Hoje o Copom deve revisar para baixo suas estimativas de inflação e de PIB
Fábio Alves*, O Estado de S.Paulo
06 de maio de 2020 | 04h00
A aposta majoritária dos investidores é de que o Copom irá repetir hoje a mesma postura da sua última decisão, no dia 18 de março: apesar de ver as condições para um corte mais agressivo da taxa Selic, optou por uma cautela e reduziu os juros em 0,50 ponto porcentual.
Essa aposta não reflete necessariamente uma sinalização nesse sentido pelos diretores do Banco Central, mas tão somente a precificação dos ativos do estresse causado pela crise política – agravada com a saída de Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, do governo – e pelo temor de uma deterioração das contas fiscais para além deste ano, após o anúncio do plano Pró-Brasil e a fritura do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A crise política ainda não arrefeceu, mas Guedes e sua agenda fiscalista já receberam o apoio inequívoco do presidente Jair Bolsonaro. Com isso, acabou, por enquanto, o temor com o plano Pró-Brasil, que previa investimentos públicos de R$ 30 bilhões nos próximos três anos, e a ameaça que representava à manutenção do teto de gastos.
Essa turbulência, contudo, fez o mercado passar a precificar um corte mais cauteloso da Selic ao fim da reunião de hoje do Copom, de 0,50 ponto, para 3,25%.
Até a saída de Moro do governo e do anúncio do plano Pró-Brasil, os contratos futuros de juros chegaram a embutir uma probabilidade de 100% de um corte de 0,75 ponto da Selic.
Tal aposta foi alimentada pelas declarações de diretores do BC, em eventos por videoconferência organizados por instituições financeiras, entre elas, a de que em momentos de incerteza não havia necessidade de a autoridade monetária ser conservadora e “guardar munição”.
Essas foram, na realidade, a última sinalização pública feita por diretores do BC em relação aos próximos passos da política monetária. A redução na aposta de um corte de 0,75 ponto para 0,50 ponto foi resultado do maior prêmio de risco nos preços dos ativos brasileiros em decorrência do estresse político e do temor com a situação fiscal após a pandemia do coronavírus. Por outro lado, o BC também não veio a público desautorizar essa precificação de uma redução mais cautelosa da Selic nesta semana.
Na ata da sua última reunião, o Copom chegou a dizer que, diante dos efeitos negativos expressivos da pandemia sobre a atividade econômica, seria necessária uma redução da Selic superior a 0,50 ponto. No mais recente Relatório Trimestral de Inflação, em 26 de março, o BC estimou crescimento zero do PIB brasileiro neste ano.
Desde então, o impacto das medidas de isolamento social para conter a disseminação do vírus aponta para uma recessão mais profunda, com a estimativa do PIB deste ano passando de um crescimento de 1,68% (conforme a pesquisa Focus publicada antes da última reunião do Copom) para uma contração de 3,76% (no mais recente boletim).
No mesmo período, a projeção de inflação em 2020 caiu de 3,10% para 1,97%, abaixo até do piso da meta perseguida pelo BC, de 2,5%. Já a estimativa do IPCA para 2021 (que tem a maior relevância para a política monetária neste momento) passou de 3,65% para 3,30%, abaixo da meta de inflação no ano que vem, de 3,75%.
Certamente, na reunião hoje, o Copom irá revisar para baixo as suas estimativas de inflação e de PIB em 2020 e 2021. Ora, se, em março, o Copom já via condições para um corte maior do que 0,50 ponto, agora a situação é mais dramática em termos de atividade econômica e de inflação. O cenário pessimista para o PIB em 2020 na reunião passada virou o cenário base para o encontro desta semana.
É provável que o BC não queira causar ruído e entregue um corte de 0,50 ponto, como o mercado passou a precificar majoritariamente nos últimos dias. Todavia, na ata da sua reunião de março, o Copom também alertou que a “maior variância no balanço de riscos não necessariamente implica gradualismo na condução da política monetária”.
É cada vez maior a visão entre analistas de que a recuperação da economia brasileira após a crise do coronavírus será muito mais lenta do que o imaginado. Assim como no esforço de guerra para aumentar gastos fiscais para combater a pandemia, vale a pena o Copom guardar munição agora?
*COLUNISTA DO BROADCAST