não foi ouvida sobre o assunto. Ela questiona que todo o montante tenha como destino o projeto da biblioteca.

“Não sabíamos que havia negociações com a empresa. As instalações da biblioteca são mesmo precárias e precisam de uma reforma. O problema é que temos uma moradia só para alunos da faculdade que está em péssimas condições, a Casa do Estudante. É um prédio do Centro Acadêmico, arrecadamos R$ 3 milhões para a reforma, mas falta R$ 1,5 milhão”, afirma ela.

“No mês passado houve um princípio de incêndio na Casa, já no meio da pandemia. Precisamos de R$ 1,5 milhão para o prédio que é moradia, e a faculdade acabou de conseguir R$ 16 milhões para reformar a biblioteca. Isso é algo que vem sendo questionado.”

Marques Neto afirma que tem conversado com outras três empresas para conseguir doações para a Casa do Estudante. “Tudo é importante, muita coisa estava parada quando eu assumi e pessoalmente apoio a reforma da Casa, que não é um projeto da faculdade”.

Procurada, a JBS diz que a doação "atendeu ao ofício recebido pela empresa em nome do diretor da referida universidade, Floriano de Azevedo Marques Neto" e que a solicitação foi aprovada sem restrições pelo comitê de ética da companhia.

"A alocação dos recursos visa, sobretudo, contribuir com os avanços na educação e com a manutenção do acervo da maior universidade de Direito da América Latina. O termo de doação não prevê doações em espécie. A empresa discorda de que haveria qualquer conflito de interesses visto que, como foi dito, o objetivo dessa doação é contribuir com o ensino e com todos os estudantes da maior escola de direito do país", afirma a empresa em nota.

O montante doado pela JBS será aplicado na aquisição de sistemas, mobiliário, computadores e equipamentos, e se soma aos R$ 17,5 milhões dados pela CCR no ano passado, que vão financiar a obra do edifício. O projeto prevê ainda a manutenção do acervo de obras raras do acervo.

A atual biblioteca da faculdade está espalhada em diversas salas da instituição e em um edifício apartado, em más condições de conservação.

Pandemia aniquilou 7,8 milhões de postos de trabalho no Brasil, FSP

RIO DE JANEIRO

A pandemia da Covid-19 destruiu 7,8 milhões de postos de trabalho no Brasil até o mês de maio, informou nesta terça-feira (30) o IBGE. Isso fez com que a população ocupada tivesse caído 8,3% na comparação com o trimestre encerrado em fevereiro, indo para 85,9 milhões de pessoas.

Pela primeira vez na história da Pnad Contínua, menos da metade das pessoas em idade para trabalhar está empregada. Isso nunca havia ocorrido antes na pesquisa, que teve início em 2012.

Dentre os postos de trabalho perdidos, 5,8 milhões são de empregos informais, que somam os profissionais sem carteira assinada e por conta própria. A taxa de informalidade caiu de 40,6% para 37,6%, a menor da série que começou a ser contabilizada em 2016.

Homem observa um cartaz com vagas de emprego na rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo - Dario Oliveira - 22.nov.2017/Folhapress


Maio foi o segundo mês completo com medidas de isolamento social impostas em todo o país como forma de conter o avanço do Covid-19, o que vem afetando a economia brasileira. Especialistas já dizem que o Brasil vive depressão econômica.

O primeiro óbito conhecido pelo novo coronavírus no país ocorreu no dia 17 de março. A partir daí, com o avanço da doença, o país promoveu o fechamento de bares, restaurantes e comércio como forma de combater a pandemia. Em abril, os efeitos econômicos começaram a ser sentidos com mais intensidade, já que as medidas restritivas duraram do começo ao fim do mês. O impacto continuou em maio.

​Diante desse cenário, o desemprego alcançou 12,9% na comparação com o trimestre anterior, encerrado em fevereiro, quando marcou 11,6%. São 368 mil pessoas a mais na fila do emprego, que atinge 12,7 milhões. Com relação ao mesmo período do ano passado, a taxa de desocupação cresceu 0,6 ponto percentual.

A analista da pesquisa, Adriana Beringuy, relatou que a queda na população ocupada foi bastante rápida. "Isso é preocupante", apontou. O coordenador Cimar Azeredo definiu que comportamentos relativos à pandemia da Covid-19 fazem com que a taxa de desocupação não reflita necessariamente o retrato atual do mercado de trabalho no Brasil.

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"Existe um ruído no desemprego relacionado à pandemia. Por causa do distanciamento social, o medo de contrair o vírus, as pessoas optam por não se deslocarem para procurar emprego e entram para os desalentados, por exemplo", disse Azeredo.

A população desalentada, pessoas que desistiram de procurar emprego, chegou a 5,4 milhões, um aumento de 15,3% em relação ao trimestre anterior e de 10,3% comparado a maio de 2019. Outros indicadores também bateram recordes na série, indicando condições piores de trabalho no Brasil após o início da pandemia.

Os subutilizados —aqueles que estão empregados, mas gostariam de estar trabalhando por mais tempo— aumentou 4 pontos percentuais e alcançou 27,5%. São 30,4 milhões de brasileiros nessa situação, um acréscimo de 3,6 milhões na comparação com fevereiro.

Entre os empregados do setor privado, o nível chegou ao menor da série, com queda de 7,5%, ou menos 2,5 milhões de pessoas no mercado, totalizando 31,1 milhões. O número de trabalhadores domésticos também despencou 18,9%, ou menos 1,2 milhão de brasileiros ocupados no setor.

Nesta segunda (29), dados do Caged mostraram que o mercado de trabalho brasileiro fechou mais 331,9 mil vagas com carteira assinada em maio. Desde o início das medidas de restrição da pandemia do coronavírus (em março), o total dos postos fechados chega a 1,4 milhão.

Na semana passada, a primeira divulgação mensal da Pnad Covid-19, edição extraordinária da pesquisa do IBGE criada para medir os efeitos do novo coronavírus sobre a população e o mercado de trabalho, já havia mostrado que 9,7 milhões de trabalhadores ficaram sem remuneração em maio.

Outra indicação é que os brasileiros mais afetados pela doença são os pretos, pardos, pobres e sem estudo. Além de relatarem incidência maior dos sintomas da Covid-19, pessoas desses grupos também sentiram de maneira mais forte os impactos econômicos provocados pela pandemia, que fechou estabelecimentos e suspendeu operações industriais.

Em paralelo aos impactos econômicos sentidos diretamente no aumento do desemprego, o Brasil vem acompanhando o Covid-19 se alastrar. Nesta segunda, o país registrou 727 novas mortes pela Covid-19 nesta segunda-feira (29), e 25.234 novos casos da doença. Com isso, o país atinge a marca de 58.385 óbitos causados pelo novo coronavírus e 1.370.488 registros da infecção.