"Batidas na porta da frente/ É o tempo." Com o tempo, ele foi se fechando em casa, dentro de si mesmo. Andar na rua passou a ser perigoso: sofreu um grave acidente de carro em 1991, que deixou sua perna esquerda quase sem movimento. Ficava em sua biblioteca-escritório, lendo muito, recebendo os amigos e, sempre que dava, fazendo música.
Desde então, seu mais longo afastamento de casa foi no mês passado: uma ambulância o deixou no CER do Leblon com pneumonia e infecção generalizada, quadro agravado com a Covid-19. Aos 73 anos, Aldir Blanc morreu nesta segunda (4) no hospital Pedro Ernesto, em Vila Isabel, bairro do subúrbio carioca que deu samba e Noel Rosa, de quem ele foi autêntico sucessor. Não por acaso, Aldir passou lá a infância.
"Eu bebo um pouquinho/ Pra ter argumento." No tempo em que saía para tomar uma cervejinha —dizia que, quando o sujeito começa a falar no diminutivo em relação a bebidas, é grande e grave a sede—, raramente se afastava da Muda, onde morava. Nessas investidas, fazia-se acompanhar do artista plástico Mello Menezes, seu melhor amigo, fiel escudeiro e maior batedor de botequins pé-sujos a oeste do Catumbi.
Um dia, os dois curtiam o silêncio um do outro entre tremoços e cascos escuros quando um samba mal cantado começou na mesa dos fundos. Nem rimar rimava: "Quem citar o santo nome/ Do Salgueiro em vão/ Vai morrer com a boca/ Cheia de formiga". Mais pela euforia alcoólica do que pela política de boa vizinhança, Aldir resolveu puxar seu carro-chefe, "O Bêbado e a Equilibrista", timidamente fazendo a ressalva, comum entre compositores, de que iria cantar um "de minha autoria". Mal a tarde caía feito um viaduto, e um baixinho, que estava encostado no balcão tomando cachaça, gritou: "Coisa nenhuma! Este samba eu conheço! É do meu parceiro Waldir Branes!".
"Amores terminam/ No escuro, sozinhos."