Comparada inicialmente a uma pneumonia, a Covid-19 tem efeitos que vão muito além da
infecção no pulmão e que podem deixar sequelas depois da fase aguda da doença por tempo indeterminado.
Médicos hoje consideram a Covid-19 uma doença complexa, que exige tratamentos para
diversas partes do corpo ao mesmo tempo a fim de evitar a morte nos pacientes em estado mais grave.
“É uma doença multissistêmica. Nenhum órgão vai escapar”, diz Rosana Richtmann, infectologista do instituto Emílio Ribas. “Há a ação direta e indireta do vírus, e ainda há os efeitos dos medicamentos, necessários para salvar o paciente.”
O vírus se conecta a um receptor específico, o ECA2, que está presente em células do sistema respiratório,
intestino, rins e vasos sanguíneos. Nessas áreas, o efeito do invasor para destruir as células é direto e localizado.
A presença do vírus desencadeia a
tempestade de citocinas, proteínas que regulam a resposta imunológica, e que surgem para ajudar o corpo a se defender do invasor. Mas em alguns casos essa resposta pode ficar descontrolada e atrair mais células inflamatórias para a região, o que prejudica ainda mais os órgãos afetados pelo vírus.
Segundo Richtmann, a Covid-19 pode ser comparada mais adequadamente à sepse, doença sistêmica que ocorre quando a resposta imunológica para combater uma infecção localizada fica descontrolada e acaba por espalhar a infecção pelo corpo.
Os pulmões são a área mais afetada. A pneumonia causada pela Covid-19 é classificada como agressiva pelos médicos. Essa infecção prolongada
deixa cicatrizes no paciente, a fibrose pulmonar, um endurecimento do tecido que dificulta o funcionamento do pulmão.
“Devemos ter uma porcentagem não desprezível dos pacientes com essa cicatriz que leva a uma redução funcional do pulmão e tem impacto na qualidade de vida da pessoa”, afirma Felipe Costa, pneumologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
“Alguns dos pacientes vão precisar de fisioterapia respiratória. Um atleta que teve a doença pode não voltar a ter a mesma condição que tinha antes”, acrescenta Richtmann.
Em alguns casos essa condição pode ser revertida. Como os casos de Covid-19 são ainda muito recentes, os médicos dizem que será preciso aguardar alguns meses para verificar se a recuperação total é possível.
Os impactos da infecção nos rins podem também sair do hospital com o paciente. Segundo a National Kidney Foundation (fundação nacional do rim), instituição de pesquisa e apoio a doentes renais dos Estados Unidos, entre 3% e 9% dos pacientes de Covid-19 desenvolvem insuficiência renal aguda e em alguns casos necessitam de diálise.
De acordo com Richtmann, uma parte dos pacientes se recuperam dos danos nos rins e saem do hospital sem a necessidade de continuar fazendo diálise, mas os infectados diabéticos ou hipertensos, que já possuem a função renal comprometida em algum nível, precisam seguir o tratamento por algum tempo.
Relatos de médicos ao redor do mundo apontam ainda
inflamação no cérebro, lesões na pele e arritmia na fase aguda da doença. A dor muscular também pode aparecer como consequência da má distribuição de oxigênio pelo corpo.
Para afirmar quais serão as sequelas mais duradouras os especialistas pedem um tempo maior de observação.
A estadia dos pacientes de Covid-19
em estado grave nas UTIs tende a ser mais longa. Segundo médicos intensivistas, a passagem de um enfermo pela UTI dura, em média, cerca de cinco dias. Para os infectados pelo novo coronavírus que precisam dos cuidados especiais, a duração vai de três a quatro semanas.
O período ali pode dar origem à síndrome pós-cuidados intensivos, um conjunto de alterações físicas, cognitivas e psiquiátricas que fazem com que a recuperação do paciente seja mais demorada.
Um dos maiores efeitos é a perda da massa muscular, que faz com que os pacientes fiquem muito fracos, segundo Laerte Pastore Júnior, coordenador da UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
“Os pacientes ficam sedados e imobilizados por um tempo muito grande, demoram pra acordar. Há ainda um consumo do músculo pelo processo inflamatório. Esse paciente acorda muito fraco.”
A médica intensivista Carina Maitan, do Hospital São Luiz Unidade Anália Franco, em São Paulo, conta o exemplo de um homem de 38 anos que ficou 16 dias intubado. Ele só conseguiu andar cinco dias após sair da ventilação mecânica.
Pacientes mais velhos precisam de um período ainda mais longo para a recuperação e podem adquirir perda de mobilidade ou até disfunção cognitiva, diz a médica.
A sedação, explica Pastore, é usada para facilitar a adaptação do infectado ao ventilador. “Os sedativos têm efeitos colaterais que na maior parte dos casos podem ser contornados com outras medicações. É comum que os pacientes acordem confusos e com o ciclo de sono desregulado”, afirma.
O problema se agrava quando o paciente não se adapta ao sedativo, diz Maitan. “Temos dificuldade para sedar alguns pacientes de Covid-19. Nesses casos, precisamos usar mais de um medicamento, ou doses maiores. Os efeitos colaterais são piores e podem incluir delírios”, afirma.
A fisioterapia dentro da UTI ajuda, mas tem limitações, dizem os médicos. “Como são pacientes com um comprometimento pulmonar grande, é difícil trabalhar a musculatura mesmo depois que eles saem da intubação. Qualquer exercício vai cansar”, diz Maitan.
A recuperação passa por sessões de fisioterapia e ajustes nutricionais, mas o tempo para minimizar os efeitos negativos é incerto —depende do tamanho da lesão no pulmão, do tempo de UTI, da idade e da condição prévia do paciente.